Assim começa.



















As coisas tal como são. Tal como estão. As coisas que nós pedimos por tudo para que não mudem nada. Para que se mantenham, passem os dias e os meses todos que se transformam em anos. São as nossas coisas. Aqueles rituais que são muito de cada um de nós e que nos fazem bem só de pensarmos neles. A maneira como gostamos/precisamos de acordar. O silêncio e/ou a música. Café ou chá ou nem uma coisa nem outra. As pessoas e os lugares que precisamos de ver, para sabermos melhor onde estamos. Os nossos ritmos. Os objectos que nos dizem ou que nos ocultam, consoante a vontade e a circunstância. Cada sim. Cada não. 
E então, um ano novo. E então, aquelas coisas que não são para mudar. Nem que saísse um decreto ou assim:) Interiormente, peço ao ano novo para não me tirar as minhas alegrias pequenas. O meu caminho perto do rio. Mesmo no Inverno. Mesmo com chuva. Está lá, o caminho. Não mudou. Pelo menos, não visivelmente, que imperceptivelmente, as mudanças são incontáveis e eu não tenho a ciência para as analisar. As árvores. E a água a correr mais forte. Os musgos todos e a história silenciosa de cada um desses verdes. A figura-mistério de fato e gravata que alguém se lembrou de deixar num arco de pedra. E, a cada passo, a noção de ser eu a inventora do meu caminho. É isso que acontece. Mais do que tudo o mais que é sulcado no corpo. Ir, chegar ao destino traçado. E regressar. Voltar a casa. Saber que também aí há tantas e tantas coisas que não quero que mudem. A comida e cada uma das minhas alegrias por causa da comida. Aquela coisa boa de saber que há vinhos maravilhosos que nos fazem agradecer a dádiva da terra e do sol e das pedras e dos homens que os tornam possíveis. E os livros portentosos como um vinho que nos enche as medidas. A sequência de uma narrativa que nos torna cativos durante uns dias, é bem difícil. Depois deste livro, era preciso avançar com cuidado, porque quando se toca o sublime, o comum torna-se-nos insuportável. A seguir a uma leitura tão apaixonada, não se consegue nivelar por baixo. Tinha de ser este. Assim começa o mal, segundo o Javier Marías. Convém sabermos coisas sobre o mal, mesmo que sejamos do bem:) Ou especialmente por isso, por se ser do e pelo bem. A juntar a isto, gostar muito de gostar de muitas cores diferentes. E de as ver juntas. Em mim. Numa peça de roupa de Inverno. Mas acaba por fazer sentido, que o Inverno parece pedir mais disso de cores. Muita e muita cor, não obstante a chuva e o vento.
A receita de hoje é esta que fica. Eu achava que não sabia fazer carpaccio. Já tinha integrado que seria sempre o tipo de coisa que comeria fora de casa. Nada disso. Nada de complicações. É tão mais simples do que pensava. E sim, é carne mesmo crua. E sim, é o tipo de coisa que não dá para meio-termo: ou se gosta muito ou se odeia. Aqui, gosta-se muito. Não estava à espera que o meu filho gostasse ou que quisesse sequer experimentar. Mas o resultado foi bem inequívoco: gosta mesmo muito:) 

Carpaccio (de acordo com a minha interpretação)
NB: Deixo a quantidade para quatro pessoas. 

4 bifes (do pojadouro e com cerca de meio centímetro de espessura) + 1 limão (médio) + o equivalente de azeite + 1 colher (de sopa) de vinagre balsâmico + flor de sal, orégãos, Parmesão e mistura de alfaces q.b. 

Primeiro, coloca-se os bifes bem alisados numa folha de papel vegetal. Dobra-se e vai-se espalmando com o rolo da massa. Não se trata de fazer rolar o rolo. É bater mesmo, para que a carne fique ainda mais fina. O mais que pudermos. Assim que as quatro peças de carne estiverem translúcidas, de finas, coloca-se no prato onde será servido o carpaccio. Por cima, o vinagrete. Para o fazer, basta juntar o sumo de limão, o azeite, a flor de sal e os orégãos. Mexe-se bem com uma colher, até ficar quase cremoso. Este vinagrete vai "cozinhar" a carne e conferir-lhe um sabor daqueles:) Antes de espalhar a mistura de alfaces por cima da carne, passa-se pelo mesmo vinagrete, aproveitando a taça onde foi feito e mais uns pós de orégãos. A seguir, lascas de Parmesão e umas gotas de vinagre balsâmico. Serve-se. E sim, com vinho que nos seja maravilhoso. 

A música é dos Tame Impala. Eventually. 


13 comentários:

  1. tão bom que os começos não sejam sobretudo mudanças (ou a ideia de que elas tenham de acontecer) mas apenas esse continuar de rotinas e das coisas que nos são tão nossas. tão bom esse prato que preparaste, esse vinho e esse verde do teu caminho junto ao rio.
    não me canso de ti e desse quentinho aconchegante que tu és! mil beijos

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    1. Sim. Aquilo que continua. Que permanece. Que tu não queres que deixe de haver. Pessoas. Coisas. Lugares. E rituais. Assim como este hábito que (me) é tanto. Caminhar faz bem à cabeça. E ao coração. Dá mais vontade de tomar conta do que nos faz bem. E de nos mantermos afastados daquilo que faz mal.

      Ser um "quentinho aconchegante" para alguém é muito lindo. Mesmo muito lindo. Obrigada. Tu e as tuas palavras são assim.

      Mil beijos para ti também:)

      Mar

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  2. Boa noite, Mar.
    Tão lindos e tão verdes os seus caminhos. De ida e regresso. Há certezas que nos fazem muito bem. São o nosso chão.
    Gostei muito da manta.
    A receita, provavelmente vou passá-la para o meu Zé. Ele, sim vai experimentar e gostar, de certeza.
    Bjs
    Ana

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  3. Boa noite, Mar.
    Tão lindos e tão verdes os seus caminhos. De ida e regresso. Há certezas que nos fazem muito bem. São o nosso chão.
    Gostei muito da manta.
    A receita, provavelmente vou passá-la para o meu Zé. Ele, sim vai experimentar e gostar, de certeza.
    Bjs
    Ana

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  4. Boa noite, Mar.
    Tão lindos e tão verdes os seus caminhos. De ida e regresso. Há certezas que nos fazem muito bem. São o nosso chão.
    Gostei muito da manta.
    A receita, provavelmente vou passá-la para o meu Zé. Ele, sim vai experimentar e gostar, de certeza.
    Bjs
    Ana

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  5. Boa noite, Mar.
    Tão lindos e tão verdes os seus caminhos. De ida e regresso. Há certezas que nos fazem muito bem. São o nosso chão.
    Gostei muito da manta.
    A receita, provavelmente vou passá-la para o meu Zé. Ele, sim vai experimentar e gostar, de certeza.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa tarde, Ana

      Sim. Estes caminhos são tão bonitos. Mesmo no Inverno. Abençoados. Fazem-me um bem enorme. Estes e outros.

      Mantas quentinhas e macias são uma imagem maravilhosa. Inverno puro. Não me recordo de onde trouxe esta, para lhe dizer. Há-de vir à lembrança e venho aqui.

      Se sim, que ele goste muito desta comida. Ainda ontem fiz, para servir antes de jantar.

      Um bom fim-de-semana. Um beijo.

      Mar

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  6. Olá, Mar.

    Muito bom, sim, saber que há coisas que se mantêm. Como esses caminhos bonitos por onde andas. E todas as outras coisas pequenas que nos fazem felizes todos os dias. E que atenuam as coisas menos boas. Muito lindo o teu texto. E o carpaccio, tão elogiado pelo Vasco. E a camisola às cores :)

    Uma boa semana para ti.

    Um beijo,

    Ilídia

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    1. Adoro as (minhas) coisas que se mantêm. E este caminho, muito especialmente. Parece lindo a cada passo e dá vontade de guardar e de caminhar. Obrigada por gostares, minha querida. Sim, o Vasco gostou tanto que disse que o meu carpaccio lhe sabia melhor do que os que come em Itália. Fiquei feliz. Creio que já te disse que ele é implacável a dizer que não gosta. Mas é maravilhoso a dizer que sim, que gosta:)

      É um poncho às cores:) Confortável e aconchegante.

      Uma boa semana para ti também. Um beijo.

      Mar

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  7. Que caminhos lindos. Que lindo este rio!
    Uma boa semana, Mar.
    Carla

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    1. São mesmo, Carla. Muito lindos. Acredite que as minhas imagens não fazem justiça à realidade.

      Uma boa semana para si também. Obrigada.

      Mar

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  8. Gosto sempre tanto do que escreves, das tuas reflexões. Obrigada! E este fez-me pensar que cada vez tenho menos coisas que não mudam, cada vez menos sitios, coisas ou rituais estáveis. Mas sim, existem sempre os sentimentos, e o céu, e o mar e a luz :)
    Um grande beijinho minha querida*

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    Respostas
    1. É recíproco, que gosto tanto do teu sítio e das viagens todas dos teus textos. Obrigada pelas tuas palavras boas. Fico feliz como as crianças, com palavras boas:)
      Sim, ainda assim, há coisas quietas nas nossas vidas. Há sempre. E ajudam-nos tanto a aceitar melhor todas as que mudam.

      Um beijo grande para ti também, querida Ana.

      Mar

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