Continuar e uma mesa cor de infinito.





























Não é uma data que se escreva sem mais. Sem olhar bem para os números. 11.09.11 
Dez anos desta data. O imponderável da barbárie. E não dar para apagar. Nem as imagens. Nem o silêncio incrédulo dos directos daquele dia. Por sabermos que nunca se está preparado para descrever a barbárie. Que de vez em quando, assume dimensões que são assim. Imponderáveis. E então, a melhor das respostas à maldade: continuar. Foi assim que aconteceu no país que é capaz do melhor e do pior. Continuar. Com uma cicatriz, mas o mundo foi capaz de continuar.
Assim. Os gestos de hoje foram marcados pela memória de há dez anos atrás. E quiseram ser uma negação possível. As cores que estão na memória são difusas. Oscilam entre o cinza e o negro. Figuras humanas em queda. Lenços brancos nas torres de aço. Vontade de decalcar o infinito. A mesa de hoje queria isso. Pensar na cor que mais é isso do infinito. Que é tudo aquilo que não se consegue medir. Ou pesar. Ou dizer. O azul é isso tudo. E o mais que não se consegue escrever. Azul à mesa, então.
E pensar em amanhã. No sentido mais imediato do termo. Amanhã é dia de começar. Nunca é bem recomeçar. Porque os pontos de partida mudam todos os anos. Voltar à sala. Voltar aos esforços para chegar até aos que estão lá, transitoriamente dentro de uma sala. Este ano, com um dado que não havia antes. O gatinho sem nome que não desiste de andar por aqui. A parecer ter um lugar preferido no jardim. A aproximar-se, agora. Já tolera carinhos. Segue os meus passos, enquanto ponho a mesa. Ou fica quieto a olhar, quando os meus passos não andam de um lado para o outro. De vez em quando, pede atenção. E eu faço o que ele pede. Levanto-me e renovo o leite na tacinha que lhe quer dar um nome. Se calhar, era melhor arranjar-lhe um nome. Já anda por aqui há tempo suficiente para não ser só gatinho:) Mesmo que não goste assim muito da música interrompida de há dez anos atrás. Ouvida hoje até ao fim. "My own summer". Deftones.

6 comentários:

  1. Mar, doce Mar:
    A Lusitana voltou à sala.E iniciei a manhã a abrir os meus blogs especiais. A retomar os meus hábitos. Muito lindo o seu texto. A falar com sensibilidade e inteligência de algo que nos mostrou como as voltas que o mundo dá acontecem sem aviso. E nem sempre se tiram as lições que se devem tirar. Bom, agora só quero um pratinho de leite para ter esse ar feliz do gato que escolheu a casa certa. E com que sabedoria o soube fotografar, foi mesmo no momento H.
    Beijinhos.

    ResponderEliminar
  2. Um dia cheio de recordações, o de ontem. É inevitável, não é? E as suas recordações deram origem a uma mesa com a cor do Mar. Bem bonita, como sempre. Também me preparo para voltar à sala :) Se não me enganei, vislumbrei na fotografia um livrinho sobre o novo acordo ortográfico. Pois é, este ano temos isso. Temos que os orientar nessas mudanças. À mistura com todas as outras :)Vai correr bem. E sabe bem chegar a casa e ter um gatinho à nossa espera. Pense num nome para ele. Parece-me que ele merece :)Um beijo

    ResponderEliminar
  3. Sim, continuar. Foi o exemplo que se procurou dar. Apesar de muitos milhares de pessoas e de famílias continuarem ainda que amputados. Fisica e psicologicamente. Daí que a mesa infinito foi o maior contraponto deste dia. A antítese da finitude, com uma imagem do que é eternamente infinito: o céu.
    Beijos
    Babette
    PS. E agora umas observações mais terrenas: que lindas aquelas duas taças com tampa. Que lindos, uma vez mais, os teus guardanapos azuis. Os pratos azuis. A taça que continha nectarinas (?). As estatuetas. O teu recanto das coisas que lembram que ontem começava uma semana importante. E até a taça do gato tem pinta!

    ResponderEliminar
  4. Olá minha Lusitana:

    O gatinho que parece gostar de andar por aqui, acabou há pouco de vir pedir-me carinho, enquanto estava à janela para ver a lua. Subiu pelo telhado, a miar e a demorar-se. Estou a começar de achar piada a gatos:), muito especialmente a este. Que tem um passo soberano de que gosto.
    E sim, o mundo é capaz de tudo. O meu marido costuma dizer-me que tudo aquilo que eu achar como mais improvável ou cruel, alguém está a fazer ou a pensar fazer. Este dia há dez anos atrás é exemplo disso e de muitas outras coisas. E de um abismo civilizacional que não decorre de uma religião ou de uma ideia. Será mais o desrespeito pela vida. Em absoluto.E isso ser incompreensível ou a perplexidade maior.

    Um beijo pelo regresso à sua sala. E às coisas que lhe são especiais. Gratidão por ser uma declinação dessas coisas.

    Mar

    ResponderEliminar
  5. Olá Ilídia:

    É sim. Um dos dados incontornáveis deste regresso à sala. O acordo de que discordo. Mas saber que ali, na sala, não há isso de discordar. Por ser o que tenho de fazer. Que é orientá-los na adaptação. Aqui e nos registos que são mais íntimos, mantenho a minha discordância. Que vale o que vale, uma vez que agora já não se coloca a questão de ter ou não opinião sobre esta matéria. Mas confio que há-de correr tudo pelo melhor. Faz parte de ser professor. Confiar que vai correr bem.
    A mesa ficou azul. Uma cor que é contrária ao que lembro daquele dia. Posta sob o olhar silencioso do meu gatinho que está prestes a ter nome:) Por já significar um bocadinho de casa.

    Um beijo de final de primeiro dia de aulas. Que foi bom.

    Mar

    ResponderEliminar
  6. Gostei dessa ideia. De o azul ser uma espécie de antítese da finitude. Um memorial azul, então. E gosto que gostes de algumas das coisas que te vão receber. E sim, eram nectarinas. Que me fizeram lembrar que há uns dias foste capaz de as transformar num doce que quero experimentar fazer. Estás a ver? Um bocadinho das tuas coisas a uma mesa azul de domingo. Com um gatinho à mistura e tudo. A taça não foi pensada para ele. Estava à mão, quando ele apareceu a miar insistentemente. A reclamar o seu direito a leite e a miminhos:)

    Um beijo da tua amiga Mar.

    ResponderEliminar

AddThis