Mais um bocadinho de sol.



Por estes dias, um aroma inebriante. Irreproduzível. Intraduzível. O das flores de laranjeira. E sempre de repente. De um dia para o outro. Adormece-se e não está lá. De manhã cedo, já é um facto consumado, a espalhar-se pelo jardim. Há laranjas, ainda. A serem lentamente substituídas pelas flores. Foram recolhidas. Para serem um lanche que quis guardar aqui. Porque me fez muito feliz, este lanche frugal. Compota de amoras espalhada em fatias de pão torrado e sumo fresco de laranjas trazidas num cesto. Um ritual muito elementar, afinal. A evocar a dimensão sagrada das coisas pequenas. As que estão muitas vezes ocultas. Mas era tão impossível ser indiferente ao aroma das flores. Tão difícil o exercício de o tomar como certo ou expectável. Por isso, era urgente vir para junto da árvore. Olhar as flores e colher os frutos.
O sol é doce, como os frutos. Filtrado pelo chapéu de abas largas. O que o meu filho diz que é como os das mulheres dos filmes. Uma sensibilidade muito bonita, a do meu pequenino que está a crescer. E a aprender lentamente a interpretar as imagens. A torná-las suas pelo discurso e pelo olhar. Filtradas
Gostava de deixar o aroma das flores de laranjeira. E o sabor do sumo fresco que transformou um fragmento breve de tempo numa memória prolongada interiormente. Não dá. Só dá para as imagens. E para palavras que tentam dizer o belo das coisas elementares. Receitas que nos fazem viver mais o sol. Que nos fazem querer sempre mais um bocadinho de sol.

8 comentários:

  1. Não bebi o sumo, nem cheirei as flores de laranjeira, mas fiquei cheia ao ler uma descrição fantástica de um prazer tão simples e elementar, conseguido nesse lanche tão frugal. As coisas pequenas que fazem dos nossos dias memórias felizes. A felicidade das pequenas coisas....
    Babette

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  2. Mas um dia, sim. Hás-de sentar-te naquela mesa. E em vez das descrições dos prazeres simples e elementares, a experiência. A minha amiga no meu jardim verde:)
    Foi um daqueles momentos, este. Muito bonito. Aqui guardado. E partilhado. Bom, partilhar coisas boas.

    Um beijo.

    Mar

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  3. Olá Mar,
    Vim para matar saudades, das mesas lindas,das imagens, do jardim enfim.... dos detalhes das histórias, das tuas palavras que estão sempre em harmonia.
    E claro foi um momento bem passado obrigada.
    Agora vou porque a pequena está a acordar ... é tão linda ela.

    bjinhos

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  4. Olá Sandra!

    Tão bonito o que deixaste. A começar pelo despertar da tua pequena. Gosto muito da maneira com falas da tua menina. A pequena. Uma fórmula carinhosa. Essencial, como ser mãe. Ontem lembrei-me de ti. Porque tive um bebé no meu colo. E soube tão bem. Tive saudades de um bebé no meu colo.
    Obrigada por teres gostado de estar aqui. E pelo detalhe das saudades.

    Um beijo carinhoso para ti e para a tua pequena:)

    Mar

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  5. Querida Mar,

    Gostei do detalhe do chapéu. Inesperado para a imagem que tenho de si.

    Quando era criança adorava as bonecas de papel que se compravam em folhas e depois eram recortadas. Traziam vários vestidos, para ocasiões distintas. Lembrei-me disto porque fico com a noção que há peças que me estão a escapar.

    Outro dia referiu-se a um vestido primaveril, de flores, hoje aparece um chapéu de palha, elegante, mas com ar campestre. Uma Mar a descobrir!

    bjs

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  6. Olá Fa,

    Gosto muito de chapéus. Deste em particular. De praia e de campo. E sim, pode parecer um detalhe inesperado. Não tem muito a ver com Louboutins e outras coisas:) Mas nós somos sempre muitas coisas, não é? Sempre feitos de muitas peças.
    E acabou de me lembrar que não usei ainda o meu vestido primaveril. Cheio de flores bordadas. Um vestido para um dia de sol.

    Um beijo.

    Mar

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  7. Olá Mar,

    é tão gratificante ler os seus textos, que se fica com a vontade de conhecer uma Pessoa tão imensa por dentro e por fora.
    Bem haja por existir e por paritlhar connosco momentos da sua vida.

    Camila

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  8. Olá Camila:

    Acredite que não sou nada de especial:) Talvez aconteça isso por escrever sobre coisas que tiveram muito significado para mim. Para o percurso interior que vai sendo construído. E sinto muito gosto em partilhar. Apesar de ter a noção de que há coisas que permanecem silenciosas.
    Muito obrigada por existir, Camila. E pelas palavras afectuosas que ficaram aqui.

    Mar

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