Tal e qual como no amor.










Durante uns minutos, toda a nossa atenção, todo o nosso cuidado. Um risotto é muito isso. E a verdade é que, mesmo que a vida nos gele um bocadinho e que nos lembre que não vale a pena cuidar de algumas coisas, com um risotto é ao contrário. Muito ao contrário. 
No meu universo destas coisas de comida, creio ser este o processo mais significativo. É que cada momento é lindo e intenso e cheio. Cada momento nos convoca, inteiros. É como no amor, no fundo. Por isso é que eu consigo perceber quando um risotto não foi feito com amor. Dá para perceber logo. Não é preciso provar nem nada. Basta olhar e percebe-se. Tal e qual como no amor. Olhamos e percebemos. 
Aprendi a certeza serena dos ingredientes deste risotto numa viagem de avião, quando regressava de Roma. Uma italiana chamada Miranda, que me disse que, para ela, este era o mais delicioso dos risottos, depois de eu lhe dizer que adorava o efeito do vinho tinto neste arroz de bagos cheios. Foi aí que ela me disse para juntar abóbora à minha base e para nunca abdicar da pimenta preta. No início e no final de tudo. Desde essa conversa de avião que este é o processo. Fica então uma sequência que me faz muito feliz, num dia que foi tão de sol que me fez pensar em Lagos. Por isso, perto do meu risotto preferido, uma imagem desfocada do último Verão em Lagos. Em vez de pensar para a frente, recuar até essa memória que não dá para desfocar ou para rasurar. Aquilo que já foi vivido é assim mesmo: está em nós irremediavelmente. 

Risotto da Miranda e da Mar (com aipo + cogumelos + bacon + abóbora + pimenta preta)
NB1: Não uso caldo de legumes porque me parece redundante (esta receita tem legumes que serão cozinhados em água) e muito menos de galinha, por não ter nada que ver, em termos de sabor. 
NB2: É importante que os cogumelos não sejam laminados e sim cortados aos quartos e também é importante que só sejam introduzidos pouco depois de juntarmos o vinho tinto. A textura e o sabor finais farão com que esse cuidado valha a pena. 


1 tigela (média) de arroz carnaroli (gosto muito deste) + 1 talo de aipo + 3 fatias de abóbora butternut + 6 cogumelos marron + 4 fatias de bacon + 1 copo de vinho tinto + 1 colher (de sopa) de manteiga + 1 litro de água (quente) + sal, azeite, Parmesão e pimenta preta q.b. 

Antes de tudo o mais, a água deve estar bem quente. Entretanto, desfruta-se de partir o aipo, a abóbora e o bacon em pedaços pequenos. A seguir, leva-se ao lume num fio generoso de azeite, depois de temperarmos com pimenta preta. Deixa-se estar durante uns três minutos, mexendo com cuidado. Junta-se depois o arroz e envolve-se muito bem, mexendo durante um minuto. A seguir, a parte (linda) de juntar o vinho tinto. E, no momento a seguir, a parte de juntar os cogumelos. Deixa-se evaporar por completo, mexendo e envolvendo com cuidado. Quando o vinho evaporar, junta-se água pela primeira vez e um pouco de sal, para ir tomando o gosto e para que o paladar não seja equivocado, antes de se juntar a manteiga e o Parmesão. Vigia-se e mexe-se com carinho. Pouco antes de a água evaporar, prova-se. Junta-se depois a última parte da água quente, mais sal, se for necessário e repete-se o processo carinhoso de vigiar e de mexer. Antes de a água desaparecer, acrescenta-se a manteiga e o Parmesão ralado. Envolve-se, desliga-se o lume e deixa-se descansar durante dois minutos, com a tampa do tacho entreaberta. Serve-se de imediato, num prato fundo, salpicado com pimenta preta.  
E sim, acompanhado do vinho tinto com que foi feito, de preferência. 

Com este risotto, Portishead. Over. 



12 comentários:

  1. Bom dia, Mar.
    Eu e o meu Zé H. gostamos muito de cogumelos. Costumava fazer arroz de cogumelos e só há pouco tempo é que me aventurei a fazer risotto. E realmente, é como a Mar descreve, cada momento é lindo e intenso. Justifica o trabalho e a atenção que requer (mas o amor é mesmo assim). A minha versão é diferente, costumo usar vinho branco e nunca experimentei com abóbora. Da próxima vez, será a versão da Mar e da Miranda. As imagens pedem urgência na réplica.
    Bom fim de semana. Cheio de sol.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, Ana

      Lembrei-me de si, por causa disso dos cogumelos. Eu estive uns anos sem que me apetecesse(m). A gravidez tem destas coisas e, nessa altura, tornaram-se-me insuportáveis. Aconteceu o mesmo com os espargos. Mas já resolvi essas duas questões:)
      Um risotto justifica sempre a nossa atenção e o nosso carinho. É mais certo do que o amor, apesar de tudo.
      Estes sabores conjugam-se mesmo bem. A Miranda estava certa, quando me disse que devia experimentar com abóbora e com (muita) pimenta preta. Uma boa, que tenhamos coincidido nessa viagem. Os bons encontros são assim.
      Se experimentar, que seja um momento feliz, de dedicação carinhosa a uma comida. É assim que imagino.

      Bom fim-de-semana para si também. Mesmo a precisar de tempo e do sol que está prometido. Tive uma semana que foi especial todos os dias e estou um bocadinho exausta. Mas feliz, da minha maneira serena.

      Um beijo.

      Mar

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  2. Bom dia, Mar.
    Eu e o meu Zé H. gostamos muito de cogumelos. Costumava fazer arroz de cogumelos e só há pouco tempo é que me aventurei a fazer risotto. E realmente, é como a Mar descreve, cada momento é lindo e intenso. Justifica o trabalho e a atenção que requer (mas o amor é mesmo assim). A minha versão é diferente, costumo usar vinho branco e nunca experimentei com abóbora. Da próxima vez, será a versão da Mar e da Miranda. As imagens pedem urgência na réplica.
    Bom fim de semana. Cheio de sol.
    Bjs
    Ana

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  3. O risotto tem mesmo de ser feito com muito carinho, amor e atenção. E vale muito a pena dedicar esses momentos a este prato. Faço muitas vezes a sua receita de risotto de aipo. Esta é outra receita a experimentar. Sabe muito bem nesta época do ano.
    Gostei muito das fotografias.
    Um bom fim-de-semana!
    Graça

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    1. Olá Graça,

      Esse risotto de aipo é bem especial. O meu filho adora-o. Aliás, ele adora todos os risottos. Uma das coisas em que é parecido comigo.
      Se experimentar, que a faça feliz. A si e aos que ama. Um risotto é um acto de amor. É o que eu penso.
      Obrigada por gostar das imagens. É a comida que é linda e que pede para ser fotografada:)

      Um bom fim-de-semana para si.

      Mar

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  4. Tão bonito esse teu arroz feito de amor. É sempre a memória do meu início na tua casa. Fizeste a comida que te era especial. E eu gostei tanto. Lembrei-me de ti nesta semana que ia ser intensa. Percebo nas entrelinhas que foi cansativa mas feliz. Que bom. Descansa bem. Depois falamos ;)
    Babette

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    1. Olá Babette,

      Tem (também) essa memória associada, o risotto. Uma opção um bocadinho arriscada:) Mas creio que o nosso risotto chegou bem à mesa.
      A semana correu bem, mas só vou confirmar amanhã, depois de ler os pequenos papéis anónimos "gostei/não gostei". Pareceram-me todos felizes, a viver as coisas. Especialmente a parte de hip hop e de tudo o mais que é de dançar:)

      Um beijo. Descansei e fiz coisas boas. Até dormi hoje de tarde e tudo.

      Mar

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  5. Mar,

    E é por isto. É por isto que volto sempre a esta sua casa - por esta entrega aos momentos.
    E por estes acasos:
    Esta semana planeei fazer um risotto de camarões e atum, e precisamente porque sem amor não há risotto, foi o que escolhi fazer para um jantar de afectos. Porque também acredito que é daquelas comidas onde nos conseguimos doar mesmo a sério.
    Há tanta magia num risotto, não é? Faz nascer acontecimentos à volta :-) é uma espécie de alquimia...
    Um dia destes experimento este seu... nunca cozinhei aipo, nem usei vinho tinto, mas parece tão bom.
    Obrigada.

    Beijinhos,

    Jo


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    1. Olá Jo,

      Sinta-se sempre bem-vinda a esta casa onde vão ficando algumas das coisas que amo. Em tempos, fui assistir a uma peça que se chamava "Não se brinca com o amor". Lembro-me sempre desse título, a propósito dos risottos. Também não são matéria com que se brinque, apesar de as consequências de brincar com o amor terem qualquer coisa de trágico. E sim, mágico e alquímico. Um ritual que me tem por inteiro. Em especial, o momento em que acrescento o vinho. Há ali qualquer coisa de redentor. Se um dia experimentar, creio que sentirá isso. E eu acho que uso aipo em (quase) tudo. Dá uma frescura incomparável à comida. Especialmente a de tacho.
      Obrigada a si, linda Jo. Obrigada.

      Um beijo.

      Mar

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  6. Sempre que leio um dos teus textos sobre o prazer de fazer risotto, fico com vontade de ir para a cozinha. Já não faço há tanto tempo. Curiosa a presença da abóbora na base. Deve ficar bem. Gostei deste risotto da Miranda e da Mar :)

    Um beijo,

    Ilídia

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  7. Sempre que leio um dos teus textos sobre o prazer de fazer risotto, fico com vontade de ir para a cozinha. Já não faço há tanto tempo. Curiosa a presença da abóbora na base. Deve ficar bem. Gostei deste risotto da Miranda e da Mar :)

    Um beijo,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia,

      Ainda bem que sentes isso. Gosto de saber dessa vontade, mas muito em particular a propósito desta comida/ritual especial. Faço risotto sem estar a quantificar a medir a calcular. Tal e qual como deve ser no amor. É o que eu penso/sinto em relação a essas duas coisas que me parecem tão próximas.
      A ideia da abóbora é da Miranda:) Graças a ela, percebi que este é, para mim, "o" risotto. Feliz por teres gostado.

      Um beijo.

      Mar

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