Como fazer alegria:)














Para o meu filho, aletria é a alegria mais doce de todas. Desde muito pequeno que é assim. Eu achava que iria passar, à medida que o tempo passasse. Mas não. É uma daquelas coisas sedimentadas. Uma questão de gosto que parece defini-lo, como acontece com tudo aquilo de que gostamos/não gostamos. Também gosta de arroz doce. De bolo de iogurte e de quase todas as variações que vou fazendo. E nos gelados, só de natas. As outras coisas doces passam-lhe ao lado. Como gosta tanto, é uma daquelas coisas de todo o ano. Do género de fazer sem ter pretextos para. Ou melhor: o pretexto está lá e é só a alegria dele, assim que lhe digo que vamos fazer aletria. É um acto partilhado, esta receita. Eu vou fazendo uma coisa, ele vai fazendo outra. Por esta altura, está quase a apanhar o jeito a mexer a calda. E já percebeu que o açúcar não é "atirado" para a caçarola. Deixa-se cair, deslizar. Há coisas que só dá para aprender, fazendo. E creio que já interiorizou um bocadinho aquilo que lhe digo, sempre que está a ajudar-me a fazer coisas: que é preciso delicadeza, calma. Por isso, na primeira vez que juntou o açúcar à água quente, espalhou imensos cristais no fogão. Da segunda vez, já não. É assim. Com calma:) 
Ao longo do tempo, fui aprimorando a maneira de fazer a tal aletria alegria. E então, fui percebendo que não devia ser feita com leite. A base devia ser água. E que substituir a casca de limão por uma casca de laranja tinha consequências deliciosas. E que o vinho do Porto fazia com que a calda de açúcar ficasse mais densa e mais dourada. Coisas pequenas. Mas que dão sempre em alegria. 
No meu primeiro dia de férias, a sobremesa para o jantar tinha mesmo de ser esta. Por isso, a meio da tarde, disse que íamos fazer aletria e foi como se não houvesse melhor maneira de assinalarmos esse primeiro dia sem relógios. Foi só ir buscar laranjas ao jardim. Uma para a aletria e outra para o tempero da carne desse jantar. Para chegar à árvore que continua a dar laranjas cheias de sumo, é preciso passar pelo verde. Por mais calor que esteja, aquele verde que filtra os dias de sol. A seguir, é só subir as escadas e dar início à alegria mais doce de todas. Esta que fica hoje. Muito conventual e muito etérea, ao mesmo tempo. E tão rápida, esta alegria. 

Aletria com laranja e vinho do Porto
NB1: Na receita, dou a referência de 8 gemas porque é assim que ela fica melhor. Mas já fiz com 4 e 6 gemas e também fica bem. Mas com 8 é que é:) 
NB2: Assim que arrefecer por completo, deve cobrir-se e levar-se ao frigorífico. Aquela frescura faz-lhe um bem enorme, que fica ainda mais deliciosa. 

Meio litro de água + 1 pau de canela + 1 casca de laranja + 1 colher (de sopa) de manteiga + 125 g de aletria + 250 g de açúcar + meio copo de vinho do Porto + 8 gemas + canela em pó q.b. 

Leva-se ao lume a água com o açúcar, o pau de canela, a casca de laranja e o vinho do Porto. Deixa-se ferver e conta-se três minutos, a partir desse momento. A seguir, acrescenta-se a colher de manteiga e dissolve-se, com a ajuda de uma colher de pau. Junta-se depois a aletria, previamente partida e deixa-se cozer durante oito minutos exactos, mexendo continuamente. Decorridos os oito minutos, retira-se do lume e junta-se as gemas em fio, tendo o cuidado de mexer, à medida que vão caindo na aletria quente. Leva-se ao lume (brando) durante trinta segundos. Retira-se e transfere-se de imediato para um prato largo. Polvilha-se com canela moída e deixa-se estar. 

A música é dos TV On The Radio. Por gostar muito e por ser a alegria que oiço por estes dias:) 


13 comentários:

  1. Eu só há pouco tempo é que percebi que a maioria das pessoas faz a aletria com leite! Porque desde pequena que a vejo ser feita apenas com água e era a mais cremosa de que me lembro. Boas férias :)

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    1. Olá Maria,

      Comigo, era exactamente ao contrário: achava que se fazia sempre com leite. E a alteração desse dado determina que uma aletria possa passar de algo relativamente indiferente a uma coisa bem especial. Tem razão. Muito cremosa.

      Estão a ser:) Obrigada. E a mesma alegria para si.

      Mar

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    2. Olá professora:)
      Vou dar um truque que pode parecer estranho... Mas em vez de manteiga utilize banha caseira...
      Acredite que faz toda a diferença...
      Beijinhos fabulosos ;)
      Cristina

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    3. Olá minha querida,

      Parece estranho. Mas as coisas estranhas das nossas vidas podem ser tão maravilhosas:) Vou experimentar, sim. Obrigada pela tua sugestão.

      Um beijo grande e fabuloso:). Saudades.

      Da tua professora:)

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  2. Olá Mar,

    Um título auspicioso este!

    Na minha opinião, faz parecer fácil algo que aparentemente é muito difícil. Será tão complicada assim a felicidade? Eis a questão.

    Nunca provei aletria. Acredita? Só arroz doce.

    Muito doce é essa ideia de "fazer" felicidade no primeiro dia de férias. Só a ideia embala e faz sorrir, é a verdadeira essência das férias: tempo e disponibilidade.

    Desejo-lhe boa viagem e boas férias. Seria bom conseguir transmitir estes últimos votos de mais perto.

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Basta alterar uma letra e aletria é alegria:) E isso diz muito. Fácil, a felicidade. Medida em coisas destas que não precisam de muito. Do resto, não quero entender nada. E fazer esta aletria é mesmo fácil. Faço-a quase sempre no registo imediato, pouco antes do jantar e dá tempo para tudo.

      Para mim, o significado maior do tempo de férias começa por acordar sem despertador. Acordo cedo na mesma, mas porque quero e isso faz uma diferença enorme:) Uma alegria que não precisa de muito, vê?

      A ver se resolve isso de nunca ter comido aletria. Talvez seja por ser um doce mais do Norte. Talvez seja por aí.

      Um beijo do Algarve também para si. Amanhã vou tratar de fazer uma certa compota de tomate:) Estará guardada.

      Mar

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  3. Boa tarde, Mar.
    Ah! Que bom poder fazer a felicidade de alguém tão querido com um prato de aletria alegria. E que início tão doce de férias. Aletria com água, com leite, com metade de cada, conhecia, mas não conhecia esta versão com vinho do Porto. Já guardei e vou experimentar. E a receita vai ter mesmo este nome "aletria alegria".
    (A aletria faz-me lembrar a Babette. Um beijo, onde quer que esteja)
    Boas férias.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, Ana

      Ele fica feliz de uma maneira tão bonita, que deixar-me estar e não dar esta alegria, seria uma lástima. Eu acho que devemos sempre tentar dar as alegrias que estão ao nosso alcance. Já basta todas as que não estão.
      Eu fiz essas versões todas antes desta hipótese de tudo começar com água. Não correram muito bem. Esta receita é a nossa receita. E o vinho do Porto dá uma magia especial:) A ver se pensa o mesmo, se experimentar.
      A mim também. Aletria é o bolo de aniversário dela. Isso diz muito. Ela está bem. E vai ficar feliz e comovida por saber que se lembra, que eu sei.

      Obrigada. Um beijo.

      Mar

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  4. Boa tarde, Mar.
    Ah! Que bom poder fazer a felicidade de alguém tão querido com um prato de aletria alegria. E que início tão doce de férias. Aletria com água, com leite, com metade de cada, conhecia, mas não conhecia esta versão com vinho do Porto. Já guardei e vou experimentar. E a receita vai ter mesmo este nome "aletria alegria".
    (A aletria faz-me lembrar a Babette. Um beijo, onde quer que esteja)
    Boas férias.
    Bjs
    Ana

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  5. Há tantas formas de fazer alegria. E esta tua parece-me bem especial :) Hoje fiz alegria para o Manel, sob a forma de uma massa "de lacinhos" com atum :)
    Faço aletria há poucos anos. Com leite, citrinos e canela. Nas ilhas, não é costume. Apenas arroz doce. Comecei a fazer, no Natal, porque o Paulo me pediu. E o Manel também gosta muito. Tenho de experimentar a tua versão. Com água e 8 ovos :)

    Boas férias.

    Um beijo,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia,

      Muitas e muitas declinações que tem, a alegria. O que interessa é haver em nós a vontade de a declinar. Por/para nós. E por/para os que amamos/nos amam.
      Com oito ovos, sim:)

      Um beijo.

      PS: Descobri ontem que aqui no Sul se usa o cidrão que me enviaste, para fazer um dos meus bolos preferidos daqui, o morgado. Nunca tinha ouvido sequer falar desse ingrediente. Mas é mágico:)

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  6. Olá Mar,

    E a minha alegria aqui. Por um doce que me reconciliou com a canela, com a água e com o frio. É absolutamente deliciosa. Eu que até nem era muito adepta da aletria. Parece-me que sou mais da alegria! E a minha alegria também por ver essa alegria toda num prato lindo. Junto desse verde todo do seu jardim. Que lindo!
    Um beijo do Norte que mais parece Outono.
    Continuação de boas férias.

    Bjs

    Íris

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    1. Olá Íris,

      Eu também não gostava. Passei a gostar muito por causa desta versão. Por isso, ainda bem que o meu filho gosta tanto e que tentei chegar a este ponto de alegria:)
      O prato especial que veio de si, em forma de presente de aniversário. Muito cheio de poesia. Obrigada outra vez. E obrigada pelas suas palavras aqui. Perto do prato e do verde do jardim e da alegria doce.

      Um beijo para si. Aqui no Sul.

      Mar

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