Também acontece isto. Isto de querer estar a sós. Isto de pôr uma mesa só para mim. Isto de fazer uma refeição a pensar em mim. Parto ao meio os dias de trabalho e desapareço um bocadinho. Para continuar a gostar de tudo o que me é exterior, preciso de lembrar a circunstância irredutível. Aquela de estarmos sós. De ninguém conseguir sentir o que sentimos. Pensar o que pensamos. Viver o que vivemos. Não preciso assim de muito tempo para me lembrar dessas e de outras coisas. Basta uma hora de almoço, a maior parte das vezes. Para estar a sós. E não é por querer recusar o mundo ou as pessoas. Nem sequer por uma ideia frágil de refúgio. É por gostar muito do mundo. E das pessoas. E das coisas todas que acontecem no que está fora de mim. É só para continuar a gostar. Gostar com a verdade possível à nossa circunstância partilhada. A de estarmos sempre sujeitos a falhar. Uma e outra vez. Uma e outra vez.
Ainda assim, este reduto. Ainda assim, esta possibilidade. A de marcarmos um almoço connosco. E estarmos em silêncio. A sós com cada um dos nossos silêncios. Reservarmos tempo para nós. Reservarmo-nos do que houver. Para depois voltarmos ao exterior. E irmos com mais para o que está lá fora. E lá fora, às vezes magoamo-nos. Às vezes caímos um bocadinho. Outras vezes não. Estamos só bem. Só bem, que não gostamos de coisas que ofuscam. Que nos alheiam desta verdade silenciosa. A de sabermos que estamos sós. Mas que até vamos sabendo cuidar de nós. Para podermos estar mais e melhor para os outros que são nós um bocadinho. Ou um bocadinho de nós. Cada fragmento escolhido de solidão pode lembrar isto. E eu gosto de não me esquecer de algumas coisas. De algumas coisas fundadoras. Uma espécie de exercício de lucidez, cada um dos almoços a sós.
Mar,
ResponderEliminarAdmiro a sua capacidade de escrever o afecto tal qual ele é para si.
Gosto, é bom e sabe bem ler e reflectir acerca.
Isso.
Obrigada : ))
beijinhos,
Jo
Mar, minha querida, não posso concordar mais com o que escreveu: a importância dos momentos que dedica a si própia. E gostei dos mimos a que se oferece, como se se estivesse a convidar a si mesma. E gostei também do jornal que mostra as nossas companheiras de género na Arábia Saudita a exercerem o seu direito de voto. Faz parte da composição que a Mar oferece aos seus fiéis leitores. Entre as quais, deliciada, consta a sua...
ResponderEliminarLusitana
Bom dia Mar!!!
ResponderEliminarPara se ser quem somos... temos que saber quem somos... e são precisos momentos desses... são bonitos e fazem-nos bem...
Um beijinho da beira do rio Mondego...
Querida Mar,
ResponderEliminarPassei por aqui logo de manhã anti de partir para o mundo e agora ao final do dia regresso porque me apeteceu voltar a ler o seu texto. Estar só para pensar e colocar em ordem os sentimentos num final de dia que foi cansativo.
Um beijo
Fa
Estou agora sozinha a escrever. São precisos momentos de encontro com nós próprios. Mas tinha-me sabido pela vida poder ter partilhado contigo este almoço com tão belo aspecto...
ResponderEliminarBabette
Olá Jo:
ResponderEliminarGosto muito dessa leitura. Que gosta e reflecte acerca. Uma coisa que me faz bem, a sua leitura. Obrigada por isso. E por si.
E um beijo.
Mar
Olá minha Lusitana:
ResponderEliminarSim. O sorriso das mulheres que podem (finalmente) votar. Nunca posso ler o jornal de manhã. Olho-o antes de sair. Mas só à hora de almoço, quando venho a casa. Ou à noite. Neste dia, soube-me melhor o almoço. Por causa da imagem com os sorrisos delas.
São muito precisos, estes momentos. Eu sei que o são para mim. Embora entenda outros registos. Mas este é-me fundamental. Faz com que vá para fora com mais de tudo. Com que trate das feridas a sós, quando as há. Com que celebre em silêncio o que houver para celebrar. Coisas assim.
Muito grata, Lusitana. Por aquilo das composições oferecidas. E por dizer as coisas de uma maneira que me acolhe.
Um beijo.
Mar
Olá Sophy:
ResponderEliminarMuito por aí. Por saber quem somos. Melhor...tentar saber quem somos. Acho que não chegamos a saber inteiramente isso. Ainda assim, estes encontros vão fazendo com que não se perca o pé.
Um beijo para o lugar junto ao Mondego:)E obrigada.
Mar
Olá minha Fa:
ResponderEliminarDe todas as coisas lindas que me tem escrito, essa será, provavelmente, uma das mais belas. Por dizer que lhe apeteceu voltar ao fim de um dia cansativo. Só porque sim. O meu dia de ontem também foi assim. Cheio. E o de hoje. E então, soube bem lê-la. Soube a carinho. Como se me tivesse dado a provar um dos seus assados reconfortantes:) Obrigada.
Um beijo.
Mar
A solidão de quem escreve. Uma imagem bonita, para acabar o dia. De alguém a escrever sozinho. E sim, por mais que goste de cada um destes meus almoços, sabe-me sempre bem a ideia de partilhar. E seria bom ter partilhado a minha refeição frugal contigo:) Embora queira que a tua primeira refeição aqui seja um bocadinho mais à frente:)
ResponderEliminarUm beijo.
Mar
Olá, Mar. Acabei de escrever um texto sobre o meu almoço sozinha, sabia? No entanto, num registo bem diferente. Um texto muito sobre a solidão. Porque nem sempre almoçamos sós por opção. Há uns anos, almoçava só porque tinha de ser. E era triste. E escrevi sobre isso, a propósito de almoçar só agora. E de como me sabe bem, só porque sou eu que escolho. Gostei d'Isto. De mais esta convergência.
ResponderEliminarP.S.: A propósito d'Isto, tenho pena que o seminário não tenha correspondido às suas expectativas. Mas como a entendo:) Com tantas sapatarias ali mesmo à mão :) Esta nossa faceta consumista é muito poderosa, não é?:)
Beijinhos
Olá Ilídia:
ResponderEliminarUma boa coincidência, a de escrevermos sobre declinações escolhidas de solidão. E sim, quando há a possibilidade de escolha, as coisas têm um sabor diferente. Quando são impostas, desvirtua-se à partida uma componente muito grata de estar a sós. Por isso, percebo a tristeza de quando almoçava só porque sim. Que bom que tenha gostado d'Isto:)
Um beijo.
Mar
PS: Bastou-me 10 minutos num lugar onde há sapatos lindos. Logo a seguir a um almoço partilhado na Avenida. E sabe, sou muito impulsiva. Em muitos domínios. Mas nunca a comprar sapatos:)Absolutamente criteriosa.