Drive.






























Não sei bem o que é que impulsiona o quê. Se é a estrada. Se é eu gostar muito da metáfora que é cada um dos nossos caminhos. Se é a música que ouvi pela primeira vez há não sei quanto tempo. Muito. Já posso dizer coisas dessas. Há muito tempo. Há muitos anos. Andava eu de sapatilhas. Com uma mochila Eastpak verde. A dizer muitas vezes que nunca iria ter uma carteira. Que nunca iria usar sapatos de menina. Coisas que os nossos caminhos nos ensinam. Acabou por ser de outra maneira. Com a mesma naturalidade com que usava as minhas sapatilhas e as minhas calças de ganga, largas e abaixo da cintura. Para infelicidade reiterada da minha mãe:) Essa era eu, há muitos anos. A entrar numa espécie de arena, para ir ouvir os Incubus. E é um exercício de rememoração curioso, ouvir a mesma música, numa circunstância mais à frente. Só por haver uns anos entre aquilo que eu era e aquilo que eu sou. E sei que nesse entretanto, a substância não mudou em nada. Aquilo que me fazia ir. Aquilo que me fazia estar de braços abertos. Aquilo que me encaminhava para o dia seguinte. Isso está aqui. Mesmo que agora eu tenha de medir melhor os passos. Por causa dos sapatos altos nas pedras ou isso:) Mas ainda assim. Estar assim. Ser assim. A olhar em frente com aquela propriedade inqualificável que nos faz andar para a frente. Com ou sem direcção. Com ou sem objectivo.
No dia das imagens havia um propósito. Uma iguaria para alguns. Uma coisa da qual se deve manter distância, para outros. Lampreia. Um ritual de todos os anos. Nesta altura do ano é assim. Faz-se o caminho até Sever do Vouga. Até bem perto do rio. Segue-se por uma estrada sinuosa. Cheia de árvores muito altas. E água ao fundo da tal estrada sinuosa. É o rio Vouga. A água de onde vêm as lampreias que para mim são uma iguaria. São o mês de Fevereiro, as iguarias avinagradas que fazem com que se percorra uma estrada sinuosa. E pensar que o caminho até às coisas que queremos vale por si. Que é bom de fazer. Com todas as curvas. Com todas as bifurcações. Com todas as paragens pelo meio. Não faz mal parar no caminho. Nem faz mal hesitar. No fim, anda-se sempre em frente. Em direcção ao que está para vir. Ao amanhã a haver.

12 comentários:

  1. Um dos meus poucos preconceitos gastronómicos, devo confessar.Mas sim, iguaria para a maior parte das pessoas! Tivesse eu coragem de saber se é ou não! É daquelas coisas em que sou realmente infantil, quando digo que não gosto. Lembro-me da minha Princesa de Olhos Grandes, que condena, mesmo sem provar. Pronto, tal mãe, tal filha, neste caso...
    Quem sabe, um dia! E nesse lugar, que mesmo com a tal "estrada insinuosa", é lindo, de certeza! Beijos nossos

    ResponderEliminar
  2. Que engraçado, tenho uma fotografia há muitos muitos anos com essa mesma ponte de fundo..... Que recordação tão boa que agora tive!
    Obrigada Mar

    ResponderEliminar
  3. Sabes que me lembrei de ti?:) Sabia que a minha amiga de olhos brilhantes não iria gostar nada deste post:) Lembrei-me dessa tua aversão. Ou preconceito. Terá a ver com aquelas coisas de sangue. Comigo também acontecia assim. Não tinha provado, mas dizia que não gostava. E um dia provei. E gostei:) Vá-se lá saber.
    Este lugar faz-me regressar ao meu estágio. Tinha de fazer aquela estrada todos os dias. É bem bonita. Mas sinuosa. E perigosa.

    Beijos nossos para as duas.

    Mar

    ResponderEliminar
  4. Que bom que esta memória signifique uma memória. Fico feliz por saber. Obrigada por isso. Pelo desencadear de uma memória grata de há muitos anos.

    Está a ver como a gratidão também é minha?:)

    Mar

    ResponderEliminar
  5. A única vez que comi lampreia foi há já alguns anos, quando estava a tirar o curso. Gostei mas nunca mais se proporcionou repetir este prato.
    O mais importante nesta vida é ter um objetivo e percorrer o caminho para conseguir alcançá-lo. Nem sempre é fácil mas é necessário apreciar as coisas bonitas dos caminhos sinuosos que nos levam ao lugar tão desejado.
    Bonitas as fotos!

    ResponderEliminar
  6. Olá Mar,

    Uma iguaria para mim também. E como mais gosto, à bordalesa, feito pelas mãos carinhosas da minha mãe que cozinha lampreia como ninguém. Para mim vem mais lá do norte do rio Cávado, apanhadas na foz do rio, em Esposende. Que para mim tem um sabor incomparável. Tenho pena de não a saber preparar, apesar de vezes sem conta ter visto como se fazia. Confesso que também me repugna um pouco a preparação.

    Um beijo com carinho.

    Íris

    ResponderEliminar
  7. Nunca comi lampreia, talvez por isso não sinta "ainda" prazer nessa iguaria.
    Mas o que eu gostei de ler foram os seus comentários sobre o passado caminhando para o futuro. A Mar consegue uma ponte perfeita para os sentidos de quem a lê. E eu senti a sua força, o gostar do que se fez ontem e continuar a gostar hoje.
    Eu confesso que fui perdendo esse sentimento mas o seu blog tem-me ajudado a recuperar "good feelings"
    Obrigada
    Helena Mendes

    ResponderEliminar
  8. Não é uma iguaria para mim... Mas respeito os gostos e os rituais de quem a aprecia. Mas gostei da tua maneira aparentemente simples de fazer a ponte entre o passado e o futuro. Não deixando de ser muito claro que te move o presente.
    Um beijo.
    Babette

    ResponderEliminar
  9. Olá Graça:

    Foi há uns anos, a primeira vez que comi lampreia. E por causa do meu marido. Mais propriamente por causa deste ritual que era só dele e da mãe dele. Passei a fazer parte. E não ia estar a olhar sem provar:) Aconteceu gostar. Mesmo que saiba que só me apetece uma vez por ano. Mais não. E gosto sempre do caminho até chegar ali. Ou dos caminhos todos até chegar às coisas de que gosto. É assim. Obrigada por isso de gostar das fotografias. Acredite que o mérito é do sítio. É muito bonito.

    Mar

    ResponderEliminar
  10. Olá Íris:

    Tenho ideia de ser um ritual pouco agradável, o da preparação da lampreia. Não fazia parte das minhas memórias, até há uns dez anos. Gosto que lhe lembre a sua mãe. E a maneira que é só dela. Fico feliz por isso. E sim, à bordalesa. A versão mais franca, parece-me. Em que se sente melhor o que é já por si intenso.

    A minha gratidão.

    Mar

    ResponderEliminar
  11. Olá Helena:

    Bonita, essa imagem da ponte. Não sei. Acontece que umas coisas evoquem outras, muito provavelmente. A estrada até ali fez-me pensar na música. E com a música, veio a imagem de há uns anos. Bem diferente da de agora. Mas com coisas que ainda estão aqui.
    E sabe, queria muito dizer obrigada. Por ter escrito. E pelas coisas que escreveu. Que são de agradecer.

    Mar

    ResponderEliminar
  12. Bem que me ocorreu que não gostas de lampreia. Ainda não tínhamos falado disto. Mesmo que já tenhamos falado de muitas coisas. E sim, é um ritual. Cumprido uma vez por ano. Não consigo mais, que fico um bocadinho farta:) Um ou dois pedaços da tal iguaria e já está. Já dá para o ano a seguir:) Mesmo que eu não consiga perspectivar-me num ano a seguir. Peço interiormente para que sim. E no entretanto, vou gostando muito de cada um dos dias. Mesmo que às vezes custem. Faz parte.

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar

AddThis