Zé Manel dos Ossos | Coimbra.



















O Zé Manel dos Ossos. E estas palavras todas juntas serem, para mim, o melhor de Coimbra. Uma tasca, no que a palavra tem de honestidade. Podia dizer que só se vai ali pela comida. Mas creio que não estaria a fazer justiça às pessoas do Zé Manel dos Ossos. Àquela boa disposição que parece não ter agenda nem obedecer a climas ou a ondas. Esse dado faz parte da experiência e, depois de tantas refeições ali, creio que dá para chegar à conclusão que a comida parece saber melhor por acontecer naquele ambiente. As duas coisas complementam-se. Aquela maneira eficiente e bem humorada de garantir que as mesas estão servidas e satisfeitas. Isso e as grandes panelas, junto à janela que dá para o Beco do Forno, feitas cartão de visita. E o crepitar da grelha, na sala de baixo. Mais aquele odor avinagrado tão dali. E as paredes que já não têm memória da versão inicial em que eram só tinta, por estarem repletas das memórias dos muitos que ali foram/são felizes. E então, sempre que penso em Coimbra, o imediato é mesmo este lugar modesto e meio escondido, num beco atrás do Hotel Astória. Muito provavelmente, e depois de todos os óbvios a propósito de Coimbra, o Beco do Forno será um dos lugares mais míticos da cidade. 
Aquilo de nos lembrarmos de um lugar e sentir, flagrantemente, as coisas. E, claro, uma vontade igualmente flagrante de ir. E não haver distância nem tempo nem nada. Ser só uma questão de ir. E lá, aquele tempero na carne bem grelhada. O "filé minhon" grafado na ementa de acordo com a cadência fonética. O bom humor das pessoas do Zé Manel dos Ossos a funcionar desde o primeiro momento. Inesquecível, este prato tão simples. Servido sempre da mesma maneira. Com grelos muito verdes e muito suculentos. E umas batatas feias, que parecem esmagadas, mas que são uma daquelas coisas que nos faz sentir gratos por andarmos por aqui a viver a vida. Já tentei replicar em casa muitas vezes, mas não consigo nunca sentir o mesmo que sinto lá. Há coisas que são uma espécie de mistério ou que pertencem só a um ecossistema muito particular, a um momento que é como mais nenhum outro que possamos viver. Este é o meu prato preferido no Zé Manel dos Ossos. O lugar tornou-se lenda por causa dos tais ossos cozidos, mas eu sinto que a magia acontece em tudo aquilo em que ali há vinagre e alhos picados e muito azeite. Creio que é aí que está o que faz com que, haja o que houver, viva eu o que viver, sinta sempre aquela vontade de me sentar nos bancos de madeira desta tasca que é uma tasca que não deixou de o ser, que não sacrificou a honestidade do que sempre foi. Ali, a palavra tasca, significa mesmo. O imaginário que vem com a palavra, mal a pronunciamos, bate certo com a realidade. O lugar, as pessoas, a comida. Tudo está certo. Sinto sempre assim, ali. Que aquilo tudo, com todas as imperfeições e limitações, está bem assim. E que não mude. Tudo parece cair e falhar e mudar e não ser bem como pensávamos ou esperávamos. Que ao menos os nossos lugares não mudem. Que, a cada momento de vida que atravessemos, possamos contar com os temperos dos sítios onde sentimos que, afinal, está tudo como deve estar/ser. O Zé Manel dos Ossos é um desses sítios. 

NB: A propósito deste lugar, é importante dizer que não dá para reservar. Chegamos e temos sorte e há mesa. Ou então não e temos de aguardar cá fora, no tal Beco do Forno. Para evitar esperas, o segredo é ir cedo ou tarde. No final da refeição, não há café para ninguém. E é assim desde que o Zé Manel dos Ossos é o Zé Manel dos Ossos. As sobremesas não são abundantes, mas são simples e honestas. E, se pedirmos laranja e nos perguntarem se a queremos na praia, isso significa que queremos que venha previamente descascada. Há todo um léxico, ali. Deixo só este exemplo pequenino, que vale muito a pena conhecer o resto. O léxico. E tudo, ali. 

A música é esta. Porque gosto muito. E porque tinha de ser esta a música para este sítio.  


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