Tempo e tempero.















Esta é uma daquelas coisas que eu já devia ter deixado aqui há muito. Creio que não o fiz por ter partido do princípio que seria o género de comida consolidada, na lógica das receitas de família ou das nossas mães. Mas na altura prévia à Páscoa, essa minha intuição foi contrariada, dados os emails que recebi a esse propósito. Por isso, depois dessa partilha em circuito fechado, fica aqui a minha versão de cabrito assado. Mesmo que neste género de comida não se coloque muito essa questão de minha ou de tua ou de seja o que for que tenha ressonâncias de possessivo. Trata-se quase de património colectivo.
Começando pelo início de tudo, cabrito assado foi sempre o tipo de comida que estava só por conta da minha mãe. Eu até podia ajudar na parte de formiguinha de descascar batatas e cebolas, mas o resto era dela e pronto. Entretanto, passei a estar por minha conta, nesse e em outros departamentos e acabei por ir fazendo o meu caminho. Engraçado como pensamos que sabemos fazer uma coisa, até termos de a fazer sem rede. Ainda me lembro das primeiras vezes em que fiz cabrito assado aqui em casa e dos telefonemas para a minha mãe, a fazer perguntas tão elementares quanto redundantes. Mas o tempo (e um ou outro erro) trazem uma serenidade que não se consegue de outra maneira. Por mais difícil que até possa ser, em algumas circunstâncias. O que não é o caso desta receita, que só quer tempo e tempero. 
Com isto, a mesa em que aconteceu, com flores que fui buscar aos campos aqui à volta. As flores são todas tão bonitas. Não precisam de ser só de jardins nem de lojas. E estas são tão do género de estar ao alcance. Do nosso olhar e das nossas mãos. Ficaram bem, perto das velas, do vinho e desta comida que fica hoje. 

Cabrito assado
NB: Nesta comida, há três variáveis a ter em conta: a qualidade da carne, o tempero e o tempo. Por isso mesmo, publico esta receita agora, que é a altura em que a carne é melhor. No caso de comprarmos um cabrito inteiro, a referência (máxima) de peso deve ser de seis quilos, para que a carne seja como deve ser: tenra. No talho, peço para que as pernas e as mãos sejam mantidas inteiras, porque ficam infinitamente melhor. As outras partes, peço para que sejam partidas em pedaços relativamente pequenos. A parte da antecipação é decisiva e o tempero deve ser, idealmente, de um dia para o outro. Se não der, pelo menos quatro horas antes de ir ao forno. E aí, há dois momentos fundamentais, para que tudo corra bem: meia hora em fogo forte (210ºc) e duas horas em fogo brando (170ºc). Esta receita é com metade de um cabrito, que é a quantidade que eu encomendo para os dias normais. Para os dias em que há mais de dez pessoas à minha mesa, encomendo um inteiro. 

Metade de um cabrito (uma peça de + ou - três quilos) + 10 dentes de alho (esmagados e com um pouco da casca) + 2 folhas de louro (sem a nervura do meio) + 1 litro de vinho branco + sumo de 1 laranja + 1 malagueta vermelha + 10 cebolinhas para assar + 1 copo de água + sal, azeite e Maizena Express q.b. 

Primeiro, lava-se bem cada uma das peças de carne, pelo óbvio e também para eliminar fragmentos de ossos. Coloca-se numa assadeira e tempera-se com sal, vinho branco e sumo de laranja. A seguir, os alhos esmagados, o louro, a malagueta picada e as cebolinhas. Por último, um fio generoso de azeite. Com as mãos, mistura-se tudo, para que o tempero seja distribuído por inteiro. Cobre-se com um pano e reserva-se durante o tempo que pudermos. Antes de ir ao forno, junta-se o copo de água. 
Quando for a altura de levar ao forno, a tal sequência de que falei na nota prévia à receita, com o acrescento de hidratarmos a carne com os sucos da assadeira, pelo menos três vezes, ao longo das duas horas e meia de forno. Este procedimento é a garantia de que a carne estará daquela maneira irresistível, em que se solta do osso suavemente. Se quisermos assar batatas juntamente com a carne, não devem ser demasiado pequenas, para não ficarem feitas puré, o que seria uma lástima. 
Pouco antes de servir, filtro os sucos da assadeira para uma caçarola e levo ao lume com um pouco de Maizena Express, para que o molho fique um bocadinho aveludado. Nesta altura, rectifico os temperos e cubro depois a carne, para ir ao forno mais uns minutos, a acabar de apurar.  

E a cadência deliciosa desta música. Há ritmos assim. 


7 comentários:

  1. Bom dia, Mar.
    Imagens lindas e sedutoras, até para mim que não como cabrito. Também não o cozinho, deixo essa tarefa nas mão do meu marido. Cá em casa, é assado em forno de lenha.
    Continuação de boa semana.
    Bjs
    Ana

    ResponderEliminar
  2. Bom dia, Mar.
    Imagens lindas e sedutoras, até para mim que não como cabrito. Também não o cozinho, deixo essa tarefa nas mão do meu marido. Cá em casa, é assado em forno de lenha.
    Continuação de boa semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, Ana.

      Eu não gostava assim muito. Foi mais uma das coisas que procurei aprender a fazer porque o meu marido gosta tanto. Em casa da minha mãe, comia porque tinha de ser e não havia conversa:) E sim, infinitamente melhor feito em forno de lenha. É assim que a minha mãe o faz e é diferente só por isso.
      E obrigada. Sempre.

      Beijos para si. Boa semana.

      Mar

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  3. Que linda esta mesa! Tu e a forma mestra de misturar coisas ;). Sabes que não gosto desta carne, mas mas o Zé é o Diogo adoram. Por isso vou guardar estas dicas de bom tempero e tempo. Parece-me mesmo bem!
    Babette

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    1. Olá Babette,

      Obrigada. Uma mesa com coisas misturadas. Já sabes como é o meu espírito aleatório, neste e em outros aspectos. Parece-me que tens aí em casa duas boas razões para fazeres cabrito assado:)

      Um beijo.

      Mar

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  4. Olá Mar,

    Fico sempre surpreendida com a sua imaginação e capacidade de misturar artigos, resultando em mesas lindas e sempre, sempre acolhedoras!

    Concordo totalmente consigo no que toca às flores. Também gosto muito de flores campestres.

    Acho que se consegue sentir a liberdade.

    Esta comida que apresenta é, mais uma vez, "comida de mãe". Acho que nunca provei cabrito, só borrego.

    E sim, acho que é comida de paciência, que precisa do tal tempo e tempero.

    Que bom! Fechei os olhos e imaginei esse assado, degustado nessa mesa tão iluminada e acolhedora.

    Um beijo do Algarve, quase no fim da semana (esta é mais curta!)

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Muita generosidade sua. Obrigada. Especialmente por isso de serem mesas acolhedoras. Nascem sempre dessa vontade. Todos os dias. Tal como as flores. Coisa de todos os dias. Têm aquela sentença, as flores. Vivem pouco. Especialmente estas, as mais livres de todas. Mas enquanto estão, são tão bonitas.
      Foi um bom jantar, sim. Sem perturbações exteriores de nenhuma espécie. Na sexta-feira. O dia preferido do meu filho. Se o jantar é sempre uma circunstância sagrada, à sexta-feira ainda o é mais.

      Um beijo para si.

      Mar

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