Penso frequentemente nos sentidos dos gestos. Principalmente nos que parecem ser muito pequenos. Quase detalhes, que são. O que é que nos leva a arrumar vezes sem conta as mesmas almofadas dos mesmos sofás. O que é que nos determina a arrumar estantes. Armários. Gavetas. A limpar aquilo que vai ficar sujo daí a nada. Coisas assim. Haverá muitas motivações. Para além das imediatas, óbvio. A verdade é que não acho nada que sejam só gestos de manutenção. Seria o mesmo que pensar que a comida é um mero combustível. Ou que não interessa para nada se nos sentamos a uma mesa que foi prepararada para isso. E para nós. Um ponto de partida, este.
Passei um tempo muito prolongado concentrada a polir pratas. Sem que isso tivesse decorrido de muita antecipação. Nunca tinha acontecido ser eu a fazer isto. Achava que não teria o jeito que é necessário. Que devia ser mais complicado do que é. Ou simplesmente por ser adquirido que não era eu. Coisas que vamos concebendo a propósito do que não fazemos. Do que adiamos fazer. O ponto é que me fez um bem que não é de quantificar ou de medir. Por mais que dessa tarefa tenha havido resultados bem evidentes. Uma das coisas boas de nos entregarmos a coisas assim. Num momento qualquer, o princípio é uma gaveta desarrumada. Uma estante que não parece fazer sentido, de caótica. Quando chegamos ao fim, é como se algo dentro fosse restabelecido.
Tomamos decisões pequeninas. Escolhemos ou não abdicar de umas coisas. Conservamos outras. Umas ficam mais ao alcance dos nossos olhares imediatos. Outras queremos que fiquem lá longe. Que não são para ser lembradas ou olhadas. Fazer coisas sobre o que há. Agir sobre o que existe previamente. E saber que dos nossos gestos que querem agir podem acontecer coisas boas. Como estas. As pratas estavam baças. A beleza delas parecia difusa. E eu nem dava conta que estava a acontecer. E então, na tarde de Domingo, o mais importante foi a restituição. O importante foi isso. Quando chegou ao fim, a pacificação. Eram brilhantes outra vez. E deixei ficar algumas. Para que brilhassem à mesa de Domingo à noite. Um bocadinho de ervas do jardim. Um bocadinho de água dentro de um açucareiro. E estava, o centro da mesa para um jantar que nunca tinha sido. Que não pode ser nunca mais. São irrepetíveis, as nossas circunstâncias. Esta foi para restabelecer. Foi disso que se tratou.
Estava a ler o teu texto e a pensar se algum dia conseguirei passar horas concentrada numa tarefa como a de polir pratas e dizer que isso me fez bem :) Gostaria muito. Seria sinal de que me teria tornado mais paciente. Há pouco tempo, tentei polir uma peça (não tenho muitas :). Mas não tive paciência para os tais pormenores de que falas. Desisti. Felizmente, tive quem o fizesse por mim :)
ResponderEliminarFicaram lindas, as tuas pratas luzidias. Abrilhantaram bem a tua mesa de domingo. E o feto, tal como a avenca, lembra-me a minha avó. São plantas que associo a ela.
Um beijo da tua amiga pouco paciente :)
Ilídia
P.S.: Uma boa notícia: fiquei colocada na tal escola, mais perto de casa :))))
Restabelecer devolvendo-lhes a dignidade. Usar o que era dos que já não estão cá, dando-lhes vida e significado. E a certeza de que essa, afinal, era uma tarefa possível. A tal hermenêutica é que parecia crer que não. Uma mesa linda, a do teu domingo à noite. Cheia de paz. A sensação de (muitos) dever(es) cumpridos.
ResponderEliminarUm beijo
Babette
Olá minha Ilídia:
ResponderEliminarA começar pelo fim: parabéns! Vai significar coisas boas, vais ver. E mais perto de casa, essas coisas boas a haver.
Claro que sim. Mesmo que sejas assim frenética e imparável:) A verdade é que soube mesmo bem. Estive quietinha (o que não é nada habitual em mim). Bastou usar umas luvas e estar ali. A fazer coisas brilhantes com o meu tempo de vida:)
Depois disso, trazê-las para a mesa pareceu-me inevitável. Com os fetos que crescem num lugar escuro e fresco do jardim. Os tais que te fazem lembrar a tua avó. Lindo, vês? Ainda bem que tirei fotografias e deixei aqui. Fizeram com que pensasses na tua avó.
Um beijo para a minha amiga impaciente:)
Mar
Olá minha linda:
ResponderEliminarAcho que terá sido esse o ponto. Dever cumprido. A minha sogra ficou feliz, ao ver as peças a brilhar. E nunca era eu a fazer. Era sempre a Dª Maria do Carmo. Mas ela disse que nunca tinham ficado tão bonitas:)
Sempre lhes dei uso, mas apeteceu-me mais, depois de as ver assim. Tanto, que foram logo protagonistas da mesa de Domingo à noite. E sim. Com muita paz. Com essa sensação que disseste.
Um beijo para ti.
Mar
Olá Mar,
ResponderEliminarNão me canso de dizer o quanto as suas mesas são lindas! E esta em particular com as pratas brilhante e uns preciosos pratos azuis. E é tão bom usar os objectos que nos foram deixados. Faz com que estejam mais presentes aqueles que já não estão.
A sua mesa de Pascoa também estava muito linda, apesar de não ter os tais lilases que viu e desejou para a sua mesa.
Um beijo com carinho.
Íris
E eu cheguei mesmo no fim, mesmo no novo início das pratas, e brilhavam os cantos da tua casa, onde estava pousada uma taça, um tabuleiro, uma salva. E brilhavas tu também com o teu feito! E se do tempo que se dedica a uma tarefa destas nos restabelecemos também, então ganhamos esse tempo. Acho que explicaste muito bem. Belos: texto e mesa de jantar !
ResponderEliminarUm beijinho
da Pipinha
Olá Íris:
ResponderEliminarE eu não me canso de lhe agradecer a generosidade. Dá-me muito gosto isto das mesas. E ainda mais o que depois acontece. Por todas serem vividas. Muito verdadeira, essa ideia. As pessoas parece que voltam um bocadinho, quando usamos objectos que lhes pertenceram. Não concebo lugar melhor para esse regresso do que uma mesa.
E não. A mesa da Páscoa acabou por não ter lilases. A minha gatinha estava a ter bebés. Não tive tempo de ir em busca de lilases:) Hão-de acontecer, que eu sei.
Um beijo.
Mar
Quase que me apanhavas com as luvas todas cinzentas:) Mas não. Já tinha estado nas minhas coisas de restabelecer coisas. Soube bem ver o resultado. Tinham mesmo de estar à mesa, logo depois. E algumas nos cantos da casa. Dei-me conta de que tinham ficado peças esquecidas. Estás a imaginar o que aconteceu à noite, não estás? Mais luvas cinzentas. E mais brilhos:)
ResponderEliminarObrigada. Um beijo.
Mar
PS: Fez-me tão bem ver o teu post das coisas pequenas. Acho que já o disse. Mas apetece dizer mais:)
Por detrás de todos os gestos de manutenção existem intenções e esta sua, de enaltecer o antigo em jantar de família, foi muito nobre. Até as pratas ficaram radiantes e reluzentes de felicidade por terem sido colocadas em local de destaque. Sentiram-se úteis, portanto.
ResponderEliminarUm abraço de quem gosta de a ler, e muito.
Patrícia (foodwithameaning)
Que linda está a sua mesa e especial porque tem objectos que lhe são queridos, aos quais dedicou a sua atenção e trabalho para que brilhassem!
ResponderEliminarPor vezes quando restabelecemos alguma coisa estamos a restabelecermo-nos a nós próprios!
Gostei muito do texto e da mesa.
Um beijo,
Graça
Olá Patrícia:
ResponderEliminarSoube bem, esse abraço:) E sim, se calhar ficaram mesmo radiantes, as peças de pessoas que já não estão. Por isso é que brilharam tanto.
Um bom fim-de-semana. E é recíproco, isso de ler:)
Mar
Olá Graça:
ResponderEliminarA leitura subliminar até será mesmo essa. A de nos restabelecermos por via de gestos. De objectos. E sabe, sim. senti assim, naquele dia. Que a tarefa também era interior.
Obrigada. Gosto que goste das minhas mesas.
Um beijo com carinho. A ver se chega aos Açores:)
Mar
Querida Mar,
ResponderEliminarSão gestos que também me dizem bastante. Um destes dias vou passar à prática. Estou numa cruzada de libertação de uma mesa de sala de jantar, ocupada há vários meses com livros. Quando tudo tiver regressado aos sítios habituais também vai chegar o momento de calçar as luvas para dar o brilho a alguns objectos.
Um beijo
Fa
Olá minha Fa:
ResponderEliminarBom lê-la outra vez:) E saber que a sua mesa cheia de livros está como me falou há uns tempos. Lembro-me de ter gostado muito dessa imagem. Uma mesa grande de sala de jantar cheia de livros. Quando acontecer a vontade, há-de restabelecer a ordem. Se não acontecer, é porque a ordem deve ser essa. Aparentemente caótica.
Um beijo para si. E saudades.
Mar