Outro Novembro.


















Novembro é a celebração quieta do recolhimento sereno. Não um recolhimento fechado sobre si mesmo, em estado de hibernação. Não é assim que entendo. Creio que se trata de olharmos para dentro. De nos medirmos, num confronto interior. Sem factores de distracção. E, muito importante, sem pressas. Como se fosse um advento individual. Um caminho qualquer. Mas escolhido. E celebrado a cada momento. Ter tido o privilégio de viver mais um início de Novembro é assombroso. Pode parecer um raciocínio muito no abismo. Mas é disso de que estamos a falar, a propósito do passar de cada um dos dias imperceptíveis dos nossos calendários interiores e colectivos. Estar aqui. Ainda. Respirar. E caminhar. E fazermos cada uma das coisas que pensamos que não farão a mínima diferença no mundo maior em que nos movemos. 
Também por isso, é bom ir guardando as coisas imperceptíveis que acontecem. Nas árvores. Nas pedras quietas, que vão ganhando os verdes-musgo que nunca são iguais entre si. Não sei que magia têm, mas reparo sempre que nunca são iguais. E a nostalgia da mesa lá fora. Prestes a cobrir-se das folhas das mesmas árvores que filtram a luz nos meses quentes. A chuva e o vento desencadeiam um tempo diferente, nas coisas lá de fora. E cá dentro também. Nas casas que somos. Porque Novembro lembra que um outro tempo começa. Aquilo dos finais que têm sempre inícios dentro. Não é história nem mística. Os ritmos da Natureza lembram isso a cada momento. Que umas coisas têm necessariamente de terminar, para que outras possam começar. E há-de ser sempre assim. Quer estejamos. Quer não. 
A receita que deixo hoje é uma daquelas coisas desconcertantes, de simples. E a fazer lembrar que a comida é um domínio maravilhoso. Temos coisas isoladas, num primeiro olhar. Um ou dois processos depois, fazem sentidos quase mágicos. Andava há dias para deixar aqui, mas faltava-me reproduzir o processo até cumprir as três vezes que me parecem necessárias, até poder partilhar. É uma daquelas delícias que não admite delongas nem adiamentos. Por algum motivo só consegui guardar uma imagem do momento final da sequência:) Por ser mesmo urgente sentar-me à mesa e gozar bem a alegria deste quase-Inverno. Sabe bem naquela cadência morna, a fazer a ligação com uma salada que parece enunciar o espírito destes dias. E com um vinho tinto que seja assim do género de deixar lastro. Ainda não tinha provado o Monte do Zambujeiro 2012. Foi agora, nos dias primeiros de mais um Novembro. Fica também aqui, com o ar deste tempo. E mais um Novembro na edição castelhana da AD. Páginas inspiradoras de detalhes, de sítios, de pessoas, de mesas, de coisas aleatórias que fazem um sentido muito edição castelhana da AD. Há ali um ADN que não encontro em nenhuma das outras edições. 

A receita, agora.

Cebola vermelha caramelizada em vinho do Porto com chévre morno
NB: Deixo as quantidades ideais para uma entrada para 4 pessoas. 

1 cebola vermelha (grande) + 1 copo de vinho do Porto + 8 rodelas de chévre + azeite, flor de sal e pimenta preta q.b.

Corta-se a cebola em rodelas finas (costumo usar a mandolina) e leva-se ao lume numa sertã que idealmente possa ser levada ao forno e depois à mesa. Junta-se um fio de azeite e um pouco (mesmo pouco) de flor de sal. Um minuto (e umas voltas com a colher de pau) será o tempo suficiente para que a cebola esteja pronta para acolher metade do copo de vinho do Porto. Deixa-se evaporar, mexendo. Assim que sim, junta-se a outra parte de vinho do Porto e deixa-se evaporar, mas não totalmente. 
Retira-se do lume e coloca-se as rodelas de chévre, tendo o cuidado de lhes dar espaço entre si. Um pouco de pimenta preta e vai ao forno a 200ºC durante 10 minutos. Serve-se com broa de Avintes ou com estas tostas. E, se quisermos, com a salada de que o Outono gosta muito. Basta os verdes que entendermos, fatias finas de maçãs, romãs e nozes picadas grosseiramente. O tempero é muito essencial: flor de sal, azeite e vinagre de sidra. 

E El VY. Return to the moon. 



6 comentários:

  1. Olá, Mar.

    Que bonito o teu texto sobre um mês tão mal-amado. Também vejo beleza nos meses cinzentos. Se aproveitarmos o que nos dão, não têm de ser tristes. E estas imagens do teu novembro parecem-me tudo menos tristes.
    Quanto à receita, é daquelas de registar. Gosto de cebola e de chèvre, logo só posso gostar muito desta proposta. A fazer, num destes dias de outono/ inverno.

    Um beijo de bom fim de semana,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia,

      Obrigada por gostares. O mês de Novembro é mágico. E muito simbólico, desde os calendários mais ancestrais. Temos dentro tanto sol. Mesmo nos dias mais cinzentos de cada um dos nossos calendários.
      Acho que sim, gostando desses dois ingredientes, vais gostar desta comida. E sabes, muito rápida de fazer. É um dos meus recursos infalíveis, para entradas de almoços/jantares mais alargados. O engraçado é que as pessoas acham sempre que é uma coisa demorada e sofisticada. E não. Nada disso:)

      Um beijo grande!

      Mar

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  2. Boa noite, Mar.
    Este Novembro tem sido generoso nos dias de sol. São lindos os dias de sol de Outono, têm uma luminosidade intensa.
    O seu jardim deixa-se adivinhar lindo e misterioso em qualquer estação. E inspirador, como as suas palavras. Tão belas.
    A receita é para experimentar, num destes dias de Novembro.
    Continuação de um bom Novembro.
    Bjs
    Ana

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  3. Boa noite, Mar.
    Este Novembro tem sido generoso nos dias de sol. São lindos os dias de sol de Outono, têm uma luminosidade intensa.
    O seu jardim deixa-se adivinhar lindo e misterioso em qualquer estação. E inspirador, como as suas palavras. Tão belas.
    A receita é para experimentar, num destes dias de Novembro.
    Continuação de um bom Novembro.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Muito generosa, a Natureza neste Novembro. Uma outra parte da história, não. É só terrível e incompreensível e avassaladoramente triste.
      E sim, o jardim. Este ano quis ser disciplinada a guardar aqui fragmentos das estações a acontecerem ali fora. Não é por nada em especial. Só por isso de guardar.

      Dias bons para si, querida Ana. Obrigada.

      Um beijo.

      Mar

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  4. Que fotos tão bonitas! O Outono é uma estação que me encanta a cada olhar... tão bonito!

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