Flor da Rosa | Crato























O Alentejo é um poema que nunca nos fartamos de ler. Estrada que não cansa. Beleza que não se gasta. Lindo em todas as estações. O lugar mais íntegro do nosso território continental, por haver ali uma noção de tempo e de espaço que não se perdeu nem se rendeu. Ao contrário do que acontece um pouco por todo o país, em que, ao mesmo tempo que coincidimos com sítios lindos, temos de desviar o olhar de casas pintadas de amarelo-eléctrico ou verde-esmeralda ou rosa-que-faleceu-em-1998 ou assim. Creio que no Minho é onde há mais estragos destes. Guimarães é uma cidade linda, se não sairmos do centro histórico. Monção e Valença também, se não ultrapassarmos os limites das fortalezas. Fora dessas fronteiras protegidas, são um aglomerado incaracterístico de moradias e de prédios e de zonas industriais deprimentes. Há explicações sociológicas para isto e, à cabeça de todas essas explicações, o tipo de êxodos, de emigração. De uma forma (in)consciente, quando se edifica nos sítios de origem, há uma vontade enorme de cortar com um certo passado de má memória, negando-o. Irreversíveis, os danos que essas questões individuais causam ao horizonte colectivo. E é bem triste que assim seja, pelo que se perde de memória, de património estético. A estética não é uma questão menor ou superficial. Só os superficiais é que pensam que sim. Mas no Alentejo, aquele branco-cal dominante. Aquela arquitectura em harmonia com a geografia, com os elementos. E a pedra não é coisa que se substitua por tijolos. Ao contrário, preserva-se. 
Nesta página, este sítio, no Crato. Um daqueles lugares para ir e para nos deixarmos estar. As imagens já têm uns meses, mas ao olhá-las, acontece aquilo que só nos acontece quando as coisas foram mesmo boas de viver: lembro-me flagrantemente de tudo. Do silêncio, do despojamento da arquitectura (da reformulação contemporânea de Carrilho da Graça e da pré-existente), das peças de barro espalhadas em sítios que as faziam parecer esculturas, das cerâmicas, das tapeçarias de Portalegre nas paredes, daquela coisa boa do contraste de mergulhar em água quente, enquanto a chuva caía lá fora. E, claro, da comida. Muito da comida. Come-se maravilhosamente, no restaurante da pousada. A carne de alguidar. Apurada até àquele ponto voluptuoso de tempero. O ensopado de borrego. A sopa de tomate com ovo escalfado, salpicada com ervas que são a alma deste território que se nos fica, por mais voltas que demos ao mundo. E, na parte final, o inesquecível tecolameco, o doce que é mais dali do que qualquer outro. Nos vinhos, também vale mesmo a pena ficarmos por aquele território próximo e beber um daqueles tintos que deixa lágrima nos copos, de bom. 
No tempo que passei neste lugar, comecei e terminei um daqueles livros aparentemente ligeiros ou que se presta a interpretações apressadas. Muito bom. Uma escrita lúcida, bem-humorada, auto-crítica, profunda e sensível no tom certo. Tal e qual como a comida bem temperada do Alentejo, este livro. Também neste domínio, aquilo de me lembrar flagrantemente do que li. Tem muito que se lhe diga, esta arte subtil. Mas tão tónica e tão necessária, por vezes. 

A música é dos Kasabian. Fire. 

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