Persistência.













Uma das coisas que isto de fazer comida lembra frequentemente é que é preciso persistir. Tentar uma e outra vez até chegar ao ponto que, para nós, será o ponto. Podemos retirar este e outros sentidos de outros domínios das nossas vidas. Mas, no meu caso, por gostar tanto de fazer comida, os sentidos maiores vêm quase sempre desta minha dimensão. Não sei como é que seria, não fosse esta alegria tão persistente. Mas, conhecendo-me, acho que iria buscar sentidos onde fosse/pudesse/quisesse:) 
Esta receita que fica hoje fez-me pensar mais uma vez nisso de ser preciso tentar. Sendo que não sou da ingenuidade de achar que se deve persistir em tudo e sempre. Nada disso. Saber continuar é, para mim, tão importante quanto perceber o momento exacto em que se deve desistir e deixar ir com o vento. Mas na comida, esse esforço de persistência dá (quase) sempre bons resultados. Tirando a minha incapacidade para lidar com alcachofras e outras coisas do género, raramente me apetece desistir de um ingrediente ou de uma ideia qualquer. 
Isto para dizer que, até uma determinada altura, achava que fazer bolas de carne não era a minha cena. A partir deste momento que já partilhei aqui, essa ideia mudou. Mas ocorreu-me que poderia ser ainda mais simples, ainda mais rápida de fazer, uma bola de carne. Estava certa. Maravilhosamente certa. Retirei uns ingredientes, introduzi outros e, muito importante, coloquei tudo numa forma de bolo inglês. Fica mais elegante, mais fácil de partir e precisa de menos tempo de forno. Por isso, tal como aconteceu nessa outra partilha, fiz esta versão flash várias vezes, para conseguir dizer bem as coisas aqui e para não fazer asneira:) 
Gosto mesmo de comida neste espírito pragmático-poético de juntar ingredientes numa taça, bater e levar ao forno, com esperança de coisas boas, vinte minutos depois. É isso. Servida com coisas de Outono. Cantarelos e boletos, frutos da terra e da generosidade de quem os colheu. Ou com um pouco de azeite e uns pós de orégãos. E esta comida tem também o detalhe de poder ser transformada num presente efémero. Uma folha de papel vegetal, um bocadinho de cordel e aquela coisa boa de saber que algures alguém há-de gostar mesmo de receber esta alegria de comer. Junto a isso, as primeiras tangerinas do tempo frio, vindas de uma árvore próxima. Com aquele jogo delicioso entre a acidez e a doçura irrepetíveis de um Novembro irrepetível. As árvores também ensinam aquilo da persistência. Como no título da peça de teatro que fica como frase lapidar. As árvores morrem de pé. Exemplos silenciosos de persistência orgulhosa. Mesmo assim. 

Bola de carne (mesmo) muito rápida:) 

100 g de bacon + metade de uma chouriça + 1 cebola (média) picada + 1 pimento italiano (pequeno e vermelho) + 4 ovos inteiros + 200 g de farinha + meio copo de leite + 3 colheres (de sopa) de azeite + flor de sal, pimenta preta, salsa e coentros q.b. 

Primeiro, a parte (linda) de fazer aquele picadinho delicioso: cebola, pimento, bacon, chouriça e as ervas. Tudo picado e numa sertã, com um pouco de azeite e nenhum sal, porque a chouriça e o bacon encarregar-se-ão dessa parte. Quando a cebola ficar translúcida, retira-se a sertã do lume e reserva-se. Entretanto, numa taça, coloca-se os ingredientes restantes (a farinha, os ovos, o leite, o azeite, a pimenta preta e a flor de sal) e bate-se até ficar com bolhinhas (mais ou menos três minutos, com a batedeira na velocidade máxima). Quando esta mistura estiver no ponto, junta-se o picadinho que ficou na sertã, envolve-se com uma colher de pau, coloca-se numa forma de bolo inglês (a que uso tem estas dimensões: 15 x 30 x 7) e leva-se ao forno durante 20 minutos. E está.

A música é dos New Order. Uma daquelas músicas que se reconhece aos primeiros segundos. Regret. 


8 comentários:

  1. bem... são oito e meia da manhã e eu confesso que já me atracava a esta bola como se fosse hora do lanche! que bom aspecto!! não se faz ...:)

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    1. As minhas desculpas, linda Vanessa:) Só por isso, devias receber de presente uma destas alegrias de comer. Obrigada a ti:)

      Mar

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  2. Adorei! Tenho que experimentar esta bola de carne, tem tão bom aspecto e ficou tão bonita!

    Vale a pena persistir :)

    Beijinho Doce Mar

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    1. Vale sim, Cláudia. Esta bola de carne foi o mais fácil e mais delicioso que pude conceber. Depois de muita persistência e uma ou outra frustração:) Faz parte.

      Um beijo, linda Cláudia.

      Mar

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  3. Olá Isa,
    aqui está ela, a bola. A que me fizeste durante o tempo que estivemos juntas, começavas quando cheguei. Partias todas as coisas em pedaços muito pequeninos. Tudo vai acontecendo muito serenamente na tua bancada de pedra.
    Há dias que a tinha visto aqui, mas não tinha ainda conseguido dizer-te o quão bonita está nas tuas fotografias. E agradecer-te a tua generosidade, ao teres preparado assim o meu jantar, enquanto me explicavas os teus passos, e conversávamos .
    Foi uma troca de cookies por bola, doce por salgado !
    Saudades !
    Um beijo grande
    da Pipinha

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    1. Olá minha linda,

      É mesmo essa:) A dos pedaços muito pequeninos e que foi embrulhada de presente para ti. Uma boa troca. O meu salgado pelo teu doce. O António "devorou" as cookies:)

      Saudades, também. Um beijo grande.

      Isa

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  4. Olá Mar!
    É agora sentada no comboio para uma viagem de uma hora que não posso adiar mais as palavras que estou para escrever há mais de um mês. (!) E, como a própria Mar diz, há coisas que não se podem adiar.
    Não sei como começar aquilo que quero contar, mas long story short, quem me conhece sabe que nunca fui dada a cozinhar. Nem sei por onde começar também porque é um bocado delicado dizer isto a uma pessoa que tem e partilha o mais delicioso blog sobre comida, e não só claro. Mas bem, resumindo, a minha vida nunca passou por grandes, nem pequenas, experiências culinárias. Isso até ao passado dia 7 de Dezembro em que, após meses deliciada com este blog e a propósito de um fim-de-semana especial, decidi cozinhar algumas coisas que vi por aqui. Esta bola de carne e a cebola em redução de vinho do Porto com queijo. Foi um fim de tarde bem bom a preparar tudo e nervosa q estava (que parvoíce não é?), mas acho que estive muito bem, dado o feedback! Meu namorado, que para meu deleite (e balanço da relação!) cozinha lindamente, achou que o tinha andado a enganar este tempo todo! :) Isso, e uma série de coisas boas que ouvi e senti por ter consigo agradar tanto alguém para quem comer bem (e simples) é tão importante.
    Já nem sei como este comentário, que virou texto, que devia ter sido e-mail se eu tivesse encontrado o seu contacto, está (longo de certeza), mas pronto, era isso que precisava de lhe contar. E agradecer mais uma vez toda esta partilha que me motiva a olhar para esta necessidade indispensável da vida 'in a whole new level"!
    Mais uma vez, adoro este blog, o seu despretensiosismo, o tom meia luz que este blog sempre me lembra, do quentinho, do bom gosto das mesas e detalhes... Tudo! E a propósito, a "minha bola de carne" (ah que piada!) já foi encomendada para o próximo fim-de-semana :) Lá vão as folhas soltas dos posts imprimidas directamente aqui do blog, andar espalhadas pela cozinha outra vez.
    Um beijinho.
    Sara

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    1. Olá querida Sara,

      Só agora li este comentário tão bonito. As minhas desculpas por isso, mas é que não sou avisada pelo blogger quando há comentários em posts. Como este é anterior, não me apercebi. E lamento. Tenho de ver se resolvo esta questão porque, para mim, é muito importante responder a quem dedica um pouco do seu tempo a escrever-me. Ainda mais este comentário tão grato e tão generoso. Mais uma vez, as minhas desculpas.
      Fico muito feliz por saber que fizeste (vou tratar-te por tu, que é mais simples:) esta receita e essa outra da redução de cebola em vinho do Porto. E mais ainda por saber das (boas) consequências desses gestos. Gosto tanto de saber que a magia da comida se espalha, que a alegria que acontece aqui acaba por acontecer algures aí desse lado, mas com o toque irrepetível de cada pessoa. Por isso, que bom que há folhas soltas nas cozinhas:)
      Obrigada eu. Muito. Inspirador, este teu texto. Guardo-o como sinal das coisas gratas e lindas que a vida nos reserva. E lamento só ter lido meses depois. Mas li. E estou a (tentar) devolver à tua altura.

      Um beijo grande para ti!

      Mar

      PS: O meu email é este: queiros.mar@gmail.com :)

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