Adaptação.









Há alguns ingredientes que me são especialmente preciosos. Creio que acontecerá com qualquer pessoa que faça comida quotidianamente. Não há grande traço de originalidade nesse dado. Aqueles ingredientes que nos tranquilizam, por nos dizerem silenciosamente que são possibilidade (rápida) de comida à mesa. São bem simples, os tais ingredientes que tenho de ter sempre. Legumes. Arroz. Bacon. Parmesão. E ovos. Sempre. Frescos. Com aquele tom de sol dourado nas gemas. Sei que posso transformá-los rapidamente num lanche, num jantar improvisado. Tantas e tantas, as circunstâncias em que faço coisas destas, para acolher amigos que aparecem aqui em casa como os amigos podem aparecer. E é de todas as estações, isto dos ovos. Nos meses quentes, quase não precisam de outra coisa que não umas lascas de cebola previamente passadas por azeite. Nos meses frios, a base é acrescentada, reforçada. 
Esta é a mais segura das minhas versões de tortilha. Aquela que faço mais vezes. Sempre que faço coisas destas com ovos, as mesmas palavras. Que se faz uma festa com tão pouco. Fico sempre feliz por ouvir isto, mas da minha maneira que não faz barulho. A verdade é que fui educada para a frugalidade, de acordo com o princípio da adaptação. Especialmente nisto de fazer comida. A minha mãe diz muitas vezes que devemos saber fazer muito com pouco. Fui aprendendo que isso não se aplica só à comida. Um preceito como outro qualquer, mas que, para mim, é especialmente fundador. Muito com pouco. A vida é assim mesmo. Creio que passamos vidas inteiras nisso. A tentar sempre muito. E mais. Mesmo que muitas vezes nos sintamos poucos, pequenos e imperceptíveis.Talvez. Talvez seja assim. Mas, de todas as vezes em que sinto isso, um sorriso interior por saber que está tudo bem. Tenho ovos frescos para fazer comida que vai fazer bem. E posso estar quieta e em silêncio a viajar pelas páginas da minha revista preferida. E está tudo nos seus lugares, quando é assim. Uma questão de adaptação. Ou um exercício de fé. Não sei bem. 

Tortilha de aipo, bacon e Parmesão

6 ovos + 1 talo de aipo + 1 cebola (pequena) + 1 pimento doce laranja ou vermelho (pequeno) + 4 pedaços de bacon, cortados em cubos + Parmesão + flor de sal, azeite, pimenta preta e coentros q.b. 

Primeiro, parte-se o aipo, a cebola, o pimento e o bacon em pedaços. Coloca-se numa sertã, com um fio de azeite e coentros picados. Leva-se ao lume durante dois minutos. Enquanto isso, parte-se os ovos para uma tigela, salpica-se com flor de sal, pimenta preta, mais coentros, Parmesão ralado e bate-se com um garfo. Decorridos os dois minutos, derrama-se a mistura dos ovos para a frigideira, reduz-se o lume para fogo médio e deixa-se estar durante três minutos. A seguir, levamos ao forno na sertã, a 180ºc, com o calor a vir só de cima, durante cinco minutos (ou o tempo suficiente para que os ovos acabem de cozinhar). Bem perto do fim do tempo de forno, umas raspas de Parmesão ralado. Se a sertã não puder ir ao forno, depois dos três minutos, vira-se para um prato largo e deixa-se deslizar outra vez para a sertã, com a parte que não está cozinhada virada para baixo. Três minutos em fogo médio e está pronta. Leva-se à mesa para ser servida ainda quente, que é assim que sabe melhor nos meses frios. Nos meses quentes, deixa-se estar, se quisermos que seja servida fria.

E mais música. Ouvi-a hoje enquanto conduzia, sem estar a contar. Faz sentido que aqui fique, com a espuma do dia.  


12 comentários:

  1. Bom dia, Mar. Não imagina a minha alegria, ao ver que voltou ao seu ritmo. Fico feliz, pela Mar estar bem e também por mim, por poder ler os seus textos. E dou comigo a pensar que afinal, o "meu poeta" nem sempre tinha razão, a metafísica não é (só) uma consequência de estarmos mal dispostos, também pode ser a consequência de cozinharmos com toda a nossa alma. Mais do que a tortilha (que adoro e que nunca fiz com aipo, mas hei-de fazer), hoje aplaudo a receita de vida. Que nunca nos faltem ovos...
    Um bom fim de semana, rumo ao Natal.
    Bjs
    Ana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Ana,

      Nem imagina a minha alegria, ao ler as suas palavras. De volta ao habitual, sim. E agradeço a sua generosidade em relação às coisas que escrevo. Se soubesse como me sinto pequena e insegura, nisso de escrever. A verdade é que respiro sempre, antes de carregar no "publicar". Mas o meu amor pela comida, pelo que significa, acaba por ajudar nesse processo.
      Gostei muito de ler um bocadinho de Álvaro de Campos nas suas palavras. Mesmo muito. A Tabacaria é-me tanto. Tanto. A começar pela abertura. "Não sou nada."Revejo-me. Sinto-me ali.

      O aipo é um dos ingredientes que tenho de ter sempre. Dá uma frescura aos sabores, tempera outros mais fortes. E sim. Que nunca nos faltem ovos. Mesmo assim.

      Um fim-de-semana feliz, a caminho. No último mês deste ano. Obrigada outra vez.

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar
  2. As cozinhas têm matrizes e ingredientes básicos. A partir daí é mais ou menos tudo possível. Que cor, a desses ovos!... Bom início de fim-de-semana. Com um dia extra e tudo, que bom ;)
    Babette

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Babette,

      Muito assim. No meu caso, também os ovos. E sim, muito amarelinhos, cheios de coisas que fazem bem:) Sinto-me grata, por poder fazer comida com coisas tão puras e tão próximas de mim. E sim, uma benção, esse dia extra:)

      Um beijo de bom fim-de-semana.

      Mar

      Eliminar
  3. Os teus ingredientes de sempre também nunca faltam cá em casa. E partilho contigo esse gosto pelos ovos. Ainda ontem, ao jantar, fiz o típico bife com ovo estrelado. Desde que aprendi, com o meu irmão, a fazer um ovo estrelado decente, dá-me um prazer especial fazer este prato tão simples. Agora já posso dizer que sei estrelar um ovo :)


    Um beijo,

    Ilídia

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Ilídia,

      Tem muito que se lhe diga, estrelar um ovo. É como fazer bem batatas fritas, por exemplo. E juntar essas duas coisas a um bife no ponto certo:)

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar
  4. Gosto sempre tanto de vir aqui!
    Obrigada.
    Joana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada a ti, Joana. Muito. Fico feliz.

      O Vasco manda um abraço. E eu também.

      Mar

      Eliminar
  5. Bom dia Mar,

    Nunca tinha pensado nisso. Mas, agora que penso, julgo que o ingrediente que nunca me pode faltar é o arroz.

    Precisamente por isso: transforma o pouco em muito.

    Na minha opinião esse não deveria ser um princípio mas, "O" principio. Esse é outro assunto, dava "pano para mangas", só que não pertence aqui.

    Tortilha nunca fiz. Descobri as fritatas. Sendo feito da mesma maneira, da próxima vez venho aqui

    buscar inspiração. Tenho curiosidade em relação ao aipo junto com o ovo!

    Por falar nisso, tenho lombinhos temperados hoje para o jantar. O acompanhamento vai ser um arroz (lá está) adaptado para aproveitar sobras.

    Com parte de uma abóbora que tinha, fiz puré para fazer um bolo partilhado pela Ilídia. Como sobrou e tenho uma mão cheia de agriões que são poucos para sopa, está feito o acompanhamento.

    Já me ri ao ler o comentário da Ilídia! Também eu não me aventuro a fazer um ovo estrelado. É básico mas, pelos vistos, eu tenho tendência para complicar o que é fácil.

    Um beijo do Algarve e votos de boa semana (mais curtinha, que bom!)

    Sandra Martins

    ResponderEliminar
  6. Olá Sandra,

    São necessários, os tais ingredientes que transformam o pouco em muito. E faz muita falta, pensar a esse nível. Eu fui educada de acordo com esse princípio e sinto-me muito grata por isso.

    Eu dou a estas coisas o nome de tortilha, por me ser mais familiar, por evocar as minhas vivências de Espanha, algures em Sevilha, a fazer tortilhas a horas impossíveis:) Só por isso.

    A sequência desse jantar parece-me deliciosa:) E sim, as coisas simples têm mesmo uma arte. Eu aprendi a fazer quando era adolescente, que a minha irmã mais nova parecia ser absolutamente viciada em ovos. Fazia-lhos porque ela ainda não sabia mexer no fogão e eu já tinha conquistado essa autonomia há uns anos:)

    Boa semana mais pequenina para si também. Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar
  7. Adoro vir aqui! Esse dom da escrita que tens (permite-me) é fantástico. As comidinhas simples ou não, mas com alma. Também fui educada com esse princípio da adaptação e também o aplico a maior parte das vezes em quase tudo.

    Boa semana. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Lígia,

      Que linda:) Gostei tanto de te ler também aqui. E agradeço. Não estou certa de ter esse dom. Ou convenci-me demasiado que não. Mas fico grata. Por isso da escrita e por isso da alma na comida.
      Fundamental, este princípio. A minha mãe é uma mulher muito simples. O nosso chão. Segundo ela, a educação não deve contar com prosperidade, abundância, facilidade. Deve preparar-nos para o contrário. E para a autonomia.

      Uma boa semana para ti também. Obrigada pelo teu comentário.

      Mar

      Eliminar

AddThis