Para memória futura.














Há datas que gosto de assinalar aqui. Datas assim como esta. O dia da primeira mesa do ano ali fora. Isso acontece quando o sol é o certo. E sei que a partir daí, a formulação interior que resulta em mesa é inequívoca. E é assim: lá fora. A mesa será lá fora. Não sei se o sol vai manter-se ou não. Se amanhã será dia de chuva. Ou se, no próximo fim-de-semana, não poderei repetir nada de nenhuma destas imagens. Não sei nada disso. E também não perco muito tempo a antecipar. A única coisa que eu sei, de garantida, é que esta mesa que fica hoje já aconteceu. Ficará para memória futura. 
O almoço de domingo foi bem perto das árvores e do perfume etéreo das flores das magnólias. Há dias em que tudo parece pleno de vida. Parecia assim, este dia. Muito sereno, mas, dentro das coisas e das pessoas, uma luz floral.
Fica a objectologia muito elementar dessa mesa. O vinho muito aromático que acompanhou um frango assado com aipo e com pequenos ramos de tomilho retirados do vaso que quis ver à mesa. Com vestígios de Inverno na terracotta cor de sul, o vaso. Mas não quis apagá-los ou limpá-los, por me parecerem memórias lindas dos dias de chuva que já foram. As mesas exteriores lidam bem com essas e com outras marcas do tempo. E eu sempre gostei das imperfeições, das máculas, dos lastros que as coisas vão deixando. Compreendo-as como sinais exteriores de cada uma das minhas limitações. Talvez seja por aí. 
Também para memória futura, uma entrevista a uma pessoa rara. Pode ser lida aqui e é tempo que se sublinha a cada passagem. As pessoas excepcionais são assim. Fazem com que queiramos sublinhar as palavras que dizem. Guardei muito. Deste dia. E das palavras de um Presidente que abdica quotidiana e coerentemente de tudo o que é "presidencial" e que diz que, nos anos longos de prisão, a ideia de cuidar de qualquer coisa viva o salvava todos os dias da possibilidade do abismo. 
Lá para a frente, sei que vou olhar para estas imagens e que vou lembrar-me de tudo. Sei que vou saber exactamente. A comida. O vinho. Os perfumes e as cores das coisas. A música e as palavras. Tem sido sempre assim, aqui neste sítio. Para memória futura. 

A música é esta. Chama-se "Useless". E de como isso pode ser "kind of perfect". 



14 comentários:

  1. Bom dia, Mar.
    Depois de ler mais um dos seus belíssimos textos e admirar as belíssimas fotos, assaltam-me duas palavras - Serenidade e Vida (não é erro, é mesmo com maiúsculas).
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, Ana

      Obrigada por essas palavras superlativas. Não deixa de ser curioso. Hesito sempre tanto, antes de deixar aqui as coisas. Leio e volto a ler. Vejo e volto a ver. Sempre em busca do que falta, do que poderá estar a mais.
      A vida encanta a cada momento. Gosto de a viver com uma alegria serena e de tentar estar à altura dos contrastes inevitáveis. Por mais que me sejam difíceis. E alguns são. Seja como for, há em nós um sol qualquer que nos vai aquecendo.

      Um beijo para si.

      Mar

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    2. Boa noite, Ana

      Obrigada por essas palavras superlativas. Não deixa de ser curioso. Hesito sempre tanto, antes de deixar aqui as coisas. Leio e volto a ler. Vejo e volto a ver. Sempre em busca do que falta, do que poderá estar a mais.
      A vida encanta a cada momento. Gosto de a viver com uma alegria serena e de tentar estar à altura dos contrastes inevitáveis. Por mais que me sejam difíceis. E alguns são. Seja como for, há em nós um sol qualquer que nos vai aquecendo.

      Um beijo para si.

      Mar

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  2. Bom dia, Mar.
    Depois de ler mais um dos seus belíssimos textos e admirar as belíssimas fotos, assaltam-me duas palavras - Serenidade e Vida (não é erro, é mesmo com maiúsculas).
    Bjs
    Ana

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  3. Todas de guardar, as tuas fotografias. Lindas! Ganharam o sol os teus objetos para a mesa, Saíram. Muito bonitas todas elas, Tu sabes como eu gosto das tuas fotografias. Do enquadramento, das cores, do tamanho e do que trazem dentro. E do que deixam connosco, com quem vê.
    E a entrevista, que li com o pequeno almoço do domingo. A ver os meus narcisos, as tulipas e as frésias, a rebentarem da terra - alegrias.
    Um beijo,
    da Pipinha

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    1. Olá Pipinha,

      Gosto que tu gostes. E do que aí fica, disto tudo. Nisso das fotografias, a culpa é da luz, que tu sabes bem que a minha máquina é daquelas ligeirinhas, sem lentes e sem todos os detalhes técnicos para os quais não tenho a mínima paciência:) E eu gosto é de olhar para as coisas. É bom quando dá para guardar esses olhares.
      Esta entrevista também foi lida assim. Coisa de pequeno-almoço de domingo. Lento, a intercalar os silêncios com as conversas demoradas próprias dos pequenos-almoços de fim-de-semana.
      A ver se vou à tua casa, para ver essas alegrias todas. Combino com a Ina e ligo-te:)

      Um beijo.

      Isa

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    2. Gosto muito.
      Da luz das tuas fotografias e que venhas ver os meus narcisos tímidos ! Combinadas ! Falar à Ina tb.
      Beijos

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    3. Ligo-te amanhã, para vermos disso tudo:) Um beijo grande!

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  4. Tão bonitas as tuas imagens. A maneira especial como vês as pequenas coisas. Esse dia já é teu. Nosso, também, que tamanha beleza é por nós apropriada. Faz-nos bem. Hoje consegui tirar uma hora para ir visitar um museu. Gostei tanto. Viva e alimentada, percebes? Fez-me muito bem. Como o Zé não estava comprei-lhe o catálogo ;) Um beijo um pouco mais de longe, hoje. Babette

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    1. Obrigada a ti, aí mais longe:)

      O mundo é feito de coisas pequenas que são bem lindas. É o que eu acho. E as coisas pequenas que estão perto de mim, tomam conta. Ajudam a lembrar que a beleza pode morar perto e ser sempre agora.
      Gosto de saber que tiveste uma hora de pausa. Ando a pensar numa viagem-presente por causa da arte dessas geografias, num castelo muito especial. Vou precisar das tuas indicações numas coisas pragmáticas:) E sim, percebo bem. Percebi que isso era o principal, no epicentro de um episódio que podia ter sido só trauma. Era muito nova. Demasiado.

      Um beijo.

      Mar

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  5. Já primaveris, as tuas imagens. Hoje, por aqui, está um dia cinzento e chuvoso. De inverno, mesmo. Gostei de ver as tuas magnólias de várias cores. E o teu gato. Não conhecia este. Tem um ar sério e imponente, que combina com a densidade das heras :)
    Estive a ler um destes dias esta entrevista. Um homem notável, com uma capacidade de abnegação fora do comum.

    Um beijo,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia.

      Esses dias têm aquela componente boa de que falámos ao telefone. Lareira, mantas no sofá, comida quentinha e mimos:)
      É a Salomé, o gato. Acho que já te contei que descobri tardiamente que as minhas gatas eram gatos. Não consigo habituar-me:) Para mim, são a Júlia e a Salomé. Ela estava muito séria porque estava a ver quando é que nos distraímos das coisas de comer. De vez em quando, ainda arriscam e saltam para a mesa:)

      Adorei esta entrevista. Por ele. E pelo trabalho excelente do jornalista, também. Fazer as perguntas certas é mais difícil do que parece, creio. Seja como for, se as perguntas certas forem feitas, as respostas estarão à altura.

      Um beijo.

      Mar

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  6. Olá Mar,

    Como eu gostei da luz destas fotografias! Foi quase como se entrasse, percorresse o jardim e me sentasse á mesa também.

    Por aqui, também já apeteceu jantares no exterior. Sem a envolvência das magnólias, infelizmente, que são bem lindas.

    Ponho em cima da mesa as flôres. Já tenho uma ideia para hoje á noite.

    Há muito tempo que não via por aqui fotografias dos habitantes de quatro patas!

    Vou hoje voltar a fazer a mousse de chocolate.

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      É a luz que anuncia a Primavera. Por estes dias, as magnólias brancas estão a perder as flores. As violetas estão a nascer agora. É o tempo a passar. Daqui a uns dias, vão estar cheias das folhas carnudas e muito verdes, a dar mais sombra à mesa onde almoçamos prolongadamente nos dias de sol.
      A Salomé ficou numa das imagens deste almoço. Estava a pôr-se a jeito para saltar para a mesa, mas acabou por ser uma gatinha obediente:)

      Que bom, isso de voltar a haver mousse de chocolate:)

      Um beijo.

      Mar

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