Chocolate vai mesmo bem com chuva e com tempo frio. E muito assim. Nesta declinação clássica e elementar. Mousse de chocolate. Uma daquelas coisas do género de fazer no imediato, por (também) apetecer no imediato. É um daqueles impulsos, invariavelmente. Há uma outra coisa qualquer a acontecer e, sem mais, aquela urgência boa de fazer mousse de chocolate porque sim. Se lá fora estiver a chover, o ritual intensifica-se. Quando os recursos interiores são estes e são tão simples e independentes, tudo o que é satélite fica do lado de fora. E, mais importante do que isso de manter o que não interessa a uma distância de segurança, isto: a noção serena de que se sobrevive. Melhor: que se vive. Muito e bem.
Para mousse de chocolate, esta versão que já deixei aqui, da mulher linda e voluptuosa que é a Nigella Lawson. E esta que fica hoje. Mais a ir ao encontro da execução clássica. E mais na essência do amor pelo chocolate, devo dizer. Sem o sabor da manteiga a perturbar, sem atalhos. Chocolate. Um pouco amargo, pouco doce. Intenso e denso. Tanto, que sirvo sempre esta mousse em doses individuais e calculadas de acordo com aquele termo bom de intensidade. As minhas chávenas de chá japonesas são invariavelmente as eleitas. Passaram anos fechadas, pelo medo que as mãos anteriores às minhas tinham de as quebrar. Percebo o medo e o cuidado. Respeito-os. Mas não gosto de ter coisas que não vivo, que não uso. Acumulação sem sentido. Ter por ter. Tão simples e tão bonita, a versão em que umas mãos cuidadosas vão buscar umas chávenas que estiveram anos condenadas a não ser usadas quotidianamente. Por serem demasiado preciosas, demasiado frágeis, demasiado raras, demasiado belas. Eu uso-as com carinho e, quase todos os fins-de-semana, derramo nelas mousse de chocolate e levo-as à mesa, depois de comida que pede um final assim à altura. Esta versão com Grand Marnier e com raspas de laranja está mesmo e sempre à altura.
Com as chávenas de chá com mousse de chocolate, os jacintos que trouxe para dentro de casa, mal começaram as chuvas e os ventos. Para não perder nada do aroma de Março. Aquela coisa linda de sentir os perfumes todos das flores deste tempo, quando andamos lá fora. Está a chover e a minha alegria por isso. Pela água nos rios que vejo todos os dias. Pela água que abre sulcos nas montanhas aqui à volta. Mas não se sente o perfume das mimosas e dos jacintos lá fora e Março significa isso mais do que tudo. Por isso é que as flores têm de vir para dentro de casa, para não se perder nada. Para termos umas coisas, nem sempre precisamos de abdicar de outras.
E mais um livro. Mais uma escritora da (minha) Argentina mítica. Este foi lido no espaço de tempo necessário a uma viagem de um dia. Benção para leitura e para música e para nos esquecermos do mundo, o tempo de viagem em que não é preciso conduzir. É um livro que implica algum trabalho paralelo, convém advertir. Os quadros e os pintores e os lugares e as narrativas vão correndo como água, mas é sempre necessário olhar imagens dos quadros, para tentar ver neles o que a escritora vê. Ou não. Não ver ou não perceber. Porque a arte e muitas outras coisas que são do género de nos tocar ou não, são assim. Gostei muito e tinha receio de não gostar, porque sou uma apaixonada por arte como são as pessoas apaixonadas em relação a tudo. Entro em museus por causa de um quadro em particular, fico tempo em silêncio na Sala Rothko e quero é que me deixem estar ali em paz, dispenso cicerones e orientações e explicações. E a gravitas hermética do universo da arte. Muito isso. Este livro ficou-me muito e não sei dizer bem porquê. Tal e qual como me acontece com a arte que me emociona e que silencia. Deve estar certo que assim seja, então.
Mousse de chocolate com Grand Marnier
100g de chocolate preto ou chocolate para culinária + 100 g de chocolate de leite + 1 pacote de natas + 3 ovos + 2/3 colheres (de sopa) de açúcar + 3/4 colheres (de sopa) de Grand Marnier + raspas de laranja
Derrete-se os chocolates com as natas em lume brando, mexendo continuamente. Bate-se as claras, acrescentando as colheres de açúcar faseadamente, para ficarem mais firmes. Quando o chocolate estiver quase derretido, acrescenta-se o Grand Marnier, mistura-se e deixa-se uns segundos. Por fim, as gemas. Retira-se do lume e acrescenta-se às claras, envolvendo bem e com cuidado. Reparte-se por taças ou chávenas e leva-se ao frio. Na hora de servir, raspas frescas de laranja.
A música é do género de querer dançar vezes sem conta. Outro recurso interior, esse. Linda, esta voz. Intenso e envolvente, o som que dá (muita) vontade de dançar.
Lindo. Não vinha aqui há que tempos, tenho estado a deliciar-me com estes conjuntos de texto, livros, fotografias, música e comida. E o cheiro dos teus narcisos. Que antiga essa tua ligação com os narcisos, que eu trouxe de ti e que rebentam agora, todos os anos, ali fora e cheira a nós...
ResponderEliminarum beijo, com a chuva
da Pipinha
Obrigada, Pipinha. São os jacintos:) uma história antiga, sim. Tomar conta de um vaso de jacintos ajudou-me a tomar conta de mim. É bom que esse espírito se renove a cada Primavera.
EliminarBeijinhos com sol*
Isa