Tenho pensado persistentemente numa coisa. Que nem é assim muito elaborada. Bem básica, até. Precisamos de coisas boas. De tudo o que nos fizer bem. De cada possibilidade de beleza. De cada boa palavra. De cada carinho que nos for feito. Angustiante, por estes dias, não perder a noção do mundo. Por mais que não se deva perder essa noção, a verdade é que algo que é sempre maior do que nós parece estar em curso. Tudo é colocado como facto consumado. Ou como iminente. E uma enorme quantidade de palavras que não significam. Que nunca querem dizer muito bem o que designam. Por mais que até saibamos quais são as perigosas, as ambíguas. Era outra coisa diferente. Não era bem assim. Percebemos mal. As contas de uma empresa estão em ordem, mas as pessoas que lá trabalhavam foram despedidas. Um homem sozinho pode pedir emprestados 1000 milhões de euros. Para comprar acções. Não para criar empregos. Não para gerar riqueza para um todo. Embora eu não tenha nada contra o lucro próprio. É bom que haja isso. Devia haver mais. Mas é que os tais 1000 milhões foram aplicados em especulação. E hoje, as acções que custaram 1000 milhões valem 73 milhões. Creio que basta fazer contas. É uma aritmética muito básica. Como as coisas em que tenho andado a pensar com persistência. Naquilo de precisarmos de coisas boas. Mas nisto também. Porque esta factura terá de ser paga. E o pior de tudo é que nós sabemos a quem vai ser apresentada. E não, não é ao senhor que vale menos do que muitos de nós. Por valer cerca de metade do que deve. Mas isso não será problema dele. Será mais de quem emprestou.
E então, uma coisa menos habitual em mim. Fúria. Como no poema da Sophia. O que é contra os demagogos. Ela até disse que era com mais. "Com fúria e raiva". Faz falta poesia desta, também. Fazem falta palavras que façam frente. Que obriguem cada um dos que as desrespeitam todos os dias a pagar o preço. Que é usar as palavras certas. As que querem mesmo dizer as coisas. As palavras fortes, inequívocas. E dizer que "roubaram" e não que "houve um desvio". E dizer que "mentiram" e não que "faltaram à verdade". E dizer que "fugiram" e não que se "retiraram para o estrangeiro". Apetecia limpar tudo. E olhar finalmente para algo que fosse limpo. Acreditar. Uma resposta possível às "inverdades". Acreditar.
A receita de hoje é uma forma de acreditar. Na possibilidade de um dia doce. Na possibilidade de felicidade. Exequível. E saber que se chama só "Tarte de chocolate e banana". Não há nada a perturbar. Nada que não seja a realidade que designa. Tarte de chocolate e banana, então.
4 bananas (meio maduras) + meia lata de leite condensado + 1 folha de gelatina branca + 1 pacote de bolachas Maria + 100 gramas de manteiga + metade de uma tablete de chocolate para culinária + 1 pacote de natas frescas e raspas de chocolate.
Faz-se a base da tarte com as bolachas moídas, a que se acrescenta a manteiga derretida e um pouco de leite. Cobre-se a base de uma forma (com fundo amovível) com a mistura de bolacha, espalhando-se bem. Leva-se ao frigorífico. Depois, tritura-se as bananas com uma varinha mágica (ou com outro meio mais sofisticado:). Entretanto, derrete-se o chocolate com uma colher de sopa de manteiga e junta-se o leite condensado. No final, a folha de gelatina previamente hidratada em água fria. Adiciona-se a mistura de chocolate às bananas trituradas e envolve-se tudo com cuidado, até que o chocolate se integre. Espalha-se por cima da base de bolacha e leva-se ao frio. Pouco antes de servir, cobre-se com natas batidas com uma colher de açúcar. E fica pronta, a tarte que é aquilo que dizem as palavras que lhe deram nome. De chocolate e banana. Não obstante a outra palavra. Fúria.