O melhor de tudo. E um livro sobre conversa fiada.














O melhor de tudo é, a maior parte das vezes, mais simples e mais fácil do que pensamos. E imprevisível. Aquilo de vivermos coisas maravilhosas sem estarmos a contar, sem termos antecipado nada. É bom oscilar entre os dois registos, creio. Entre o que se prevê e o que não se prevê de todo e que acontece sem mais.
Esta receita nasceu de uma conjugação de coisas mais ou menos aleatórias. Num momento qualquer, começou por ser uma refeição fora de horas. Uma daquelas circunstâncias em que apetece só o conforto de comida espontânea, rápida, fácil. E não haver grandes utensílios nem grande sofisticação. A adaptação ao meio a funcionar. Nas declinações seguintes, uma receita que surgiu de um instante qualquer, é muitos instantes, já. Comida que apetece no regresso a casa, depois de um concerto. Comida de pequeno-almoço tardio, dos dias sem horas e sem compromissos. Comida de final de tarde de domingo, para um irmão mais novo que adora as cenas da irmã mais velha. Comida que sabe maravilhosamente, algures às duas da manhã, numa daquelas maratonas de filmes em casa ou de episódios deste programa. Com uma chávena de café ou de cevada, na minha versão preferida. E, olhando para cada um desses momentos, uma sensação pacificadora de (tentar) viver bem a vida. E de o melhor de tudo se resumir afinal a uma sucessão de pequenas coisas inesquecíveis. Tal qual isto de fazer uma sanduíche particularmente deliciosa e de gozar bem cada instante desse processo. Os sons e os cheiros. A cadência segura e serena dos gestos. Até chegar ao resultado final, ao objectivo: pão dourado e aromático por fora e um interior a derreter-se, de bom. Pelo meio, silêncio ou música ou as vozes ansiosas de quem estiver por perto, invariavelmente feliz por existir aqui e por viver isto. E isso é muito. 
Com esta receita, um livro que fui buscar num domingo de manhã e que li à tarde, de breve. Um ensaio filosófico a propósito da conversa fiada, da mentira, do embuste. As palavras que há para as histórias que as pessoas vão contando a si mesmas, aos outros. Mesmo que eu seja do género de saber que, em primeira e última análise, nada nos salva da mágoa da desilusão, de nos sentirmos vítimas de mentiras, de promessas por cumprir, de palavras que foram ditas mas que não significam coisa nenhuma. Convém não andar à procura de soluções para lidar com coisas dessas, porque não há. Vamos aprendendo a integrar esses dados o melhor que podemos. Com alguma sorte, trabalhamos os nossos mecanismos de auto-preservação. Só isso, creio. Mais a parte grande e difícil de ir sobrevivendo aos embates. Ainda assim, mais depressa encontro respostas possíveis nas personagens de grandes romances do que nas argumentações irrepreensíveis dos filósofos ou de guias espirituais ou religiosos ou o que for. Porque no fundo, a verdade é que raramente encontramos o que procuramos. Ainda assim, o fio do pensamento deste autor é (mesmo) bom de seguir, página a página. Ou neste vídeo
Com a receita e o livro, também as primeiras frésias deste ano. Bom que algumas coisas não mudem nunca, não obstante tudo o que muda irremediavelmente. Ficar feliz pelas primeiras frésias é uma dessas coisas.   

Sanduíche quente de bacon e queijo na sertã

Pão de forma (com a espessura para torradas) + maionese + mostarda + queijo Gouda + bacon + azeite e orégãos secos

Barra-se uma das fatias de pão com mostarda e a outra com maionese (uma colher de chá costuma ser suficiente, mas isso fica ao critério). Coloca-se uma fatia de queijo e duas lascas de bacon (previamente passadas numa sertã quente, sem torrar) em cada fatia de pão. Numa sertã, um fio de azeite e as fatias de pão, até alourar a parte de fora, pressionando ligeiramente com uma espátula. Vira-se e derrete-se o queijo ligeiramente, pressionando com a espátula. Junta-se as duas fatias, mais um fio de azeite e vai-se virando e pressionando a sanduíche, até que esteja com aquele tom dourado por fora e com o queijo derretido por dentro. Se quisermos, nos últimos três minutos de tempo, faz-se um ovo escalfado. E, para a versão de pequeno-almoço tardio, fica mesmo bem com esta outra receita de tomates-cereja assados. Polvilha-se com orégãos secos, retira-se para um prato e serve-se de imediato. É comida que não espera. Ao contrário: é ansiosamente esperada:) 

A música é esta. Now and then. Sjowgren. 

6 comentários:

  1. Olá Mar,
    Que bom voltar a lê-la! Mas não foi só a Mar que esteve ausente, eu também fiz um interregno. Fui viver um bocadinho de Janeiro a um país do norte, com direito a neve e tudo...
    Anotei a sua receita de osso buco, que nunca experimentei, para fazer quando houver amigos por aqui a jantar sem horas. Parece deliciosa e aconchegante. Para as minhas longas noites de leitura ou de sessões intermináveis de séries gravadas tenho uma versão mais rápida do que a sua sanduíche: como não aprecio fiambre quente ou cozinhado, faço uma tosta de queijo derretido (vario no tipo de queijo, mas emmental fica maravilhoso com flamengo ou guyère) barrada com manteiga que depois salpico com molho inglês. É a minha tosta mista em versão single, como lhe costumo chamar. Mas a sua, com o bacon já salteado, deve ser muito boa. Vou tentar...
    Em Novembro plantei bolbos de muscari e de crocos, sem saber bem o que aconteceria. Nunca o tinha feito antes, nunca achei que pudesse confiar que resultassem em alguma coisa. Sempre achei que a natureza não confiasse em mim, que do que não é visível durante semanas ou meses emergisse algo que me quisesse visitar e ficar, ainda que por um tempo fugaz. Enganei-me redondamente: é tudo ao contrário. Nós é que devemos confiar nela. Bastam a terra, alguma água, algum cuidado e pronto. Sem nos darmos conta, as flores chegam e dizem-nos que a espera vale a pena, que a terra só nos desilude se lhe formos indiferentes ou se a agredirmos. Por isso, neste final de Fevereiro, já há muscari azuis e crocos coloridos na minha varanda. Uma surpresa de cor e de alegria. A primeira frésia lilás já abriu, com todas as outras a caminho. E eu já devia saber que é assim, quando, há anos atrás, plantei as sementes a medo pela varanda. Todos os anos voltam para perfumarem o meu fevereiro. Nunca desiludem. As suas frésias amarelas estão lindas! Eu gosto tanto, mas tanto do perfume delas.
    Um beijinho da beira-mar,
    Marta

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    1. Olá Marta,

      Obrigada. Bom voltar. E voltar a lê-la, também. Compreendo-a nesse interregno, nessa vontade de um país frio e de neve. É preciso parar de vez em quando. Suspender. Ir para longe de tudo. E, depois disso, adorar querer voltar. E ir outra vez. Chama-se a isso (muita) vida a acontecer interiormente, creio.
      Tem de experimentar fazer osso buco. Mesmo uma receita certa para jantares prolongados e para boa conversa. Numa dessas próximas sessões intermináveis, junte bacon a essa sua versão, que também me parece deliciosa. Qualquer coisa de irresistível, em queijo derretido.
      Essas flores são lindas. Nascem aqui espontaneamente. Na serra. Nos caminhos. No jardim. Mal as vejo, sei que é chegado o tempo. A par dos jacintos e dos narcisos, que são sempre os primeiros, aqui. Todo esse significado. Adoro essa ideia de que algo está a acontecer secretamente. As flores que surgem, depois de meses adormecidas, são muito isso. A terra dá-nos essa vontade de esperar por coisas boas, sim. De as fazer acontecer, também. De tomar parte nesse processo. Tenho vivido muito essa ligação ancestral à terra. Com muita ilusão e com muita esperança. A terra não nos desilude, Marta. As pessoas sim. Nós próprios. Não a terra.

      Um beijinho aqui da serra prestes a ficar coberta de neve:)

      Mar

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  2. Que imagem maravilhosa! Uma gema meia crua é daquelas coisas que significam mesmo conforto. Para mim, com um copo de sumo de laranja. Ou de vinho branco, dependendo da hora ;)
    Gosto das frésias com as "fairy lights" e os livros do Vergílio Ferreira. Sempre inspirador, este teu lugar.
    Por aqui, ainda não vi frésias. Também é sempre uma festa quando vejo as primeiras.

    Um beijo grande,

    Ilídia

    PS: Uma delícia, os caracóis do post anterior :)

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    1. Tem esse efeito, sim. Com o que quisermos. Deixei o café, nas imagens, mas esta sanduíche fica bem com isso tudo que disseste:)

      Deixei as luzes que espalhei por aqui, antes do Natal. Adoro chegar a casa e ligá-las ser um dos primeiros gestos. Ficam bem também com as frésias, embora pareçam dois símbolos que se opõem. Obrigada por gostares do meu lugar dessa maneira. E saudades do teu espaço.

      Uma graça, o meu sobrinho e os seus caracóis loirinhos:)

      Um beijo grande*

      Mar

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  3. Ai Mar Mar ... casa comigo :D
    Também sigo as aventuras dos srº Bourdain mas desconhecia este site ( obrigada).
    Confesso que o que me prende a esta série é a sensibilidade fantástica que os realizadores têm de captar a realidade de cada lugar. A fotografia é lindíssima! Já o discurso do Bourdain às vezes aborrece-me. Aquela conversa recorrente de pilinhas e mais não sei o quê já chateia ...
    Eu estou frustadíssima com os meus bolbos ... ou apodrecem ou só dão folha mas não flor. A minha mãe não liga nenhuma e tem sempre flores lindas -_-
    Esse jarro é tão mas tão lindo.Ando a namorá-lo há que tempos mas ainda não se proporcionou...
    Que bomter-te de volta!
    Beijinhos e bom fim de semana

    p.s: Daqui a pouco vou à inauguração do meu primo Rogério na Cidadela de Cascais. Se vieres cá abaixo um destes dias passa por lá!

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    1. Olá Dulce:)

      Adoro os programas do Anthony Bourdain. Não tem que ver só com a comida, sim. Os sítios nunca ficam pela casca, com todas as distâncias e adquiridos óbvios, nestas coisas de viagens. Mas é aquela maneira de olhar e de sentir os sítios que me cativa, com que me identifico. E sabes, prefiro aquela crueza ao registo algodão doce do universo culinário em que é tudo um tédio, de "perfeitinho". Sou pelas imperfeições do Anthony Bourdain.
      Nisso das flores, creio que é mesmo pelo espírito da tua mãe. Plantas e esqueces-te:) Sem dares conta, lá estão as flores todas, a anunciar um tempo novo. Gosto muito desta peça, também. Mas não tanto como da escultura que o teu primo Rogério concebeu e que não me canso de olhar, de linda. Vou sim e claro que hei-de ir a Cascais:)

      É bom estar de volta. Um beijinho grande para ti. E outro para o Rogério.

      Boa semana!

      Mar

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