Primeiro parágrafo.











Quando o primeiro parágrafo de uma receita diz que é para bater manteiga e açúcar, passo à frente. E foi esse primeiro parágrafo que me manteve afastada das receitas de tartes de amêndoa. Por um motivo muito simples: faz-me confusão tentar ligar aqueles dois elementos. Manteiga + açúcar, na minha lógica, não têm grande lógica. Sempre que tentei portar-me bem e fazer tal qual diziam as receitas, perdia a paciência a meio do processo e deixava ficar assim. Os cristais de açúcar levam tempo a harmonizar com a manteiga. E é preciso que ela esteja à temperatura ambiente e isso não vai bem com o meu espírito urgente. E a seguir, a partir do momento em que a batedeira começa a funcionar, cristais de açúcar por todo o lado, com manteiga associada. Uma irritação só.
Há umas semanas, por causa de um pedido muito direccionado, resolvi dar uma volta (pequenina) ao processo. E correu tão bem, que tinha mesmo de vir para aqui, depois da minha prudência habitual de o repetir três vezes. Bastou juntar logo os ovos às tais duas coisas iniciais. E então, o início do processo é uma trilogia que resulta numa massa que é harmonia desde o início. Não é preciso esperar, nem ficarmos ansiosos. Fazer comida não deve encher-nos a paciência. No meu entendimento, a ideia deve ser desfrutar muito do processo:) Esta maneira de fazer tarte de amêndoa lembrou-me isso. E mais uma coisa: com caramelo. Caramelo macio, voluptuoso. Caramelo e amêndoas. Muito bem juntos, estes dois. E sim, a receita leva manteiga à séria. Com sal, sem ser para culinária. Há jogos que são assim: ou jogamos ou não. Pelo menos para mim. Não como muitos doces e raramente me lembro, sequer. Mas quando sim, que seja assim. Depois, é só uma questão de caminhar 12 quilómetros em vez de 10 ou de dançar 30 minutos em vez de 20:) Há aritméticas que pressupõem outras. Faz parte. 
Com a receita, a luz nocturna que alumia o livro que estou a ler, por estes dias. Um livro e lençóis brancos são uma declinação linda das noites de Verão. A benção, de uma das minhas escritoras britânicas preferidas, a Nancy Mitford. Para tentar ir ao ponto, creio que basta dizer que, se o Oscar Wilde tivesse sido mulher, teria sido assim como a Nancy Mitford. A fleuma e a acidez são as mesmas.

Tarte de amêndoas com caramelo 
NB: Esta tarte, guardada no frio, permanece óptima durante alguns dias. E servida fresca, é uma daquelas delícias imperdíveis. A única questão será durar uns dias:)  

Para a base:
150 g de açúcar + 150 g de manteiga (uso sempre a da imagem) + 2 ovos inteiros + 100 g de farinha + leite e sal q.b. 

Para a cobertura:
 150 g de açúcar + 1 pacote de natas + 150 g de amêndoas (costumo usar laminadas) + uma pitada de sal. 

Bate-se o açúcar com a manteiga e com os dois ovos durante 5 minutos. Entretanto, junta-se a farinha e continua a bater-se, reduzindo a velocidade da batedeira, para harmonizar melhor. A seguir, acrescenta-se um pouco de leite (menos de metade de um copo será o suficiente, mas é melhor avaliar-se no momento, que a quantidade pode variar consoante o tamanho dos ovos, por exemplo). Bate-se mais um pouco (cerca de três minutos) e leva-se ao forno a 180º C, durante cerca de 10 minutos (na dúvida, faz-se o teste do palito), numa forma redonda com fundo amovível.
Enquanto a base está no forno, leva-se ao lume o açúcar numa caçarola, até começar a fazer caramelo. Mexe-se continuamente, até ficar dourado-claro (não importa se houver alguns "grumos"). A seguir, acrescenta-se o pacote de natas. Ultrapassada a efervescência natural, mexe-se de imediato, para que as natas se integrem bem no caramelo. Vai formar-se uma espécie de torrão, mas não há problema. É inevitável. Basta tentar dissolver o que pudermos e retirar da caçarola o que restar desse torrão. Por fim, as amêndoas e um pouco de sal. Mantém-se ao lume durante mais dois minutos, mexendo sempre. A seguir, retira-se. Com alguma sorte, estes dois tempos vão coincidir e vai ser só cobrir a tarte com este caramelo delicioso e deixar arrefecer.

E as flores pequeninas que estão na água, perto do lugar onde faço a minha comida. E a música. Esta é de uma daquelas bandas de sempre. Pixies. 


11 comentários:

  1. Tive que vir ver a tarte de amêndoa. E ficou linda ! Da tua maneira "sem esperas". O bolo parece ter ficado fofo e a amêndoa crocante e gulosa. Vou ter que fazer !
    Tão bom ontem o jantar da tua mãe, no teu dia. Obrigada !
    Dias bons !

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    1. Eu disse-te que tinha corrido bem:) A das imagens foi a quarta vez. É assim no tal espírito sem esperas: muito rápida de fazer.
      E sim, bom o jantar. Obrigada a ti. Tinhas de estar lá. És de casa.

      Muitas coisas boas, aqui neste sítio com teclados estranhos:)

      Isa

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  2. Boa tarde, Mar.
    Também eu ignorei e ignoro, tantas vezes, logo no início do primeiro parágrafo, receitas em que é preciso misturar manteiga com açúcar. Pensava que era só eu que tinha este problema e esta relutância. Que era só a minha cozinha que ficava toda salpicada. Com esta receita, e as experiências da Mar, sempre comprovadas e aprovadas, já vou experimentar algumas receitas. Mas, a primeira vai ser esta tarte de amêndoas com caramelo. Se conseguir que fique minimamente parecida com a da Mar, vou ficar muito feliz.
    Lindas, como sempre, as palavras, as imagens e a jarra com as flores.
    Um bom dia, com boas leituras.
    Bjs
    Ana

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  3. Boa tarde, Mar.
    Também eu ignorei e ignoro, tantas vezes, logo no início do primeiro parágrafo, receitas em que é preciso misturar manteiga com açúcar. Pensava que era só eu que tinha este problema e esta relutância. Que era só a minha cozinha que ficava toda salpicada. Com esta receita, e as experiências da Mar, sempre comprovadas e aprovadas, já vou experimentar algumas receitas. Mas, a primeira vai ser esta tarte de amêndoas com caramelo. Se conseguir que fique minimamente parecida com a da Mar, vou ficar muito feliz.
    Lindas, como sempre, as palavras, as imagens e a jarra com as flores.
    Um bom dia, com boas leituras.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Esse dado em comum, pelos vistos:) Isto aplica-se também ao bolo de bolacha. Esse será o próximo. A ver se corre pelo melhor, como aconteceu com esta tarte.
      Sim. Com essa parte da(s) experiência(s) já ultrapassada, a receita. Testada e publicada depois. Já sabe como é:)
      Obrigada. Mais uma vez. Por isso das palavras, das imagens e das flores.

      Um bom fim-de-semana para si. Beijos.

      Mar

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  4. Lindas, as flores. O conselho prático, sempre generoso, do começo da receita fica na memória e será certamente seguido por mim num dia destes. Saudades da manteiga Primor, desde 1947. Obrigada por mais um post tão belo como prático. Um bom fim-de-semana.

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    1. Olá Ana,

      Bem lindas, estas flores. Etéreas, delicadas e persistentes. Tenho-as em água há mais de uma semana e continuam tão bonitas. A beleza não tem de excluir o pragmatismo:) Pelo menos, não para mim, que gosto de tentar conciliar as duas coisas. A manteiga Primor é muito especial, sim. Faz parte do nosso património de memórias, creio. Há rótulos assim.
      Se fizer a tarte, que lhe saiba bem, que a faça feliz e aos que a fazem feliz.

      Um bom domingo para si. Obrigada.

      Mar

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  5. Gosto tanto da ironia e do humor ácido da Nancy Mitford! Dela li este romance e Love in a Cold Climate, que também aconselho muito. Tem muito de Oscar Wilde, sim, concordo. Engraçada, esta nossa afinidade.
    Quanto à receita, vou experimentar fazê-la no Outono, quando os dias mais frios começam a pedir-me alguma doçura - Sounds and looks absolutely scrumptious, como diria a nossa autora!
    Um beijinho desde Leça,
    Marta

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    1. Olá Marta,

      Muito, mesmo. As radiografias dela são qualquer coisa de raro. E sim, ácidas. Também li esse outro de que falou. Fico muito feliz por esta afinidade. O nome dela é pouco ou nada pronunciado e é literatura que nos cativa e que nos apaixona. Falta-me ler mais e gosto da sensação de mal poder esperar. Vou avançar ainda hoje à noite para o Madame de Pompadour. Tive um dia daqueles, terminará bem assim. A ler Nancy Mitford.
      A receita pode ser descrita assim mesmo:) Obrigada também por isso.

      Um beijo para si, aí para Leça.

      Mar

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  6. Feito, para a mesa da consoada! Mesmo tendo que misturar manteiga e açúcar, o que para mim é logo um ponto final :)
    Obrigada por esta receita tão encantadora.

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  7. Bom Dia, gostei mesmo da tarte de amêndoa (e todos os outros que a comeram também). Será que posso pô-la, tal e qual, no meu blogue com os devidos créditos e encaminhamentos? Está tão bem descrita que não queria estar a estragar :) se porventura preferir dar a resposta para o meu email, é coolinaria @ sapo . pt

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