Primeira classe.




























Acho que já disse algumas vezes isto. Que é manter este registo por causa dele. Do meu filho. E então, isto existe em grande parte por causa dele. Nasce nele a minha vontade de registar aqui algumas das nossas coisas. A comida. As mesas. Os lugares. É para que ele leia. Para saber pelas minhas palavras como foi. As imagens. As coisas que lhe souberam bem. Memórias de uma mãe imperfeita. Mas com aquele amor. Aquele que é incondicional. Aquele que não é sujeito a fim.
Agora sim. Lê. Pode dizer de pleno direito que lê. Por ter acabado a primeira classe. No dia mais longo do ano, passei horas longas à espera que a primeira classe do meu filho terminasse oficialmente. Até que soube bem, esperar. E como eu detesto esperar. Mas naquele dia foi bom. Como se os dias todos de um ano coubessem ali. Naquela circunstância muito serena. Muito silenciosa.  
A professora disse que ele espalha vida no recreio e que se porta bem na sala. Que quer muito fazer as coisas bem e que às vezes tem demasiada pressa. Que a letra dele teima em sobrevoar as linhas direitas do caderno. Adora contas. Números. Tudo tem de ser quantificado, medido, objectivável pelos números. E é um menino muito alto, ele. Passa por ser mais velho. E isso nem sempre é bom, porque lhe retira o direito de ter as atitudes próprias de um rapazinho de sete anos. Mesmo que pareça ter nove ou dez. E é curioso. Muito. A professora disse coisas assim. E nós ouvimos.Também falámos. Mas não muito. O espaço era dele e da professora. Ficou claro, desde o início do ano. Que o trabalho dela seria merecedor de um respeito enorme. Muito grande, a tarefa de ensinar as primeiras letras a alguém. Eu tinha deixado espaço para isso. Só sabia escrever o nome, antes de passar para as mãos da professora. Confiei-lhe o resto. Ficou bem entregue, ele. A nossa felicidade por isso. E pelo registo de "muito bons".
Para ele, uma sopa com uma cor cheia de vida. Assim como ele é. Cheio de vida. Eu sabia que ele ia gostar. Não adivinhava é que iria tornar-se na sopa preferida do meu filho.

Creme de beterraba e cenoura

1 cebola + 1 courgette + 5 cenouras + 1 beterraba + água, sal e azeite q.b.

Todos os ingredientes juntos e partidos em pedaços (a courgette sem casca e passada por água, depois de cortada). Um fio de azeite e um bocadinho ao lume. Depois, acrescenta-se água aos poucos, até cobrir os legumes. Um pouco de sal. E deixar cozer. Depois, passa-se com a varinha, até ser um creme muito vermelho. Se necessário, mais azeite e mais sal.

Com o creme vermelho, as nossas mãos. Muito juntas. Dentro das minhas mãos, as mãos do António. Até chegar o dia em que não. Que serão as minhas dentro das mãos do meu filho. Seja. É assim que deve ser. Mas queria que voltassem sempre, as mãos dele. Uma e outra vez. As mãos das mães sabem estas coisas. Que a partir de uma certa altura, as mãos dos filhos começam a querer mundo. E que saber deixar ir também é amar. Como a sopa que o faz feliz. Uma forma de amor.

19 comentários:

  1. Que texto tão bonito! Adorei a foto das vossas mãos entrelaças!
    Um beijinho da Maria Jorge

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  2. Um blog feito de amor, onde os sabores, a palavra e a imagem se combinam de uma forma singular.
    Já não dispeno a sua visita regular, e o bem que ela me faz!...

    Obrigada ao Vasco que me deu a conhecer o blog da sua mulher num jantar de professores de filosofia, em Tondela.

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  3. Perdão, o meu nome é mesmo Isabel Fonseca.

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  4. Olá Maria Jorge:

    Feliz por ter gostado. Do texto. E das mãos entrelaçadas.

    Um beijo para si. Com gratidão.

    Mar

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  5. Olá Isabel:

    Lindo que lhe faça bem. E que tenha chegado aqui através dele. Do Vasco. Não fui a esse jantar para ficar com o meu filho. Ele pediu-me e eu disse que ficava. Não nos conhecemos, então. A ver se sim. Obrigada pela visita regular. Pelas palavras que deixou hoje. Que devolvem o bem.

    O nosso carinho para si.

    Mar (e Vasco:)

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  6. Mar,

    parabéns pelo seu rapaz : )
    que bom 'ler-vos'

    fez-me lembrar o meu João, que em menino adorava números e sempre foi o mais alto da turma, sempre a parecer que tinha que ter mais juízo que os outros. Sofrem um pedacinho com isso, e nós também,
    mas vão crescendo viçosos, pois então : )

    hoje é um adolescente com 1.90 e barbas, o meu rapaz espigadote : ))
    a matemática já era, apaixonou-se por filosofia

    E eu por ele, todos os dias da minha vida : )

    beijo grande

    Jo

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  7. As palavras da Mar enchem-nos de ternura. Palavras de uma Mãe Perfeita, nas suas imperfeiçoes, como nós Mães, somos. Parabéns ao António por finalizar o 1º ano.
    A Maria João finalizou o 2º ano, cheia de alegria, super feliz.Já me disse esta semana que já tem saudades da escola. É tão bom vê-los assim...
    beijinho

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  8. Mais uma conquista do teu menino. E vossa:) Linda, a fotografia das vossas mãos. Muitos parabéns. Dá um beijo meu ao António. Se eu não morasse tão longe, fazia-lhe um bolo de super heróis para comemorar as boas notas :)
    Um beijo da tua amiga Ilídia (ainda às voltas com os exames)

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  9. Olá Jo:

    Um filho apaixonado por Filosofia. Também tenho disso cá em casa:)
    Achei graça a isso de crescerem viçosos.
    Obrigada pelo retrato com vida do seu João que gostava muito de números e que se apaixonou pela Filosofia.

    Um beijo para si. E um outro para o seu filho com 1.90:)

    Mar

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  10. Cada uma das fases nos enche de encantamento e de ternura. Imperfeição e perfeição. Curioso, como a palavra perfeição é tão mais definitiva. Tão mais inapelável. Gosto de mães imperfeitas. Mais densidade e humildade, nisso.
    Um beijo pela alegria da sua Maria João. Pela ternura desse imaginário livre das crianças.

    Mar

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  11. Olá amiga às voltas com os exames:)

    Mais um passo, sim. Havia de gostar de um bolo de super-heróis, ele. Agora anda na onda dos vampiros. Até que acho piada ao imaginário gótico e romântico dos filmes da Bella e do Edward. Estás a ver como são as coisas? O fenómeno passou-me ao lado durante anos e agora vejo os filmes com ele e já sei os nomes das personagens e tudo:)

    Um beijo para ti. Vai passar:)

    Mar

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  12. Atrasada no meu registo aqui. Mas os dias nem sempre são fáceis, como sabes. Mas ainda assim fica um beijo grande e um abraço apertado ao António. Que triunfou. Estão de parabéns! As vossas mãos juntas são um poema. A valer mais do que muitas palavras...
    Um beijo
    Babette

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  13. Ficou muito bem registado o termino da primeira classe do seu filho, com uma sopa e um texto muito bonito.
    Parabéns ao seu filho e aos pais que também se esforçam para que tudo lhe corra bem.
    Um beijo, Graça

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  14. Mais um texto que me fez choramingar! Que queres?! Histórias lindas e doces de mãe, filho/a, têm sempre esta reacção em mim...

    É bom vê-los conquistar estas etapas, seguros, eles, orgulhosos, nós! Também a minha L. começa agora uma nova fase. Ansiosa, ela, assustada, eu. Acho que é normal, não? Acho que tenho perdão. Por não querer dar-lhe este novo par de asas, por querer segurá-la ao ninho, a mim...egoísmo terno de mãe!
    Mas tem de ser, faz parte do (bom) percurso da vida. E que seja sempre assim, ao menos assim, entrelaçados, todas as mães e filhos/as deste mundo...

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  15. Esquece isso dos atrasos. Não há disso. As coisas ficam aqui. O resto acontece no tempo que for o certo. Ou o possível. Obrigada pelo poema que disseste. Mãos juntas a serem poema. Ele é feliz. Sou feliz por isso. Creio que o mais terrível nisto de se ser mãe, é que a nossa felicidade depende inteiramente da felicidade deles. Que mãe é feliz se um filho não o for? Tão definitivo quanto isto.

    Um beijo para ti. Pelos teus dias cheios. Férias. Uma palavra doce. Ou salgada. Por fazer pensar em mar:)

    Mar

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  16. Olá Graça:

    Uma sopa é uma manifestação sempre terna e quente, creio. Acolhe e nutre. O corpo e os afectos. Obrigada pelas suas palavras. Agora associadas a um momento lindo da vida do meu filho. E nossa.

    Um beijo.

    Mar

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  17. Temos sempre de equilibrar essas palavras todas. E as mais que vierem. Temerosos, ansiosos, felizes, francamente orgulhosos. Um nunca acabar de palavras com coisas que sentem.
    Tento imaginar como estará a tua menina. Deve estar alta. E deve continuar a ser esguia, como se fosse bailarina. O brilho dos olhos deve ser o mesmo. Encantador. Contagiante. Vai correr bem, vais ver. Estarás com ela, tudo o mais correrá bem.

    Um beijo para ti. Obrigada. Estás sempre. E não te vejo há tanto tempo.

    Mar

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  18. Lindo o teu texto do fim do ano do António, com a sopa que agora ele prefere. E que ontem provei, na tua mesa, a sopa da cor bonita e que não se adivinha para a sopa. Uma maravilha! Junto com todo o nosso jantar verde :)
    Gostei da fotografia das vossas mãos, dos teus dedos com muitos anéis, com os deditos dele a aparecerem, e da imagem das mãos dele, daqui a uns anos, a rodearem as tuas. A protegê-las!
    Um beijinho meu, que tenho andado longe dos blogues!
    da Pipinha

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  19. Pelos vistos acertei na ementa:) Depois dos vossos eventos familiares.
    Tu e o meu António são muito conservadores na comida. E gostaram os dois da sopa vermelha, vês?
    Ficaram as nossas mãos juntas. E ele diz que gosta de ver as minhas mãos assim: com anéis. Um deles foi ele que me ofereceu. O do labirinto foi o pai. E o outro há-de ser para ele. Um dia.

    Um beijo.

    Mar

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