Há sítios a que se volta sempre. Para mim, Évora é um desses sítios. E nunca vou lá sem passar por baixo do arco mítico da Praça do Giraldo. Segundo a lenda, se passarmos por ali, voltaremos sempre. Estaremos sempre ligados à cidade. Não é que precisasse disso para reforçar a minha espécie de amor por Évora. Mas na dúvida, cumpro sempre o ritual, que quero voltar as vezes que a vida mo permitir. A par desse ritual, outros.
Há sempre sítios dentro dos sítios. Évora é muito feita disso dos sítios e das ruas quentes e serpenteantes. O primeiro "pretexto" para ir a Évora é o Fialho. Mais um daqueles sítios que é uma memória muito inteira a partir do principal: a comida. Impossível não me lembrar daquela cozinha que absorve as estações do ano e que concilia isso com aquilo a que se pode chamar de pratos clássicos do Fialho. Borrego, lebre, perdiz, porco preto, espargos selvagens com ovos. Coisas assim. Com aquele perfume alentejano a assinalar-se sempre. Comida assim pede vinho à altura. E como o Alentejo tem vinhos à altura. Um desses inesquecíveis é este, que não consigo lembrar-me do Fialho, sem me lembrar deste vinho. Há coisas assim. Um outro dado que vejo ali e que é constante, é o respeito pelos clientes. Aquele respeito antigo, sóbrio, que sabe como é que se recebe. E nunca me esqueço da despedida carinhosa do Sr. Gabriel Fialho, à saída: obrigado por se lembrarem de nós. Esta frase diz muito. E eu creio que este sentido de serviço é raro. Um senhor, a formulação que uso para designar homens capazes da elegância sóbria de que gosto tanto. Um homem que é todo um legado, depois do falecimento do Sr. Amor. Tão lindo, alguém ter amor como nome próprio. A propósito deste lugar, um outro homem. Para mim, aquele que foi o único crítico gastronómico que fazia as coisas como deve ser. O rosto era desconhecido, era atendido como qualquer cliente, fazia os registos discretamente, pagava a conta e escrevia com a liberdade necessária a estes territórios. Os textos dele fizeram-me ir a muitos lugares sem desilusão. Há um espaço por preencher na crítica gastronómica, depois de ele ter deixado de escrever as crónicas habituais no Expresso. E sim, os textos sobre o Fialho. Sempre a dar conta da coerência e da honestidade da comida e das pessoas que fazem a comida.
Depois de sair do Fialho, há um caminho que leva sempre à Praça do Giraldo. Passa-se o tal arco, chega-se à Livraria Nazareth e segue-se pela rua que nos leva a um lugar imperdível, para quem gosta de objectologia de casa. Cerâmicas, mantas, velas, tecidos, cestas e alcofas. Adoro o tempo que passo neste sítio. Em alguns casos, pela nostalgia de alguns objectos. Noutros, pela volta boémia que se dá ao que era previsível ou meramente utilitário. Além do mais, é uma das poucas lojas do país onde há estas cerâmicas que são lindas e frágeis como o amor é/deve ser.
No fim de tudo, os doces da Pão de Rala. Este é um daqueles endereços que passa de pessoa para pessoa. Quem me falou primeiro dos doces conventuais da Pão de Rala foram os meus tios preferidos, que faziam a viagem de Lisboa até Évora só por causa deste sítio. Quando confiamos nos relatos das pessoas, vamos aos sítios de olhos fechados, sem temer desilusões. É um salão de chá à antiga. Uma casa de doces que faz as coisas com ingredientes à séria. E os resultados são tão deliciosos, que é mesmo difícil escolher. Não tenho imagens que possa deixar aqui. Mas, da próxima vez que voltar a Évora, hei-de concentrar-me em guardar este sítio numa página só, que merece inteiramente. Para já, fica a referência, com as coordenadas necessárias. A Pão de Rala, na Rua do Cicioso, 47. Fica um bocadinho fora do circuito, mas se se perguntar, toda a gente sabe onde fica a rua doce onde uma senhora com mãos de fada orienta maravilhas com amêndoas, ovos, açúcar e o que for.
E creio que Évora é um lugar onde a utopia nunca perdeu a ingenuidade. À saída da cidade, não resisti a parar o carro para guardar um dos murais utópicos do 25 de Abril. Para me lembrar que as utopias e que os sonhos podem fazer andar para a frente. Passamos de umas ideias para as outras. De uns sonhos para os outros. Com o sentido no que há-de vir. Com a fé inqualificável que os sonhadores e os utópicos têm dentro. Évora também é isso. Essa utopia a que digo sempre até à próxima vez.
A música é dos Tame Impala. The less I know the better.
E creio que Évora é um lugar onde a utopia nunca perdeu a ingenuidade. À saída da cidade, não resisti a parar o carro para guardar um dos murais utópicos do 25 de Abril. Para me lembrar que as utopias e que os sonhos podem fazer andar para a frente. Passamos de umas ideias para as outras. De uns sonhos para os outros. Com o sentido no que há-de vir. Com a fé inqualificável que os sonhadores e os utópicos têm dentro. Évora também é isso. Essa utopia a que digo sempre até à próxima vez.
A música é dos Tame Impala. The less I know the better.
Évora, pois. Sempre. Tenho de lá voltar por causa do Fialho, onde nunca comi. Sei que é mítico, mesmo aqui no Porto, tão a norte. Fala-se muito, e bem, do Fialho, sempre que Évora vem à baila... Já tive refeições memoráveis em Évora, mas (ainda) não neste sítio. Quando penso em Évora, penso em sopa/ensopado de cação. Prato obrigatório para mim, nesse Alentejo de que gosto tanto. Vou fixar também a casa de doces que refere. O seu post trouxe-me excelentes memórias e tantas saudades...
ResponderEliminarBom recomeço, daqui da beira do farol. Um abraço
Marta
Olá Marta.
EliminarPois. Évora. E o Fialho. Sempre. O lugar da cozinha antiga. Celebra-se mesmo bem a comida, neste sítio. E em Évora. Nunca tive uma má refeição, nesta cidade. Talvez ajude o facto de o meu marido conhecer tão bem. Mas não me parece que seja só por isso. O ensopado de cação, no Fialho, é uma daquelas coisas. Desta vez, assisti a um momento tão bonito, por causa desse ensopado. A alegria de um miúdo, mal veio para a mesa. E dos pais, a olhá-lo, enquanto lhe serviam aquela sopa mágica e aromática. Uns instantes muito bonitos. E que dizem muito sobre o poder silencioso da comida.
A Pão de Rala é tão doce. Da próxima vez, hei-de guardar imagens desse lugar. Vai gostar, estou certa. É um sítio honesto. Assim como o Fialho.
Bom recomeço para si também. Obrigada.
Um abraço.
Mar
Que bonitos registos! Ficam comigo as referências para quando for a Évora. Vejo agora que é imperdoável nunca ter lá ido.
ResponderEliminarQue este arranque letivo seja bom para ti, Mar, e para o teu menino. Nós começamos já na próxima semana!
beijinhos
Patrícia
Olá Patrícia.
EliminarObrigada por teres gostado. Fica o lugar guardado, à tua espera. É assim que diz o ditado: guardado está o bocado... Gosto muito desta formulação.
Bons inícios também para ti/para vós. Estou/estamos a fazer por isso. Aquilo das boas energias a funcionar, parece-me.
Beijos.
Mar
Boa noite, Mar.
ResponderEliminarHá já algum tempo que não vou a Évora. Gosto imenso de Évora e do Fialho. Não conheço a Pão de Rala, mas fiquei com muita vontade de conhecer. A Mar descreve os sítios com tanta beleza que apetece partir à descoberta de lugares onde antecipamos a certeza de sermos felizes. Devia pensar em escrever um livro sobre roteiros gastronómicos e não só.
Um bom início de ano lectivo para si e para o António.
Bjs
Ana
Boa noite, Mar.
ResponderEliminarHá já algum tempo que não vou a Évora. Gosto imenso de Évora e do Fialho. Não conheço a Pão de Rala, mas fiquei com muita vontade de conhecer. A Mar descreve os sítios com tanta beleza que apetece partir à descoberta de lugares onde antecipamos a certeza de sermos felizes. Devia pensar em escrever um livro sobre roteiros gastronómicos e não só.
Um bom início de ano lectivo para si e para o António.
Bjs
Ana
Olá Ana.
EliminarÉvora é linda. Sempre que vou lá, passo o tempo a repetir esta frase interiormente. É tão linda. E adoro os nomes das ruas. Em que outro lugar há uma Rua do Imaginário? A Pão de Rala é muito especial. O lugar, apesar de ser pequeno. E aqueles doces. Densos. Conventuais. Honestos.
E obrigada. Descrevo os sítios onde sou/fui feliz. É assim que faz sentido: disseminar coisas boas. Este sítio é uma espécie de livro. Modesto. À minha medida. Gosto muito de deixar aqui as coisas. E que façam bem a quem passar/ler.
Obrigada pelos bons inícios que me/nos deseja, Ana. Muito obrigada. Para si também. Tudo de bom.
Beijos.
Mar
Évora é uma cidade linda. Da próxima vez, quero demorar-me mais. Estive lá há um ano, de passagem, antes de Monsaraz. Mas com direito a almoço no Fialho. Um daqueles restaurantes que marcam, sem dúvida. Pelo atendimento simpático, sem exageros nem "peneiras". Pela decoração sóbria. E muito pela comida. Aquelas entradas são de comer e chorar por mais. Há umas favinhas com chouriço de que me lembro muitas vezes. Pena não morar mais perto e regressaria mais vezes ao Fialho.
ResponderEliminarUm beijo,
Ilídia
PS: Um bom ano letivo. Por aqui, andamos nos preparativos. Imagino que tu também :)
É um daqueles lugares. A cidade. E o Fialho. E sim, as aberturas são inesquecíveis. Mal são colocadas na mesa, todas as coisas menos boas das nossas vidas são postas de lado. Comida desta é assim mesmo: faz com que nos concentremos no momento.
EliminarEm fase de antecipação boa, sim. Bons inícios também para ti/para vocês.
Um beijo grande.
Mar