Uma espécie de segredo.




Gosto de sítios assim. Uma daquelas coisas de não se adivinhar por fora o que está dentro. Vê-se a palavra chá numa das janelas. A bastar por si, quase. E entra-se por isso. Pela possibilidade de chá. Lá dentro, madeira por todo o lado. Toalhas de linho em tons rosa quase a desmaiar para o branco. Loiça branca e azul, a fazer pensar no campo inglês. Luzes nos lugares certos. E nas mesas, em candeeiros que se ligam para o ritual do chá. Estes são pormenores. Coisas que tento acrescentar às imagens. Pequenos detalhes em que vou reparando e que me acrescentam. Sair de casa também significa isso. Deixarmos que nos sejam acrescentadas coisas que estão lá fora. E a sensação de que, se fechasse os olhos ao que estava lá fora, estava no país onde chove muito. E onde a palavra conservador adquire significados bons, já que em leituras apressadas, significa coisas não muito boas.
Neste lugar, num dos centros do Porto, a palavra que evoca o bom de conservar coisas, diz que sim. Que os anos podem passar. E já lá vão alguns. Que aqui continua tudo no ponto em que o deixámos. Continua tudo bom. Os pãezinhos mornos com fiambre. Os bolos caseiros. Os sumos naturais de fruta acabados de fazer. Os chás raros e perfumados. O acolhimento. Tudo permanece indiferente ao passar dos dias que às vezes passam demasiado rápido. E que ocasionalmente levam coisas boas consigo. Coisas que deviam permanecer tal qual as deixámos no dia anterior.
Só para dizer que soube bem, esta paragem. Soube a todas as outras pausas anteriores. Voltar aos nossos lugares. Uma das coisas boas de ir. Voltar aos sítios que nos reconhecem e acolhem. E que dizem que está tudo bem. Enquanto houver chá. E tartes de morangos. E pãezinhos mornos. Uma espécie de segredo, por estar tão bem camuflado, na zona frenética do Aviz, no Porto. Só por isso. Porque se tem a sensação de este ser um sítio onde muitos vão. Assim como eu. Há muitos anos. Ao Chá Clube.
E ao olhar lá para fora, tinha começado a chover. Assim sem mais. Como no país que estava ali dentro. Numa chávena de chá branco.

10 comentários:

  1. Claro que este era um dos sítios que eu achava que combinava contigo. Já me tinha perguntado se o conhecerias... Pois claro que sim!
    E eu gosto da antítese do cliché. De voltar aos sítios onde se é feliz...
    Um beijo de boa semana.
    A pensar nas coisas boas de Junho!...
    Babette

    ResponderEliminar
  2. Cara Mar, desde pequenina que vou a esse sitio. Quando era pequena o espaço tinha pesadas cortinas de veludo vermelho. Então quando a minha tia (espécie de avó) me perguntava onde queria respondiamos "vamos às cortinhas vermelhos". Só quando cresci me apercebi que não se chamava assim. Lembro-me do leite com chocolate quente e uns sconnes de morrer. Ao ver o blog lembrei-me e deu-me muitas saudades de tempos mais fáceis. Muito obrigada Inês :)

    ResponderEliminar
  3. Conheço sim. Há anos. Um lugar de pausa, nas idas à tua cidade. No Verão, no Inverno. Tanto faz. Sempre bom. E também gosto dessa antítese. Embora perceba o fundo da outra ideia. A de não voltar aos lugares onde se foi feliz. A este sim. Uma e outra vez.
    Pensar então nas coisas boas de Junho:)Uma boa maneira de terminar Maio.

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar
  4. Olá Inês:

    Fiquei tão feliz pela evocação da sua infância. A partir de um texto sobre um lugar de que ambas gostamos muito. Para si, é o lugar das cortinas vermelhas de veludo. Scones e chocolate quente. Para mim, é chá branco. Pãezinhos mornos e tartes de morangos. Tão bom que um lugar possa significar tantas coisas. Coisas que têm cheiro e sabor. E cor.
    E sim, o outro lugar de que falou, o da infância, é sempre um lugar mais fácil. Nessa altura, parece mentira que haja coisas más. Que nos surjam coisas más. Por isso é que é tão fundamental o exercício de memória. Ir lá atrás, em busca de coisas que nos confortem.
    Grata pelo seu comentário afectuoso.

    Um beijo da Mar

    ResponderEliminar
  5. Mar, ontem estive a ver posts seus antigos. Do tempo em que eu ainda não vinha cá. Gostei tanto. De tantos. Identifiquei-me com muitos dos seus rituais. O gosto de cozinhar a ouvir música. A mesa cuidada, mesmo no dia-a-dia. Músicas. Uma referência a Maria Callas, que me fez lembrar o meu filho, no carro, quando tinha menos de dois anos, a ouvi-la e a dizer "Música 'nita" (fiquei tão feliz por ele apreciar).Pedro Paixão. O primeiro livro que li dele foi Viver todos os dias cansa (título delicioso). João Aguiar. Como eu gostei de A Voz dos Deuses. E de Navegador Solitário. E de Uma Deusa na Bruma. Outro gosto em comum: risottos. Gosto imenso. De comer e de fazer. Há dias escrevi um post sobre um risotto, que fiz numa sexta-feira, e que me ajudou a relaxar.
    Em relação ao post de hoje (ontem), só posso dizer que fiquei com vontade de ir a este sítio,"conservador no bom sentido" (gostei tanto desta expressão), quando for ao Porto.
    É um prazer lê-la. Um beijo dos Açores.

    ResponderEliminar
  6. Que engraçado. Ao ler o comentário da Ilídia, reparei que fala em João Aguiar. Não me lembro de ter visto essa referência aqui no blog da Mar, quando também eu de forma compulsiva andava a reler posts antigos. "A Voz dos Deuses" é um dos livros da minha vida. Mais afinidades! Com a Ilídia também...
    Um beijo às duas
    Babette

    ResponderEliminar
  7. Olá Ilídia:

    Já vi que sim. Que apesar do mar entre, há muitas coisas boas a aproximar-nos. A música é indissociável da minha comida. Ou de todas as outras dimensões da minha vida. Significa sempre coisas, a música. A voz da diva de que o seu filho gostou, é a minha gravidez. Os finais de dia em que dava a ouvir Casta Diva ao meu pequenino.
    Fico feliz interiormente pela referência que fez ao Pedro Paixão. O meu escritor. De há muito. E ao João Aguiar. Que morreu o ano passado. A referência aqui terá sido a esse propósito.
    A minha comida preferida. Risotto. Pelo ritual de carinho que implica. Uma comida mimada, não é? Daquelas que solicita atenção constante.
    Quando atravessar o mar, diga:)

    Um beijo com ternura para a minha blogger dos Açores:)

    Mar

    ResponderEliminar
  8. Olá minha Babette:

    O João Aguiar era primo do meu marido. Ficamos felizes por um dos livros dele ter sido um dos que te marcou. Na altura, fiz uma referência velada.
    Tão bonitas, estas convergências. E agora com a Ilídia que vive numa ilha muito verde. Rodeada de azul. Fico feliz.

    Um beijo para ti. Já ao final de um dia impossível, de tão cheio.

    Mar

    ResponderEliminar
  9. Olá, Mar.
    Ao ler sobre o carinho com que faz o seu risotto, quase que me sinto envergonhada por, ultimamente, aldrabar muito o ritual, com a Bimby. Claro que, às vezes, ainda me apetece mexer, pacientemente. Nesses dias, ponho a Bimby de lado. Nos outros, em que me apetece risotto e tenho pressa, o pragmatismo fala mais alto.
    Imagino que tenha sido um prazer conviver com João Aguiar. Sim, foi o seu post sobre a morte dele que li.
    Hoje, antes de vir aqui, e de ler a sua resposta ao meu comentário, publiquei um texto de memórias sobre a minha gravidez. Curioso ter encontrado aqui uma memória sobre a sua.
    Este verão, devo atravessar o mar. No final de julho ou princípio de agosto. Ainda não sei o destino certo, mas com uma passagem certa pelo Porto, de onde o meu marido é natural.
    E agora adeus, que vou corrigir testes. Mas foi bom vir aqui novamente. A Babette já me visitou. Gosto tanto destas afinidades virtuais. Um beijo grande.

    ResponderEliminar
  10. Olá Ilídia:

    Não sabia que era possível fazer risotto com máquinas:) Não consigo aderir à máquina mágica. Se calhar por nunca ter tentado. Ou por me faltar pragmatismo. Não sei.
    Gostei tanto do seu texto sobre a espera doce de estar grávida. Muito bonito que a sua gravidez tenha evocado as esperas das mulheres que leram o seu post. São assim, estas coisas.
    Antes de atravessar o mar, dê notícia:)
    E sim, muito preciosas, estas afinidades virtuais. Muito especial, a minha amiga Babette, sabia? Assim como imagino a Ilídia.

    Um beijo com carinho para a Ilídia da ilha verde.

    Mar

    ResponderEliminar

AddThis