Coloco sempre muita ilusão nos objectos que compro. Um objecto nunca é só um objecto. Um ponto que, para mim, é pacífico como o mar num dia quente de Verão. O que significa que aquelas conversas enjoativas de encher a paciência sobre o consumo e o consumismo e as compras e tudo o mais, me passam ao lado. Primeiro, porque os meus hábitos de consumo não são frenéticos nem dados a impulsos cegos e/ou compensatórios seja do que for. Por isso, não me revejo em nenhuma da má consciência intolerante que olha muito para os outros e (muito) pouco para si. E, em segundo lugar, porque acho que só alguns místicos muito especiais é que poderiam falar lá de cima sobre isso do consumo. Curiosamente (ou não), não o fazem. Muito provavelmente, porque estarão demasiado ocupados a praticar o despojamento e a abdicação. Mas isso é mesmo só para alguns espíritos muito especiais. Por mais que eu goste e pratique a frugalidade, não estou nesse ponto de depuração. E, por isso mesmo, gosto de coisas. Fico feliz quando coincido com algo que, para mim, seja significativo. Mas não acumulo sem sentido. Em nenhuma das dimensões da minha vida. E não há problema nenhum em gostarmos das coisas de que gostamos. Não há problema nenhum em ficarmos felizes por querermos perto de nós um objecto qualquer que nos diz e ao que somos/sonhamos. E certamente que não haverá problema nenhum no facto de as pessoas quererem comprar coisas mais especiais para pôr na mesa de Natal. Cada um sabe de si. Nisto das finanças pessoais, esse princípio ainda se aplica mais. O Natal é maravilhoso. Mas é tão pródigo na condenação apressada dos outros, os tais que compram coisas. O ponto é que todos nós compramos coisas. Com as variações todas que as vidas permitem, mas todos nós consumimos. A este propósito, nunca me esqueço de uma conversa que tive há uns anos, com uma senhora muito especial. Para ela, o Natal significa ter os filhos e os netos todos à mesa dela. Como é muita gente, uns meses antes da noite mágica, vai preparando tudo, para que nada falte. Naquela mesa. Naquela noite. É muito importante que assim seja. É sério. E está muito para lá do óbvio. Por isso, vai comprando o bacalhau aos poucos. O polvo. Os doces de que cada um gosta. Os presentes que quer oferecer a cada uma das pessoas dela. É isso. Compra coisas. Com aquela vontade de querer bem. E não há problema nenhum nisso.
Gostarmos de coisas significa também o confronto com a nossa fragilidade. Por isso, fiquei particularmente triste quando há uns dias uma das peças de cerâmica japonesa que tinha encomendado com aquela ilusão boa, chegou partida. Não teve a hipótese de ser usada uma única vez. Fiquei triste. Silenciosamente triste. Tinha-a escolhido com a calma com que escolho sempre as coisas. Parecia-me que aquelas cores escuras eram uma narrativa difusa. E imaginei que seriam uma base poética para tanta comida igualmente poética. Foi assim. Teria sido assim. Mas acabou por ser de outra maneira. Acabou por ser da maneira que a vida quis.
Não sei como, mas ainda consigo olhar o meu prato partido para lá da tristeza de o ver fragmentado. Ainda dá para ver as cadências das cores, a desenhar as histórias todas que não chegará a contar. A parte boa é que acho que ainda vou tentar salvá-lo. É mais forte do que eu:) Um destes dias, sentar-me-ei pacientemente e colarei cada pedaço. Sei que nunca será como se nada tivesse acontecido. Que as marcas ficarão lá, para contar uma história diferente da inicial. Mas também sei que a filosofia wabi sabi dá um valor poético às imperfeições, às manchas, ao deteriorado, ao que é tido como feio ou imprestável. Por isso, aplicar essa filosofia tão bonita a uma cerâmica que veio a voar até mim desde o Japão, parece-me mesmo bem. Enquanto não, contemplo-a assim mesmo. Partida que está.
Dezembro começou mesmo agora. E, com Dezembro, começam sempre tantas coisas. Por aqui, o primeiro sinal de Dezembro é mesmo a luz. É assim que começa a sério, logo na primeira noite. E com comida assim como esta. A fumegar e muito de casa quente numa noite qualquer de Dezembro. Um caldo muito aromático, cheio de coisas que fazem bem. Para dar bem a ideia, é o tipo de comida que satisfaz serenamente. Parece não pedir continuação. Só que nos concentremos nos aromas difusos que liberta. E é assim. Faz-se assim.
Caldo de grão com funcho e com noz-moscada
NB: A noz-moscada pode ser substituída por gengibre. A versão alternativa desta receita é com gengibre e fica igualmente maravilhosa. Nesse caso, basta acrescentar uma colher (de chá) de gengibre fresco, no momento da receita em que se acrescenta a noz-moscada.
1 cebola (picada) + 2 dentes de alho (picados) + 2 tomates maduros ou 6 colheres (de sopa) de tomate em lata + meia folha de louro (sem a nervura) + 1 pimento italiano (vermelho) + 4 fatias de funcho fresco + 1 courgette (pequena e cortada em cubos) + 1 cenoura (cortada em cubos) + 1 lata (das pequenas) de grão de bico + raspa de 1 noz-moscada + água, coentros, hortelã e sal q.b.
Leva-se ao lume uma panela com um fio de azeite e com os legumes cortados e picados. Acrescenta-se um pouco de sal e deixa-se refogar ligeiramente. Depois, um pouco de água, até cobrir os legumes. Junta-se depois o grão e mais água. Quando começar a ferver, reduz-se o lume e deixa-se estar durante 15 minutos. No fim, as raspas da noz-moscada, os coentros, as folhas de hortelã e mais sal, se necessário. Na hora de servir, uma folha de hortelã na tigela onde vai ser derramada, fará ainda mais diferença no sabor.
A música é de uma banda que me é especial e que apresenta o primeiro álbum no sábado à noite, no Teatro Viriato, em Viseu. Estarei lá, feliz com/por eles. A ouvir esta e outras músicas. The Greyhound James' Band.
Caldo de grão com funcho e com noz-moscada
NB: A noz-moscada pode ser substituída por gengibre. A versão alternativa desta receita é com gengibre e fica igualmente maravilhosa. Nesse caso, basta acrescentar uma colher (de chá) de gengibre fresco, no momento da receita em que se acrescenta a noz-moscada.
1 cebola (picada) + 2 dentes de alho (picados) + 2 tomates maduros ou 6 colheres (de sopa) de tomate em lata + meia folha de louro (sem a nervura) + 1 pimento italiano (vermelho) + 4 fatias de funcho fresco + 1 courgette (pequena e cortada em cubos) + 1 cenoura (cortada em cubos) + 1 lata (das pequenas) de grão de bico + raspa de 1 noz-moscada + água, coentros, hortelã e sal q.b.
Leva-se ao lume uma panela com um fio de azeite e com os legumes cortados e picados. Acrescenta-se um pouco de sal e deixa-se refogar ligeiramente. Depois, um pouco de água, até cobrir os legumes. Junta-se depois o grão e mais água. Quando começar a ferver, reduz-se o lume e deixa-se estar durante 15 minutos. No fim, as raspas da noz-moscada, os coentros, as folhas de hortelã e mais sal, se necessário. Na hora de servir, uma folha de hortelã na tigela onde vai ser derramada, fará ainda mais diferença no sabor.
A música é de uma banda que me é especial e que apresenta o primeiro álbum no sábado à noite, no Teatro Viriato, em Viseu. Estarei lá, feliz com/por eles. A ouvir esta e outras músicas. The Greyhound James' Band.
O caldo tem um aspecto maravilhoso... Quanto aos objectos percebo-te tão bem Mar... agora fala-se tanto em desapego... Mas talvez seja desapego a mais... pelo menos para mim. Há objectos que me dizem muito, que contam histórias, que trazem afectos de quem os deu (ou comprou como no caso da avó), com todo o amor e carinho e isso é de valorizar.
ResponderEliminarCola o prato Mar, ele ainda vai ter uso e histórias para contar. :)
Beijinhos e um Bom fim de semana
É um daqueles caldos mágicos, este:) Um medicamento natural para nos protegermos das coisas más.
EliminarNisso dos objectos, o meu ponto é mesmo muito elementar. Não tenho "tralha". Não acumulo roupa que não uso. Não acumulo loiça que não uso. Não compro coisas para mitigar questões interiores. E dou um valor incalculável a objectos que (aparentemente) não valem nada.
E sim, vou colar esta cerâmica. Já tentei, no dia em que ela chegou partida. Mas comecei a ficar com os dedos colados e triste e impaciente tudo ao mesmo tempo. Achei melhor guardar para depois:)
Um beijo. Dias bons para ti!
Mar
Este post fez-me lembrar um texto teu, já muito antigo, sobre um copo partido. Sobre a beleza de um copo partido. Por isso, a história desta tua taça não acaba aqui, parece-me :) Bem bonita, por sinal.
ResponderEliminarEstou a ver que já há luzes por aí :) E muito trabalho de fim de período, imagino. Que estejas bem. Só falta mais um bocadinho e o descanso chega.
Continuação de um bom feriado.
Um beijo,
Ilídia
Lembro-me bem desse post. Bem anterior, sim. Como o tempo passa afinal, nisto dos blogs. E acho que não, que a história deste prato não vai ficar por aqui:)
EliminarImensas luzes, já. Encanto-me como as crianças, com as luzes. Aqui e lá fora, nas ruas iluminadas. O Vasco é de uma paciência extrema, quando lhe digo que temos mesmo de ir ver mais luzes não sei onde e que isso é muito importante:) Mas são tão bonitas. Especialmente em Lisboa.
Estou bem. Coisas boas (e dias bons) para ti. Um beijo.
Mar
"Curiosamente (ou não), não o fazem. Muito provavelmente, porque estarão demasiado ocupados a praticar o despojamento e a abdicação. Mas isso é mesmo só para alguns espíritos muito especiais."
ResponderEliminarResume tudo. Brilhante.
Sempre que nos mostras fragmentos da tua mesa de jantar ou dos teus cantinhos de leitura tenho sensação (certeza) que a tua casa é um lugar encantador, cheio de livros e objectos com muitas histórias dentro. delicados. deliciosamente delicados como tudo o que partilhas e representas.
um beijo, doce Mar.
Olá Mafalda,
EliminarDigamos que aqui em casa, o espaço primeiro é ocupado pelos livros. As outras coisas todas ocupam o espaço que sobra:) Têm sentido, sim. As outras coisas todas são importantes e contam histórias como os livros. Algumas narrativas anteriores. Outras a ser construídas. Como se fossem um texto que não arranja maneira de chegar ao fim. As nossas vidas são isso mesmo, não? Textos sem ponto final.
Delicada, tu. No teu sítio. Nestes lastros que deixas. Obrigada.
Um beijo, doce Mafalda.
Mar