Casa Aleixo | Porto.






















Haja as geografias que houver, haja as comidas que houver, regresso sempre ao Aleixo, no Porto. Àquela enumeração que sei de cor(ação). Tudo bom, ali. Tudo certo. A memória disso tudo que é (muito) bom e que está certo, faz voltar muitas e muitas vezes. Os bolinhos de bacalhau, pouco depois de me sentar e antes ainda de avançar seja para o que for. E os croquetes de alheira com um toque ligeiro de mostarda. Depois, é a história de sempre e que adoro repetir indefinidamente. Os filetes de polvo e/ou de pescada. Irrepreensíveis, no que a palavra irrepreensível pode ter de delicioso. Aquele arroz de polvo solto do Aleixo. O itálico basta para descrever o arroz que vem, quando pedimos os filetes de polvo ou de pescada. Ou os dois, quando achamos que não dá para abdicar. Cabrito assado como todos os cabritos assados deviam ser: pele tostada por fora e carne suculenta e tenra por dentro. Claramente bem temperado, horas antes das horas de forno. As rabanadas feitas no momento, servidas quentes, com necessidade de aviso prévio, quando vêm para a mesa. E isto ser uma alegria de todo o ano e não reservada ao Natal. Pode ser quando quisermos, a alegria. E a aletria também. E o pudim Abade de Priscos. Estas e muitas outras alegrias. É assim que é, com a alegria. É quase sempre bem mais simples e bem mais fácil do que pensamos. Raramente é preciso ir buscá-la muito longe. Ao contrário do que se pensa, a alegria não é um lugar assim exótico ou luxuoso ou extraordinário. É tão simples como a comida de avó do Casa Aleixo. Tão simples como isso. 
Quer-se o mesmo de sempre, ali. Antes de entrar, pedimos por tudo para que tudo esteja como na nossa última memória. Que a alma da comida esteja intacta. E essa é uma lição silenciosa que sítios destes guardam e preservam. Como se fosse oração. Como se fosse um chão sagrado, velado pelas pessoas do Aleixo. Sempre simpáticas, sempre atenciosas, com aquele estar e falar e ser muito do Porto que eu amo sem reservas. É esta a alma. Declinada em coisas tão simples como perceber com carinho como o meu filho se tornou o comensal com mais direito a atenções, na sala de jantar. E não ter ciúmes nem questões, por ele gostar tanto daquela comida. Ao contrário. A satisfação das pessoas do Aleixo, pela satisfação dele. A adorar tudo. Treze anos e um metro e oitenta e dois de gente a querer comer de tudo. Mais tripas para o miúdo e mais rabanadas e mais não sei o quê que o herdeiro da Casa Aleixo acha por bem, com aquela declaração repetida de gostar muito que os miúdos gostem de comida desta. Um sentido de futuro, creio. De herança etérea que possa perpetuar-se. Assim. Pela memória do que se vai vivendo. A comida é um condutor de memória(s). Que o diga o senhor que se senta sempre na mesma mesa. A mesa especial, junto ao balcão. O octogenário com um fato aprumado que diz "até amanhã". E saber que este "até amanhã" diz mais de um sítio do que tudo o que alguma vez possa ser dito ou escrito. Embora nesse capítulo do escrever, esta crónica do Miguel Esteves Cardoso seja o suficiente para se perceber por que é que o Casa Aleixo é um dos lugares mais importantes e mais gratos da nossa cartografia de comer. 
Neste tempo sem memória, em que tudo acontece a um ritmo que é imperativo não querer acompanhar, é bom lembrar/saber que há redutos onde a comida é um lugar seguro. E eu acho que precisamos cada vez mais de lugares seguros. Este é um desses meus lugares. Deixo o telefone, porque é (mesmo) preciso fazer reserva. É este: 225370462. Depois, basta ir, entrar, sentar e gostar muito de cada minuto. É assim que eu sinto, de cada vez que vou a este lugar que é sempre tanto. 

A música é dos Pink Floyd. Uma daquelas músicas que ouvia com o meu pai, quando era pequena. Aquele início expectante, que é assim como se estivessem a contar-nos uma história. E aquilo que se sente, quando chegamos aos quatro minutos e vinte e três segundos desta música que é como a comida do Aleixo: gosta-se sempre. Shine on you crazy diamond. 


2 comentários:

  1. Que bela evocação a um lugar com alma, de comida ‘do fundo’, ancestral e intemporal. Queria aí estar.

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    1. Obrigada, querida Ana. Muito, muito especial, o Casa Aleixo. E sim, há sempre vontade de estar. De voltar.

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