Julgo que quase que conseguia fazer este pudim de olhos fechados. Não só por ser de uma execução estranhamente fácil, mas porque já o fiz tantas e tantas vezes. É o género de sobremesa que permanece na memória sensorial. Fica-nos irremediavelmente. Todos os que já o provaram dizem assim, que se lembram sempre do meu Pudim Abade de Priscos. E como eu gosto de doces assim. Francos. Densos. Honestos. "À séria". Sim, com açúcar sem truques e sem culpas. Sim, com muitos ovos. Sim, com o toque inesperado da untuosidade de lascas de um bom presunto.
Na minha perspectiva, é o tipo de coisa que faz com que valha a pena perdermo-nos. A verdade é que declino facilmente doces que não valham a pena. Aquela teoria do "é ou não é" a funcionar, muito provavelmente. Normalmente, o problema dos mecanismos de substituição é exactamente esse: são de substituição, ficam à porta. Por isso, hoje deixo a minha receita do pudim Abade de Priscos. Com anos de sedimentação e com todas as adaptações que esse acumular pressupõe. A versão a partir da qual compus a minha interpretação foi retirada de uma receita do Chefe Silva, numa Teleculinária a que perdi o rasto, num dos meus momentos de reciclagens compulsivas. Mas a receita veio de lá, mesmo que eu não consiga detalhar a referência. Em todo o caso, fica a ideia, que não sou do género de me apropriar do que não me pertence. Eu dei um jeito a essa versão primeira. E o resultado é sempre este. Infalivelmente certo. E com aquela propriedade inqualificável que faz com que as reacções sejam sempre bem silenciosas, de quem está a gostar muito de viver uma coisa qualquer.
Na minha perspectiva, é o tipo de coisa que faz com que valha a pena perdermo-nos. A verdade é que declino facilmente doces que não valham a pena. Aquela teoria do "é ou não é" a funcionar, muito provavelmente. Normalmente, o problema dos mecanismos de substituição é exactamente esse: são de substituição, ficam à porta. Por isso, hoje deixo a minha receita do pudim Abade de Priscos. Com anos de sedimentação e com todas as adaptações que esse acumular pressupõe. A versão a partir da qual compus a minha interpretação foi retirada de uma receita do Chefe Silva, numa Teleculinária a que perdi o rasto, num dos meus momentos de reciclagens compulsivas. Mas a receita veio de lá, mesmo que eu não consiga detalhar a referência. Em todo o caso, fica a ideia, que não sou do género de me apropriar do que não me pertence. Eu dei um jeito a essa versão primeira. E o resultado é sempre este. Infalivelmente certo. E com aquela propriedade inqualificável que faz com que as reacções sejam sempre bem silenciosas, de quem está a gostar muito de viver uma coisa qualquer.
Pudim Abade de Priscos
25 gemas de ovos (na versão original eram 32) + 450 g de açúcar (na versão original eram 650) + 2 dl de água + 2 lascas de presunto (na versão original eram 50 g de toucinho) + 1 cálice de vinho do Porto + 2 chávenas (de chá) de açúcar para fazer o caramelo.
Antes de tudo, faz-se o caramelo. Eu faço-o da maneira mais simples, levando o açúcar ao lume numa sertã. Assim que começa a formar caramelo, mexe-se até ficar no ponto. A seguir, verte-se rapidamente na forma, derramando em primeiro lugar no centro e oscilando devagar, para que fique bem "untada". Este passo é muito importante, caso contrário, o pudim não desenforma como deve ser. Reserva-se.
A seguir, a água, o açúcar e as lascas de presunto (uso sempre duas e com alguns laivos de gordura, que é esse detalhe que faz com que o pudim fique ainda melhor). Leva-se ao lume e, a partir do momento em que começar a ferver, conta-se cinco minutos exactos. Decorrido este tempo, retira-se do lume e elimina-se o presunto. Junta-se depois às gemas, que foram previamente mexidas com o vinho do Porto. Sublinho o "mexidas" e não batidas. No momento de incorporar a calda, mexe-se com um batedor de varas e, logo a seguir, derrama-se para a forma. Leva-se ao forno em banho-maria durante 45/50 minutos, a 180ºc. Quando estiver pronto, retira-se da água e deixa-se arrefecer. Desenforma-se num prato largo e, a partir daí, cada um tem a sua experiência. Com a densidade que pede um doce que é assim desta maneira: denso.
A música tem uma cadência doce. Bem no espírito, creio.
Olá Mar,
ResponderEliminarPor norma existe um conhecimento que leva à curiosidade, ao querer provar.
Mas, quando eu provei este pudim desconhecia em absoluto a origem do nome e a lista de ingredientes.
Se soubesse provava na mesma? Julgo que a curiosidade levava a melhor, sim.
Se vou tentar reproduzir em casa? Não creio.
Porque é que gostei tanto do post? Por me ter visto ao espelho.
Sem meias verdades, sem substituições, ou é ou não é.
Ás vezes penso que talvez seja demasiado, mas é como eu sou: sem filtros.
E, ao entrar na cozinha, permaneço assim. Para cozinhar e para provar. Para o bem e para o mal.
Um beijo do Algarve, num retorno ao Verão (aliás, parece que agora é que chegou o Verão!)
Sandra Martins
Olá Sandra:
EliminarVerão como se ainda não tivesse havido, sim. O sol faz-nos um bem enorme. Especialmente quando nos falta prolongadamente, como foi o caso.
Eu achei que seria redundante estar a falar da origem. Creio que nos tempos que correm e dada a disponibilidade imediata de informação, é só inútil estar a ir buscar referências. A juntar a isso, não tenho pretensões de nenhuma espécie. Mas sim, causa estranheza o facto de ter toucinho/presunto e tudo o mais. É um dado pacífico.
Mas é uma daquelas experiências, comer um destes pudins. Quando é bem feito. Quando não, apetece-nos dizer mal da vida:) Há uns anos tive uma experiência terrível, num restaurante que gozava de fama intocável e que entretanto fechou. Um Abade de Priscos mal feito roça o pecado. Como é óbvio, não comi esse pudim e não voltei a esse lugar.
Gosto sempre do espírito declarativo. Mais fácil, resolve uma série de equívocos e antecipa questões.
Um beijo para si. Boa semana aí a Sul.
Mar
Este é "o" pudim. Das coisas mais maravilhosas que já comi. Mas este mesmo. O teu ;) É muito franca, a tua cozinha. E isso está nas tuas palavras, nas tuas acções, nas 25 gemas ;)...
ResponderEliminarSabes que o Zé é absolutamente fã! E sim, é recorrente nas nossas conversas pantagruélicas falarmos do teu pudim abade de priscos. Não tem comparação ;)
Beijo
Babette
Tão generosa, Babette:) Grata e feliz. Gosto muito que vos tenha sabido bem. É-me importante, isso.
EliminarEste pudim foi a sobremesa da primeira refeição que fiz aqui em casa, umas semanas antes do meu casamento. Muito especial e muito íntima, essa memória. Ainda estava a terminar a faculdade e fui tentar ver como é que se fazia o tal Abade de Priscos:) Lá me orientei, agora que penso nisso.
A minha maneira de fazer comida não é lá muito sofisticada nem isso. É num registo by heart. E a tentar fazer o melhor que puder. Tentar é sempre bom.
Um beijo de boa semana.
Mar
Mar,
ResponderEliminarÉ uma honra conhecer, ainda que virtualmente, alguém que consiga fazer Pudim Abade de Priscos 'à séria' (no limite da doçura).
Sou do Sul e quem é do Sul vê esse Pudim como uma espécie de lenda culinária, pois só quem tinha avós 'lá de cima' e ainda assim muito eruditas na matéria, é que o alcançavam.
E embora eu tenha tido uma avó muito querida e grande cozinheira 'lá de cima' (de Viseu), nunca provei.
Pois bem. Está decidido.
Um dia destes, seguirei as suas indicações e tentarei. Apesar de sentir que é coisa para demorar tempo até 'ter mão' para ele (se chegar a ter).
Não é?
:-) Obrigada, beijinho
Jo
Olá Jo,
EliminarQue linda:) Uma receita do Norte, mesmo. Percebo esse ponto. Eu faço este e aprendi a fazer um outro dentro do género com a sogra da minha cunhada, no Douro. Uma daquelas receitas de família.
Tente. Vai correr bem:) Não vai demorar nada a ter mão para o fazer. A única coisa que carece de vigilância é o tempo de forno, na primeira vez que o fizer. Os fornos são diferentes, por vezes. Daí eu ter dado o intervalo entre 45/50 minutos.
Obrigada, Jo. Um beijo para si.
Mar
O meu pudim preferido! Denso e intenso, como eu gosto. Basta-me um bocadinho...mas parece que a experiência de o provar e o sabor "param o tempo"!
ResponderEliminarE é verdade, também tive más experiências em restaurantes, e desisti de pedir!
Nunca o fiz por o achar difícil (e as 25 gemas também!!). Mas agora a Mar faz-me parecer tão fácil... Um dia destes vou experimentar!!
Beijinhos da Maria Jorge
Olá Maria Jorge,
EliminarA mim também me basta só um bocadinho. E creio que é por aí. Tal como disse. O tempo ganha uma intensidade diferente.
E não é nada difícil. Mesmo. Há coisas que parecem transformar-se em mitos. Se experimentar, que faça com que o tempo fique em suspenso um bocadinho:)
Um beijo grande.
Mar