A infância é um lugar determinante. Dizem que nos define, que aquilo que acabamos por vir a ser é forjado nesses anos iniciais. Para o bem e para o mal, creio. Não é que eu seja muito determinista, mas é-me inevitável pensar que uma parte muito significativa da minha devoção pela cozinha ou pela ideia da mesa, tem que ver com esses primeiros anos. Melhor: com as ausências desses primeiros anos. Quando é assim, parece que andamos à procura do que nos falta/faltou.
Aquele imaginário das avós extremosas, a cheirar a comida e com abraços imensos. Nunca tive nada disso. Não sei o que é. Só de imaginar, claro. Ou de ouvir falar. Não há um cheiro ou um sabor para associar a nenhuma delas, porque nenhuma delas fazia comida. E também não havia abraços nem carinhos nem histórias à noite. Só uma distância que eu não conseguia decifrar, mas que acabei por integrar naquela dimensão as coisas são como são. Uma dimensão da vida que aprendi cedo. Talvez demasiado cedo. Mas o ponto é que com essa noção, veio também a vontade de escolher as tais coisas que são como são. Como se fosse garimpagem e tivesse sempre de procurar pedras preciosas no meio de areia escura e de água turva. Por isso, quis muito aprender a fazer comida. E muito cedo. Os diamantes possíveis, creio. Acabei por me habituar a procurar coisas boas no meio das inevitáveis coisas más. Foi isso. E a perceber que a comida seria para mim uma daquelas coisas haja o que houver. Por me lembrar tanto que há sempre uma pedra preciosa qualquer à nossa espera ou debaixo dos nossos olhos. E então, a vida pode não me ter dado avós carinhosas a cheirar a comida, mas deu-me outras coisas e um avô bem especial.
O avô era um homem alto, não falava muito e nunca levantava a voz. Usava sempre camisas brancas impecavelmente engomadas. E era carinhoso, apesar de não ser expansivo ou ostensivo. Devo-lhe muitas memórias boas. E uma delas tem que ver com esta comida-património que deixo hoje. O avó era um homem extremamente paciente. Fazia tudo com tempo e com calma e não se exasperava quando não fazíamos as coisas à primeira. Um dos rituais que ele gostava de cumprir era este e eu nunca cheguei a perceber porquê. Mas gostava de preparar os nossos pratos de comida e fazia-o de uma maneira muito bonita, a obedecer a um método que era só dele. Batatas cozidas com ovos e com bacalhau era uma festa, nas mãos dele. Primeiro, esmagava as batatas com um garfo. Depois disso, um fio de azeite. Espalhava lascas de bacalhau e ovos cozidos, num picadinho delicado. Mais azeite e fatias de pão escuro, no final, pouco antes de o prato vir para as nossas mãos pequenas. O prato começava vazio, só com um garfo. E acabava cheio do carinho e do cuidado do meu avô. Era assim.
Esta comida é inspirada nesse cuidado. E, apesar de todas estas ressonâncias interiores, é o tipo de comida que é para ficar aqui. Por ser rápida de fazer, por transformar pouco em muito e por aquilo de saber muito bem:) Bastantes alhos picados, batatas macias, umas lascas de bacalhau, coentros, ovos escalfados e muito azeite. Este da imagem, muito especialmente. O azeite de usar a quente, por fazer com que o refogado mais básico tenha aquele aroma de comida feita pela mãe. Era o azeite que a minha mãe usava. Pensei que já não havia, porque não o via nas lojas. Mas ainda existe e eu fiquei bem feliz por poder voltar a sentir o efeito azeite Três Castelos:) E agora a receita que me lembra o meu avô e o Outono. É bom guardarmos coisas boas das pessoas. O património a sério é esse.
Batatas salteadas com bacalhau e com ovo escalfado
1 quilo de batatas pequenas (costumo usar primor, porque prefiro não tirar a casca) + 2 lombos de bacalhau (uso congelados) + 8 dentes de alho (picados e com um pouco da casca) + sal, azeite, vinagre de vinho branco, coentros e ovos q.b.
Corta-se as batatas (ao meio ou em quartos, consoante o tamanho). Leva-se a cozer em água, com um pouco de sal. A meio da cozedura, junta-se os lombos de bacalhau. Quando as batatas estiverem cozidas, desliga-se o lume, retiram-se para um escorredor e passam-se por água fria, para suspender a cozedura. Os lombos de bacalhau devem permanecer na água de cozer durante dez minutos, para que as lascas saiam perfeitas. Depois de desfiado o bacalhau, rega-se logo com azeite e salpica-se com uma porção de alhos picados. A seguir, leva-se ao lume a quantidade restante de alhos picados, com um fio generoso de azeite. Menos de um minuto depois, as batatas, uns salpicos de sal, mais azeite, vinagre e coentros picados. Envolve-se com cuidado, usando duas colheres de pau, para não "estragar" as batatas:) Por último, as lascas de bacalhau. Mais uma volta, mais coentros, sal e azeite, se necessário e fica pronto. Depois, é servir em pratos fundos, acrescentar os ovos escalfados, salpicar com mais coentros e garantirmos que há pão por perto. Eu simplifico e coloco-o logo num prato, com um fio de azeite por cima. A acompanhar, um copo de vinho.
E esta música dos Arcade Fire.
Esta comida é inspirada nesse cuidado. E, apesar de todas estas ressonâncias interiores, é o tipo de comida que é para ficar aqui. Por ser rápida de fazer, por transformar pouco em muito e por aquilo de saber muito bem:) Bastantes alhos picados, batatas macias, umas lascas de bacalhau, coentros, ovos escalfados e muito azeite. Este da imagem, muito especialmente. O azeite de usar a quente, por fazer com que o refogado mais básico tenha aquele aroma de comida feita pela mãe. Era o azeite que a minha mãe usava. Pensei que já não havia, porque não o via nas lojas. Mas ainda existe e eu fiquei bem feliz por poder voltar a sentir o efeito azeite Três Castelos:) E agora a receita que me lembra o meu avô e o Outono. É bom guardarmos coisas boas das pessoas. O património a sério é esse.
Batatas salteadas com bacalhau e com ovo escalfado
1 quilo de batatas pequenas (costumo usar primor, porque prefiro não tirar a casca) + 2 lombos de bacalhau (uso congelados) + 8 dentes de alho (picados e com um pouco da casca) + sal, azeite, vinagre de vinho branco, coentros e ovos q.b.
Corta-se as batatas (ao meio ou em quartos, consoante o tamanho). Leva-se a cozer em água, com um pouco de sal. A meio da cozedura, junta-se os lombos de bacalhau. Quando as batatas estiverem cozidas, desliga-se o lume, retiram-se para um escorredor e passam-se por água fria, para suspender a cozedura. Os lombos de bacalhau devem permanecer na água de cozer durante dez minutos, para que as lascas saiam perfeitas. Depois de desfiado o bacalhau, rega-se logo com azeite e salpica-se com uma porção de alhos picados. A seguir, leva-se ao lume a quantidade restante de alhos picados, com um fio generoso de azeite. Menos de um minuto depois, as batatas, uns salpicos de sal, mais azeite, vinagre e coentros picados. Envolve-se com cuidado, usando duas colheres de pau, para não "estragar" as batatas:) Por último, as lascas de bacalhau. Mais uma volta, mais coentros, sal e azeite, se necessário e fica pronto. Depois, é servir em pratos fundos, acrescentar os ovos escalfados, salpicar com mais coentros e garantirmos que há pão por perto. Eu simplifico e coloco-o logo num prato, com um fio de azeite por cima. A acompanhar, um copo de vinho.
E esta música dos Arcade Fire.
Abençoado avô.
ResponderEliminarAbençoado azeite.
Bj
Mom
Abençoado avô.
ResponderEliminarAbençoado azeite.
Bj
Mom
Sim. Muito, o meu avô. E este azeite maravilhoso.
EliminarUm beijo. Obrigada.
Mar
Não sei do que gosto mais. Se do prato, ou dos pratos, ou das palavras.
ResponderEliminarObrigada, querida Luana. Um dia (de cada vez) lindo. Mar
EliminarAté há bem pouco tempo, meses talvez, a empresa que produz este azeite (desde que me lembro era o usado em nossa casa) estava a meros 7 kms. Costumava ir lá uma vez por ano e trazia azeite para todo o ano, em embalagens de 5 litros. Fiquei com pena por terem fechado aqui (mudaram para Setúbal ao que parece). Agora já não me dá jeito ir lá abastecer mas vou continuar a usar.
ResponderEliminarOlá Maria,
EliminarQue sorte, essa. Adoro este azeite. E passei tantos anos convencida de que era uma daquelas coisas que tinha deixado de haver. Apercebi-me recentemente de que há no Intermarché e tenho comprado sempre. É maravilhoso para cozinhar. E sim, é bom continuar a usá-lo. Eu vou fazer o mesmo.
Um bom fim-de-semana para si!
Mar
Gostei da imagem de um avô, de camisa branca, impecavelmente engomada, a fazer comida desta :) Não tiveste avós carinhosas, mas tiveste um avô bem especial :)
ResponderEliminarTambém especial é essa comida, bem caseira e portuguesa. Não conhecia este azeite. Creio que nunca deve ter chegado aos Açores ;)
Um beijo,
Ilídia
Já te tinha falado dele. E creio que também tiveste um avô que fazia comida. O meu avô fazia estas preparações. Eram momentos calmos, esses. Estranhamente, que eu e a minha irmã não éramos crianças assim muito calmas:)
EliminarSe não tivesse receio que a garrafa se partisse na viagem, como aconteceu ao frasco da compota, enviava-te este azeite. Irias gostar, que eu sei:)
Um beijo. Bom fim-de-semana!
Mar