Doce Setembro.














Lá para Novembro, num dia bem cinzento e bem de chuva, hei-de agradecer cada um dos dias doces do início de Setembro. Sei que sim. Creio que até consigo antever as outras coordenadas todas. Hei-de chegar a casa tarde. E a seguir, terei de respirar fundo e preparar-me interiormente para aquela sequência que todas as mulheres normais conhecem. Que é esta: entrar no carro, parar à pressa nos sítios todos onde estão as coisas de que precisamos e, finalmente, aquele desligar bom do motor: chegamos a casa para contar a história. Ou para a escrever tal como queremos, pelo menos. Aí sim. Chegámos mesmo. Nesse tal dia longínquo de Novembro, o pensamento será o de agora. E será tranquilo, apesar de todas as sequências menos poéticas das vidas quotidianas que, apesar de tudo, significam que estamos vivos e inteiros e senhores de nós. E será tranquilo porque estarão guardados pedaços de Setembro. O ritual do início do mês de que gosto tanto, é o de todos os anos. Fazer (muito) molho de tomate. E tem de ser em Setembro, que é para aproveitar o tomate coração-de-boi. Tudo bem que se pode fazer molho de tomate com outra variante. Mas não é a mesma coisa. Faço-o neutro. Ou básico, se se quiser. Cebolas doces, muitos alhos picados, louro, azeite, um pouco de sal e um bom tempo de tacho, para apurar bem e para estar pronto a usar. Depois, é só guardar em caixinhas cheias da magia doce de Setembro. Nas doses necessárias para fazer o spaghetti que deixo hoje e que é serenidade e conforto num prato. Se fosse possível que essas duas coisas estivessem assim concretas num prato, seria assim como esta massa, creio. 
Há umas coisas que são mais especiais do que outras. Nos universos diferentes em que nos movemos e, claro, nisto da comida. As comidas de que mais gosto são flagrantemente simples. Nos ingredientes, nos processos, nos imaginários pouco (ou nada) sofisticados. É assim com as sopas, com os risottos, com a alegria quase infantil dos ratatouilles e, muito especialmente, com o que fica hoje. Spaghetti com molho de tomate, orégãos e (muito) parmesão. A base é essa, mas a preferida de quem se senta comigo à mesa, é mesmo esta. Com o extra de tiras de bacon muito delicadas, pimentos italianos e alho picado. Tudo feito com aquela expectativa própria das nossas comidas preferidas. O processo é tão simples e tão bonito. Nunca deixo de pensar nisso, enquanto vou fazendo as tais coisas simples que acabam por resultar em tanto. 
Por isso, venha a chuva e o vento e as nuvens cinzentas. São necessários. A terra estava tão seca, tão a precisar desta água que cai do céu escuro. Na memória, estão os dias de sol em que fiz o molho de tomate que tornou o final de um dia de chuva numa outra memória grata. É isso. E Setembro é um caderno novo. E livros que são a vida e as pessoas, se conseguíssemos dizê-las sempre e em vários volumes. A vida. Sempre a seguir o(s) seu(s) caminho(s). Como a desta pessoa especial, que escolheu esta altura para assinalar um respirar renovado do sítio onde ela muda a vida de pessoas. Pessoas assim como eu. Que escrevem coisas nuns sítios e que podem (ou não) ser lidas e que podem (ou não) ser guardadas e transformadas noutras coisas irrepetíveis. Bem importante, o trabalho da Sílvia. E bem linda, a pessoa que ela é. A minha alegria pela renovação do Muda de Página, perto desta comida e da doçura de Setembro. Faz sentido. 

Molho de tomate de final de Verão
NB: Como é final de Verão, é necessário acrescentar um pouco de açúcar, porque a acidez do tomate, nesta altura do ano assim o pede. Se for feito no início da época, esse dado é opcional. 

10 tomates coração-de-boi + 2 cebolas doces (picadas) + 10 dentes de alho (picados) + 2 folhas de louro (sem a nervura do meio) + 1 colher (de sopa) de açúcar + sal e azeite q.b. 

Leva-se ao lume as cebolas, os alhos e o louro, num fio (generoso) de azeite. Quando a cebola ficar translúcida, acrescenta-se o tomate, sem a casca e cortado em pedaços grosseiros. A seguir, sal e açúcar. Deixa-se cozinhar durante meia hora, destapado, para apurar bem. Se for para guardar no congelador, divide-se em caixinhas, deixa-se arrefecer e leva-se ao frio. 

Spaghetti com molho de tomate de final de Verão
NB: Não especifico quantidades, por entender que este é o tipo de receita que fica ao critério. 

Spaghetti (sempre este, no meu caso) +  dentes de alho (picados, com um pouco da casca) + pimentos vermelhos italianos ( isto do italiano não é preciosismo ou mania, é porque tem um sabor mais discreto e não "abafa" os outros) + tiras deste bacon deliciosamente suave + sal, azeite, orégãos, molho de tomate e o Parmesão que bem entendermos:) 

Primeiro, coze-se o spaghetti, em água com um pouco de sal e um fio de azeite. Assim que estiver cozido, transfere-se para um escorredor, passa-se logo por água fria abundante, para retirar aquela goma que não interessa e reserva-se. A seguir, leva-se ao lume um tacho largo, com os dentes de alho, os pimentos, um fio de azeite e uns salpicos prévios de orégãos. Deixa-se estar durante uns dois minutos, acrescenta-se logo a massa, mais um fio de azeite e envolve-se bem. Depois, uma quantidade generosa de molho de tomate e um pouco de sal, se necessário. Volta-se a envolver. Depois, Parmesão ralado e orégãos e envolve-se novamente. Uns dois minutos antes de servir, as tiras de bacon, cortadas grosseiramente e bem envolvidas na massa. Serve-se de imediato, em pratos fundos, com mais Parmesão ralado e mais salpicos de orégãos.  

O vídeo para esta comida é uma daquelas coisas especiais. 


4 comentários:

  1. Obrigada Mar pela referência à minha mudança de Setembro:) E com uma receita que repito muitas vezes cá em casa e adoro!
    bjs:)

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    1. Nada a agradecer, linda Sílvia:) Mereces todas as boas referências. Além do mais, queria retribuir. Tu sabes. Um dia lindo para ti! E aquela sorte:)

      Beijos.

      Mar

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  2. Repito as minhas palavras do FB: Lindo texto, Mar. Tão verdade! Quando chegar a Novembro lembrar-me-ei dele. É bom o passar das estações. Um beijo.

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    1. Obrigada, querida Ana. É sim. O passar do tempo. Das estações todas. As do ano. E as nossas, com isso tudo que passa. Um beijo para si.

      Mar

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