Numa casa, a ausência tem efeitos. Eu creio que as casas respiram, que têm uma orgânica muito particular. As janelas fechadas que precisam de ser abertas. O chão que precisa de ser pisado. As loiças que precisam de ser usadas. E depois das ausências, há sempre ali um espaço, uma espécie de limbo. Como se precisássemos de fazer um reconhecimento prévio, antes de voltarmos a tomar conta do espaço. É assim com as pessoas e com as suas ausências. É assim com as casas que esperam sempre pelos nossos regressos.
Eu não sei como é com as outras pessoas, mas sei como é que acontece comigo. E então, um regresso só é realmente um regresso, a partir do momento em que as janelas são abertas, em que a loiça é posta na mesa e sim, assim que se sente o aroma da comida. É aí que a casa sabe que cheguei. É aí que eu sei que cheguei a casa.
A cada regresso, a mesma cadência de movimentos. A casa vai respirando, à medida da reconstituição dos hábitos que ficaram em suspenso, a aguardar pelo regresso de quem lhe dá vida. Abre-se o armário da roupa de casa, tira-se a toalha que vai estar na mesa. Da estante, os pratos. Depois os talheres. As coisas voltam a acontecer como se não tivessem estado à espera. Como se a ausência nunca tivesse sido. É assim. É sempre assim.
A comida acaba sempre por ser consequência do que se vive. No meu caso, melhor acrescentar. As coisas que nos ficam na pele. Os lugares onde estivemos e que trazemos connosco. Da Catalunha, a memória muito vívida de um sabor muito simples e que é, desde há anos, uma das coisas de que mais gosto: batatas alioli. Gosto tanto, que podem até constituir uma refeição per si. Não foi o caso, na refeição das imagens. Fui fazendo outras coisas. Estava com tantas saudades de fazer comida, que acabei por me distrair. Queria era ver comida na mesa. Coisas ligeiras. O queijo Manchego a que me mantenho fiel e que só consigo encontrar aqui. Pimentos padrón salteados. Rebentos de bróculos muito frescos e muito verdes. Uma salada de grão ligeiramente mentolada. Estas salsichas frescas com aipo a pedido do meu filho. E as tais batatas alioli. O resto é simples: fatias generosas de pão, vinho tinto e deixar estar. Deixar o tempo passar.
O Verão pede essas e outras conjugações. O Verão aqui. Lá fora, também. O Verão ali no jardim é sempre celebrado com as flores muito frágeis da minha árvore preferida. Chama-se lagerstroemia indica ou árvore de Júpiter. E eu sei que o Verão só acontece realmente quando as flores pequeninas da árvore do pátio dos budas começam a acontecer.
Com a receita simples de uma das minhas tapas preferidas, o livro destes dias. Uma viagem interior. A lembrar que podemos percorrer mais caminho no perímetro condensado de um quarto do que na viagem transatlântica mais longínqua. De vez em quando é assim. Nem longe se encontra o que não existe perto. Entre muitas outras coisas, literatura desta lembra isso.
Batatas alioli
6 batatas (novas, médias e vermelhas) + 3 dentes de alho (picados e depois esmagados num almofariz) + maionese, flor de sal, pimenta preta e coentros q.b.
Coze-se as batatas durante dez minutos, a contar a partir do momento em que a água começa a ferver. A seguir, passa-se as batatas por água bem fria e corrente e reserva-se. Podemos usar maionese de frasco ou fazê-la. Nos dois casos, basta esmagar os alhos e juntá-los à maionese. Um pouco de flor de sal, pimenta preta e coentros picados. Envolve-se as batatas nesta maionese e serve-se frio.
Esta música dá vontade de ouvir muitas e muitas vezes e tem aquela leveza muito (de) Verão:)
Com a receita simples de uma das minhas tapas preferidas, o livro destes dias. Uma viagem interior. A lembrar que podemos percorrer mais caminho no perímetro condensado de um quarto do que na viagem transatlântica mais longínqua. De vez em quando é assim. Nem longe se encontra o que não existe perto. Entre muitas outras coisas, literatura desta lembra isso.
Batatas alioli
6 batatas (novas, médias e vermelhas) + 3 dentes de alho (picados e depois esmagados num almofariz) + maionese, flor de sal, pimenta preta e coentros q.b.
Coze-se as batatas durante dez minutos, a contar a partir do momento em que a água começa a ferver. A seguir, passa-se as batatas por água bem fria e corrente e reserva-se. Podemos usar maionese de frasco ou fazê-la. Nos dois casos, basta esmagar os alhos e juntá-los à maionese. Um pouco de flor de sal, pimenta preta e coentros picados. Envolve-se as batatas nesta maionese e serve-se frio.
Esta música dá vontade de ouvir muitas e muitas vezes e tem aquela leveza muito (de) Verão:)
Boa tarde, Mar.
ResponderEliminarÉ mesmo esse sentimento, que a Mar tão bem descreve, que se sente ao chegar a casa. Só se chega, realmente, a casa, ao nosso Lar, quando se sentem os aromas da nossa comida e nos sentamos à nossa mesa. Mas, também é verdade, que vimos cheias de ideias para experimentarmos os sabores que provamos nas nossas andanças. E estas batatas estão mesmo apetitosas.
Continuação de boa semana.
Bjs
Ana
Boa tarde, Mar.
ResponderEliminarÉ mesmo esse sentimento, que a Mar tão bem descreve, que se sente ao chegar a casa. Só se chega, realmente, a casa, ao nosso Lar, quando se sentem os aromas da nossa comida e nos sentamos à nossa mesa. Mas, também é verdade, que vimos cheias de ideias para experimentarmos os sabores que provamos nas nossas andanças. E estas batatas estão mesmo apetitosas.
Continuação de boa semana.
Bjs
Ana
Boa noite, Ana
EliminarNós e os nossos jogos entre o interior e o exterior. Mas sim, as casas são sentidas enquanto tal, quando respiram o que somos. No meu entendimento. Gosto sempre de acrescentar a prudência lúcida, que o mundo é demasiado diverso para se esgotar na maneira como o sentimos.
Gosto dos regressos. É isso. Do regressar quotidiano, ao final do dia. Dos outros todos.
Os sítios ficam em inevitavelmente em nós. Esta foi uma declinação pequena desse ficar. Umas batatas simples, de Verão.
Dias bons para si. Beijos.
Mar
Olá Mar,
ResponderEliminarFinalmente um bocadinho livre, depois de um dia muito difícil. Melhor assim, ficar por aqui um pouco faz-me sempre muito bem.
Também sinto o mesmo com os regressos, ando em "bicos de pés" quase como se a casa não fosse minha. A partir da primeira refeição, normaliza tudo.
Não dormir, não estar na sala, cozinhar e estar a apreciar a refeição.
Hoje fui à biblioteca buscar livros e encontrei este que refere no post. Trouxe-o logo.
Depois digo o que achei.
Fiquei curiosa com a salada de grão mentolada. Eu gosto muito de salada de grão com bacalhau.
Um beijo do Algarve, em véspera de fim de semana. Espero que o seu seja bom. Eu pretendo dar um saltinho à praia, para relaxar.
Sandra Martins
Olá Sandra,
EliminarFoi muito bom, o fim-de-semana. Espero que a sua praia também:)
As coisas são assim mesmo. Os nossos sítios precisam de nós. Curioso como uma casa se degrada rapidamente, se não for vivida. Ainda ontem me ocorreu isso, ao passar por um palácio aqui perto. As janelas partidas, os jardins por cuidar, as fontes sem água a cantar. Há beleza na decadência. Mas é uma beleza triste.
A salada de grão está a ser aprimorada:) Ainda não posso deixar a receita, para não fazer asneira. E sim, também faço a versão com bacalhau. A das imagens era com atum. Estava bem, mas ainda não está no ponto.
Espero que goste do livro. É uma daquelas viagens.
Um beijo de boa semana para si.
Mar
À frequência com que gosto de vir a este lugar, só gostava que a Mar pudesse escrever mais vezes... Para mim, vai muito para além da comida aqui, é a calma, os textos, o bom gosto... Não sei, quase que consigo ouvi-la a contar estas histórias. Adoro!
ResponderEliminarOlá Sara,
EliminarBem lindo, chegar ao final do dia e encontrar palavras destas. Obrigada. É muito grato ser lida com esse respirar. Gostava de escrever mais vezes. Gostava muito de escrever muito. É isso.
Obrigada outra vez. Dias lindos para ti!
Mar