Vanitas.






Bom mantê-la perto. Digo, a ideia dela. Da finitude. Da mortalidade. Da palavra que custa dizer. Ou pensar. O detalhe estará numa coisa muito elementar. Tudo aquilo que é nomeado, dito, identificado, é passível de ser integrado. E a vida com coisas integradas depois de pensadas, é uma vida que vale sempre a pena ser levada. Seja lá até onde for. O confronto. Ainda que custe muito. Ainda que doa. Acaba por determinar em grande parte a ética quotidiana de que vou deixando rasto. Aqui. E em outros registos mais ou menos silenciosos. A noção de que há um lugar para onde todos caminhamos é estranhamente libertadora. Por um lado, porque há nessa libertação uma componente de aceitação. Por outro, porque nos interpela ao mesmo tempo que nos diz para aceitarmos. Uma convocatória tácita. Podemos ignorá-la, fingir que não é nada connosco. Ou então, não. Há algum tempo que escolhi o segundo "ou". Por todos os "ses" que consigo conceber ou antecipar. E por saber que cada representação do belo e do bom invoca aquilo de nós que não quer morrer. Apesar de sabermos que sim o tempo todo.
A mesa que fica hoje traz a abstracção para a mesa. A grande questão acaba por ser mesmo a da Morte. Tudo o mais são maneiras que vamos inventando para nos aproximarmos de tudo o que nos pareça vagamente imortal. Como a beleza de uns sapatos. Ou a fragilidade de um corpo a extinguir-se. A ser capa de um livro que é sobre isso mesmo. Aquilo que de nós se extingue. Aquilo que de nós permanecerá. Vanitas. Foi essa a designação para a mesa. O nome para a representação inequívoca do mais inequívoco dos conceitos.


Partilho um texto que será, seguramente, um dos mais partilhados. A propósito da vida e da morte. Do amor e das perdas. Um dos muitos textos certos. Do género de dar dimensões certas às coisas mais incertas de todas.

http://news.stanford.edu/news/2005/june15/jobs-061505.html

6 comentários:

  1. Tao bonita esta mesa. Muito, muito, muito bonita. Tao bom pensar que estas coisas vao ficar. Estao registadas. Os nossos filhos podem recordar-se delas um dia. Inquieta muito essa ideia de finitude. Amedronta. Mas a consciencia dela tambem nos da poder sobre a vida. Temos de a viver com mais verdade, e isso. Sem desperdicios. Sobretudo sem deixar passar os pequenos momentos de felicidade.
    Um beijo de um teclado sem acentos ;) Outra vez ca em baixo...
    Babette

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  2. Olá, querida. Depois de algum tempo sem tentar, estou novamente a ver se o blogger aceita o meu comentário.
    Linda a tua mesa. Lindos os objetos efémeros que tornas eternos aqui. Acertadíssima a tua atitude perante a Morte. Gostaria de a encarar com a tua serenidade. Mas não consigo. Pensar nela amedronta-me. Não tenho medo da minha morte. Tenho medo da morte daqueles que amo. Essa sim, aterroriza-me. Por isso, também tento não deixar a vida passar em vão e valorizar as pequenas coisas de todos os dias. Nisso, coincidimos :)
    Um beijo,
    Ilídia

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  3. Querida Mar,

    Como gostaria de encarar a nossa essência dessa maneira. Pensar que fazemos um estranho caminho no sentido da libertação não é, infelizmente, a minha forma de encarar a finitude neste momento da vida. Sinal de imaturidade minha, creio... Sinto, sim, que na ética e na estética do quotidiano procuramos sublimemente exorcizá-la! Espaço de celebração da vida, a mesa da Mar como sempre tão especial, representa para mim isso mesmo e provocou em mim um misto de inquietação, mas também admiração.

    Um beijo inquietante. E se o que estiver para além dele for o mais bonito então valerá a pena!...Lembrei-me da Zé Mário Branco neste momento.

    Com carinho
    Isabel

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  4. Bom que tenhas gostado da minha mesa inequívoca. E sim. Essa componente de registo é muito bonita. Só por isso, creio. Enquanto exercício de memória valerá por si. As memórias desencadeiam muito. Gosto dessa versão consciente. E ter um poder possível sobre a minha existência. Uma declinação muito grata dessa espécie de poder, é esta: pôr uma mesa e celebrá-la.

    Um beijo para ti. A ver se páras quieta por uns dias:)

    Mar

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  5. Olá Ilídia:

    O meu marido diz que o meu raciocínio é no abismo. Talvez. Em todo o caso, o meu raciocínio no extremo faz com que, estranhamente, a vida seja leve. Muito. Mesmo quando faz de tudo para ser pesada. Acontece que não dá para ser de outra maneira, em mim.
    Bom que tenhas gostado da mesa que é como todas as outras: efémera. Obrigada.

    Um beijo.

    Mar

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  6. Olá Isabel:

    É assim porque sim, em grande parte. E por outras coisas que não são de registar aqui. Mas o ponto é que se pensarmos bem, somos de uma inconsciência enorme. Todos os dias na manutenção de uma série de equívocos. Como se partíssemos sempre do único princípio que não pode ser garantido.
    E é tão grande, isto de estar aqui. Mais um dia. E outro. E todas as pequenas coisas finitas de um dia depois do outro.
    Fico feliz por ter gostado da mesa. Gostei desse léxico a propósito. Obrigada.

    Um beijo para si. Que seja boa, a sua semana.

    Mar

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