Amanhã.





Amanhã já vai ser a sério. Aquilo de ter um filho na escola primária. A aprender letras e números. Depois a aprender que se pode combinar as letras e os números. E que são infinitas, as combinações. Uma forma de introduzir o infinito, creio. Os números de 1 a 10 e saber que a partir desses, se pode ir até ao que não se consegue medir. Ou pesar. Ou contar. Ou dizer. Tudo o que o espera. Que é incalculável. Incontável. Imponderável. Tudo aquilo que o aguarda. Num mundo que já não vai ser bem o que foi até aqui. Por haver uma dimensão muito livre que se perde quase irremediavelmente.
Não sei. Se vou saber sempre como estar à altura. Não sei se vou conseguir sensatez. Para que resolva sozinho as coisas que se devem resolver a sós. Não sei. E acho que prefiro pensar que posso não saber. Por gostar mais da ideia de mães que acham que podem falhar. Ou que dizem que não é fácil. Que de vez em quando custa. Não saber, por exemplo. Como na noite em que ele nasceu. O pensamento repetido, que não deixava dormir. Pensar que iria ser sempre mãe dele. Que tudo o mais estava sujeito a alterações. Mas não aquilo de ser mãe. Com isto, o medo. Da eventualidade de não ser capaz. Pode acontecer não sermos capazes, às vezes. Uma espécie de lucidez maternal, creio.
Mas sei algumas coisas pequenas. Coisas que até podem não ser muito importantes. Como saber que posso fazer uma sopa quentinha todos os dias. Que pelo menos isto há-de ser como foi até aqui. Que há determinadas coisas que permanecem. Como haver sopa feita pela mãe. E a história da Bruxa Mimi à noite, mesmo antes de dormir. À espera que ele saiba ler. A história e o que fica aqui. Como a receita de uma das sopas de que gosta mais:

 Creme de Courgettes

4 courgettes + água + sal + azeite

Corta-se as courgettes (sem descascar) em pedaços pequenos e lava-se muito bem em água corrente e fria. Coloca-se numa panela com um pouco de azeite e deixa-se durante um minuto. Acrescenta-se água suficiente para cobrir as courgettes e sal. Tapa-se a panela e deixa-se ferver. Quando começar a ferver, deixa-se estar uns quinze minutos. Depois, é só transformar tudo num creme verde-claro de que as crianças gostam muito:)

14 comentários:

  1. Minha querida Mar, como a compreendo. Como me revejo em tudo o que escreveu. Na insegurança, no medo de falhar (desde o primeiro dia), na procura do equilíbrio (apesar de sabermos que temos que lhes dar autonomia, apetece fazer tudo por eles, não é?). Para já, vamos fazendo as "coisas pequenas". Que são tão grandes, tão importantes. Acredito que vai correr tudo bem com o António. Não tarda nada, já lê sozinho.
    Um beijo

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  2. Extraordinariamente complexo ser. Extraordinariamente complexo amar bem. Amar, pronto.
    Extraordinariamente vivo, emocionante.

    Quem faz uma sopa dessas, sabe disto, de ser mãe.
    Sim, custa, mas deixar ir é tanto como sustentar.

    Beijinhos

    Jo

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  3. Muito belo, isto. Quero sentir essa lucidez, um dia se vier a ser mãe, junto com o medo e a vontade que eles sejam felizes.
    E pronto, hoje é o primeiro dia. Mais logo, vai haver um sem fim de coisas que o António vai querer contar, com o ar traquina e meigo dele, sempre de sorriso. E assim começa:)

    Um beijinho,
    Da Pipinha

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  4. Mar
    A partir de hoje tudo vai ser diferente!Sempre cada vez melhor e ...mais difícil!Esse sentir de mãe é indescritível! O tentar proteger, o pôr a almofada para amortecer as possíveis quedas,o sofrer com as suas tristezas e vibrar com os sucessos vão fazer parte do seu dia a dia. Vai ensinar e vai aprender! Esta ligação é única e eterna!
    Viva esta fase om alegria! Há de chegar o 5ºano! E o 3º ciclo! e...a entrada na faculdade! E as namoradas!E a separação das namoradas!E...e... quando olhar para trás, há de sempre perguntar" Terei feito o melhor?"
    Sim,estar ao lado é fazer o melhor;dar o ombro é fazer o melhor,mostrar o caminho é fazer o melhor...
    Tenho a certeza que vai estar sempre ao lado!
    Um abraço muito emocionado neste dia em que recordo os momentos que está a viver!


    Emília Melo

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  5. Olá Ilídia:

    É aquele "ter de ser". Assim. Sem mais. Saber que há coisas que fazem parte do processo. Um processo que começou a partir do momento em que escolhi ser mãe. Porque foi um exercício de escolha luminosa. Mas aquele medo desconhecido. Aquilo de ter medo de em algum momento não ser capaz. E de este ser um dado irredutível. Impossível de ser alterado.
    Tenho educado o meu filho para a autonomia. Das maneiras possíveis. Para mim e para ele. Esta fase nova há-de ensinar-me mais esse princípio. Para que cresça por si. Com uma presença serena e firme. Ao lado. Na retaguarda. Ou à frente, quando a circunstância pedir que seja eu a ir para a frente. A ver se consigo saber os momentos certos para tomar estas posições. A ver se sim.
    Obrigada por partilhar destas e de outras apreensões maternais. Destas e de outras coisas luminosas da vida que aqui fica partilhada.

    Um beijo.

    Mar

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  6. Olá Jo:

    A mais complexa e a mais maravilhosa tarefa. A de amar. Este fim-de-semana fui assistir a uma peça de que me ficou esse fragmento. O de amar valer por si. Um ofício a que nos devotamos incondicionalmente, neste caso. Por sermos mães. E com isso, aceitar que o desconhecido esteja sempre presente. E todas as dimensões que descobrimos com esse desconhecido.
    Por isso, neste início que é de não saber, faço uma coisa que consigo fazer há muito tempo: uma sopa. A ver se aprendo a deixá-lo ir. E a sustentar. Obrigada por esse fragmento breve que me ensina tanto.

    Um beijo.

    Mar

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  7. Olá Pipinha:

    E assim começou:) Com o tal sorriso dele. A dizer-me que achava que ainda não tinha aprendido a estudar:) E a perguntar-me como é que se dava conta que se tinha estudado. Se eu podia dizer-lhe como é que se sabia isso. Depois disse que estava mesmo a precisar de muitos miminhos. Agora dorme. Exausto. Depois de muitos miminhos:) E sopa. E outras coisas de que ele gosta.
    Hás-de ser uma mãe capaz de todas estas inquietações. Hás-de ser uma mãe que não conta histórias em que não se pode acreditar. Por serem representações de uma realidade que não é. Sei que sim. E sei outra coisa: que vou gostar de estar por perto. Para acolher o teu filho.

    Um beijo de fim de primeiro dia a sério:)

    Mar

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  8. Olá Emília:

    Tão bom sentir-me orientada pela voz sem voz de quem já viveu isto. De quem partilha estas angústias que nascem da lucidez. Não é um medo no sentido clássico. É por gostar muito de ser lúcida. Neste e em outros aspectos.
    E sim. Uma ligação única e eterna. Entendo assim, também. Desde o início. Sei que há muitas coisas que mudam. Podemos mudar de profissão. De casa. De país ou de cidade. E até mesmo a ligação que deu início a esta pode falhar. Mais uma declinação da tal lucidez. Mas não isto. Não o querer assistir a todas as coisas de que falou. De vez em quando, um outro medo. O de poder acontecer não estar. Por isso, registo. As coisas pequenas que não podem ser reproduzíveis de outra forma que não esta. Obrigada por fazer parte do meu registo, minha querida Emília. Po estar aí. E por acontecer isto de reviver coisas preciosas do seu percurso de mãe.

    Um abraço carinhoso para si.

    Mar

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  9. Mar,
    É uma constatação lúcida, essa de nos questionarmos permanentemente. De termos dúvidas permanentes sobre as escolhas e os caminhos que vamos percorrendo ou que os vamos encaminhar a percorrer. Imagina isso a dobrar ;) Com a angústia eterna das comparações entre gémeos tão diferentes quanto os meus... Mas havemos de os guiar bem, vais ver. E vão ser 3 piratas felizes e responsáveis. Que nos hão-de agradecer as sopas e todos os outros mimos. E que hão-de perdoar as falhas. Como diz a minha mãe, é tempo de "lamber as crias". Tão elementar este acto que vemos sendo reproduzido entre os animais. Porque crianças amadas (e lambidas, vá) vão ser adultos confiantes.
    Beijo. Num dia em que fui eu "lamber" a mãe...

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  10. Olá minha linda:)

    Tão bom escutar a tua mãe há pouco. Mesmo antes de cortarem o bolo que lhe ofereceste de presente. Uma pessoa muito bonita. A que cheguei por outra pessoa que me aconteceu aqui. Tu. Tem sido muito bom existirmos nas vidas uns dos outros. Com as coisas que fazem parte. Como esta fase do António. Ou os teus medos e angústias a dobrar:) Para o ano é contigo. Os teus dois piratas vão estar a ter um primeiro dia do resto das vidas deles. E sabes, pelo muito que partilhamos, sei que haverá em ti esta lucidez. E muitas outras coisas que fazem parte do tal exercício de escolha. Como fazer sopas e dar mimos. E ensinar que as mães também podem falhar. Mas que estão sempre a tentar que não.
    Mais parabéns à tua mãe. E a ti, pelo bolo lindo que lhe ofereceste. Já disse que me apeteceu ir a voar ao Porto? Só para reclamar a minha fatia? :)

    Um beijo. No final de um dia que não parou quieto:)

    Mar

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  11. Todas as mães falham, numa altura ou noutra da vida, mas mais importante que falhar, é sabermos reconhecer que falhámos, para na próxima vez já não o fazermos, pelo menos pelo mesmo motivo.
    Boa sorte para esta nova fase, que como dizes não é facil, ou talvez seja.
    Uma sopa para aquecer nos dias mais dificeis
    Um beijinho

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  12. Olá Gisela:

    Sabes que mais? Gosto tanto de ouvir mães que assumem fragilidades. Em vez de as disfarçarem com palavras de plástico. E sim, a ver se as falhas ensinam coisas às mães que acham que não há nada de mal em dizer que falham.
    Obrigada pela sorte que deixas. Já passaste por isto. Estás mais à frente:) E sim, com uma sopa quentinha, os dias mais difíceis são mais de aconchego.

    Beijo.

    Mar

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  13. E já no tal outro cenário, em transformação rápida para ninho, voltei e gostei do que vi.
    E embora o turbilhão dos primeiros dias já deva ter acalmado e mãe e filho devam ter passado com distinção, considero apropriado deixar aqui a melhor definição para FILHO, que decerto já conhecerás:

    "Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isso mesmo!
    Ser pai ou mãe é o maior acto de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo correctamente e do medo de perder algo tão amado.
    Perder? Como? Não é nosso, recordam-se?
    Foi apenas um empréstimo!"

    Tenho a certeza que o teu Menino Aventureiro se portou muito bem e que sentiu muito orgulho na sua Mãe Borboleta, aluna de mérito neste "curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos"...
    Beijos aos dois ♥

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  14. Olá minha linda:

    Está a correr tudo bem. Com as adaptações normais, creio. A rotina diferente, os trabalhos de casa a prevalecerem sobre o resto. A inflexibilidade nas horas de ir para a cama. Coisas que conheces bem. Que já passaste por isto. A ver se no final sou a tal aluna de mérito:) Obrigada pelo texto que deixaste. Sobre amar outra pessoa mais do que a nós. Espero que já esteja tudo mais calmo. Que a tua casa nova já te faça sentir em casa:)

    Um beijo para as duas. De nós os dois.

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