Nunca se sabe.



Nunca se sabe. De manhã. A manhã nunca nos traz tudo o que vem a seguir. Há alguns dias que podemos antecipar como sendo possibilidades. De beleza, de encantamento, de carinho. Mas nem mesmo esses podem ser suficientemente previstos. Bom assim. Perderiam tudo à partida. Porque de manhã, não sabia que iria receber um ramo fresco de ervas aromáticas. Hortelã-pimenta. Tomilho. Salsa. Alecrim. E cebolinho. O cebolinho que quisesse. Afecto em tons de verde. De quem sabe que me faz bem com presentes verdes. Mesmo a pedir integração, o meu presente de final de dia. O protagonismo estava reservado para lombinhos de porco preto com laranja. Estava. Porque a massa acabou por ter uma espécie de papel central. Apesar da leveza. Mas esteve à altura, com cebolinho, salsa e tomilho. Um pedaço do ramo de ervas aromáticas que me fez feliz. Mesmo a tempo de uma marca indelével, o presente verde. E de manhã, não sabia que seria dia de AD. Havia a possibilidade. Como todas as possibilidades, era incerta. Mas sim. Aqui. À espera de ser lida. Olhada. Com o silêncio que só há à noite.
Acho que agora é para deixar a receita:
Dos lombinhos, primeiro.

2 lombinhos de porco (não tem necessariamente que ser de porco preto) + sumo de uma laranja + sal + pimentão-doce + azeite + vinho branco + pimenta preta e rosa moída na hora.
Deixa-se a carne a marinar durante uns minutos nos temperos (quanto mais tempo estiver, melhor). Leva-se ao lume num tacho fechado durante trinta minutos. Decorrido este tempo, fatia-se os lombinhos e fritam-se ligeiramente em azeite numa frigideira. Depois de se virar a primeira vez, adiciona-se o molho que ficou no tacho onde foram cozinhados até terminar. E pronto. Ficam prontos:)
Da massa, depois.
Massa pappardelle + sal + azeite + um dente de alho esmagado + cebolinho, tomilho e salsa picados + água q.b.
Coze-se a massa em água com sal e um fio de azeite durante cerca de 10 minutos. Retira-se para um passador de rede e passa-se por água fria e abundante. Numa frigideira, um dente de alho esmagado em azeite. Junta-se a massa depois de escorrida e as ervas aromáticas, pouco antes de se retirar do lume. E serve-se.

A música que esteve, enquanto o presente verde se transformou em jantar. A banda sonora de um filme em que todas as personagens se vestiam de verde. Baseado num livro de Charles Dickens. Great Expectations. A música que é o meu mar de Lagos. O mar todo de Lagos. Aqui guardado. Também não sabia isto, de manhã. Que hoje iria lembrar-me das águas do sul. Um bocadinho de mar.

8 comentários:

  1. Cheias de verdade as tuas palavras, coisas que nos trazem o verão.
    Bom não sabermos o que o resto do dia nos vai trazer. Nas de sexta, sei só que o dia me levará a casa.
    Belo fim de dia, com a massa e a música do teu jantar. Nossa para sempre, em verde great expectations!

    Beijinhos, de até logo,
    da Pipinha

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  2. Um dia pode trazer tantas coisas... O meu está a ser cheio, mas bom ;)
    Gostei dos instantes que marcaram o teu dia. E foi bom ouvir ontem da tua voz que sim, que mais uma AD vinha a caminho...
    Um bom fim-de-semana
    Babette

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  3. Minha querida Mar,
    também tenho andado longe dos computadores. Mergulhada em testes. E reuniões demoradas. Foi bom ler o seu comentário. Saber que contribuí para tornar o seu dia mais feliz.Os seus posts também me deixam sempre mais feliz.Também gosto de verde. E de presentes verdes. Um ramo de cheiros, como esse que recebeu, faz-me feliz. Hoje, esta cor também já me trouxe felicidade. Ver que finalmente posso cozinhar com as couves da minha horta. Plantadas pelo meu pai, carinhosamente. Vou fazer qualquer coisa com elas para o jantar.
    Lembro-me de ter visto "Great Expectations", há muitos anos. Já não me lembro da banda sonora. Achei curioso que referisse uma banda sonora, pois também ouço muito. É frequente ver um filme e ter que adquirir logo a banda sonora. Algumas ficam esquecidas durante algum tempo e depois regresso a elas. As de "O fabuloso destino de Amélie", "O carteiro de Pablo Neruda", "A vida é bela", "Shakespeare in love" (também com a Gwyneth Paltrow), "Habla con ella" e "De-lovely" nunca ficam muito tempo sem ser tocadas. Esta última pertence a um dos melhores musicais que vi nos últimos anos, sobre a vida de Cole Porter. Infelizmente, passou quase despercebido (pelo menos em Portugal) e pouca gente conhece. Gosto de histórias de amor. E comovo-me com amantes que se despedem, já velhotes, depois de uma longa vida em comum. É o que acontece neste filme. Já o vi várias vezes e choro sempre como se fosse a primeira. Um beijo

    P.S.: Já deve ter reparado que falo muito. Pelos cotovelos. Quase me esquecia de mencionar o quão delicioso me parece o jantar.

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  4. Olá Pipinha que afinal é Catarina:)

    Desculpa ter-te baptizado de Pipinha há anos:) Acabou por ficar, o nome que eu achei engraçado na altura.
    Eu sei que sim, que a sexta-feira é um dos dias que podes antecipar como bom. Nem que até corra mal. Mas tem regresso a casa. Está quase, minha linda. O tempo passa rápido, afinal. E, sem darmos conta, vamos estar nos meses de dias longos. Com o mar. E areia. Ou não. Com cidades exóticas que cheiram a especiarias:)
    A música que há-de ser sempre nossa. Dos dezassete anos. A festa em Julho, no meu aniversário. Tu de biquini laranja e botas de borracha, a apanhar legumes super-saudáveis, na quinta da nossa Joana:) Sabes que nunca me esqueci dessa imagem? Uma imagem com a música dos Pulp. Like a friend.

    Até logo! Que já deves estar a caminho.

    Um beijo de até logo.

    Da tua Mar.

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  5. Eu sei que sim, minha amiga doce. Que o teu dia começou cedo a ser cheio e bom. É só o primeiro dia do resto da tua vida. Bom pensar assim. Todos os dias. Haver qualquer coisa de primeiro dia todos os dias. Foram mesmo instantes. Preciosos, como na publicidade do perfume:)

    Um beijo de bom fim-de-semana! Com a AD para ler.

    Mar

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  6. Olá Ilídia:

    Pode acreditar que sim. Que é muito bom lê-la aí longe. Os meus dias têm sido assim como os seus. Cheios, longos, sem respirar. Mas saber que algures nesses dias preenchidos há possibilidades. Como esta verde e aromática, que alterou os meus planos para o jantar:) E as palavras. As que vão sendo aqui deixadas. E as outras todas, nos lugares virtuais feitos de realidades de que vou gostando mais e mais.
    As bandas sonoras de filmes são uma das maneiras que encontro de reviver (ou reinventar) as coisas que senti. Músicas com narrativas de outros, primeiro. E depois as minhas próprias narrativas associadas. Aos momentos de fazer comida, muito especialmente. Como esta banda sonora. Que foi uma das bandas sonoras do Verão passado.
    Espero que o seu jantar seja um prolongamento do carinho com que falou desse pedaço de verde que foi plantado pelo seu pai. E que haja música. E muitas coisas boas. Para fechar a semana. Mais uma semana.
    Não vi o filme que a comoveu. Mas vou procurar ver. Um bom projecto, esse.
    E é bom ser tagarela:) Espero ter sido tanto como a Ilídia.

    Um bom fim-de-semana para si e para o seu pequenino que gosta de Maria Callas:)

    Mar

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  7. Querida Mar,

    o que me prendeu neste post, mais do que tudo, foi uma palavra que é um refúgio. Lagos. A Meia Praia da "minha" Sophia. E a casa dos meus Verões ali tão perto da dela. E eu a sentir-me tão pequenina de pensar nisso. Tão pequena perante uma mulher tão inteira, tão Grande, como ela. Uma mulher-poema que é o mundo inteiro em cada palavra.
    Por isso, para si, hoje, em jeito de mimo :), a "minha" Sophia, bela em cada palavra, como só ela soube ser... Para juntar ao afecto em tom de verde... :)

    Um dia

    Um dia, gastos, voltaremos
    A viver livres como os animais
    E mesmo tão cansados floriremos
    Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

    O vento levará os mil cansaços
    Dos gestos agitados irreais
    E há-de voltar aos nosso membros lassos
    A leve rapidez dos animais.

    Só então poderemos caminhar
    Através do mistério que se embala
    No verde dos pinhais na voz do mar
    E em nós germinará a sua fala.

    Sophia de Mello Breyner

    Um beijo com toda a ternura,
    Mafalda

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  8. A minha Mafalda. A deixar palavras de uma mulher que para mim também é Lagos. Sabe que nunca fui ao mercado sem a lembrar? Que nunca olho o mar, seja onde for, sem evocar um fragmento dela. Chama-se Inscrição, o fragmento. "Quando eu morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar."
    Quero que seja assim, também. Que todos os instantes longe do mar possam ser meus. Quando deixar de estar aqui. Quando deixar de ser Mar.
    Lagos significa muito. Verões feitos de noites com um vento que só há ali. Que nos desperta. A água a cantar com o vento. Ou a dançar. Se fechar os olhos, estou ali outra vez. Na casa de Lagos. Em frente ao mar. Num jardim com pinheiros mansos e buganvílias de cores que não consigo dizer. Sair de casa muito cedo. Antes de a casa acordar. E vir dizer bom dia ao mar. Sozinha num areal que não acabava. Uma parte de mim está ali. Há-de estar ali. Em frente ao mar.
    Obrigada. Com todo o afecto. De todas as cores, o meu afecto. Por Lagos. Pela poesia da mulher de Lagos. Por si e pela lembrança que partilhou.

    Um beijo também. Com muita ternura. Porque partilhamos Lagos na memória afectiva.

    Mar

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