Faz de conta.





























Para mim, é a maneira de iniciar uma refeição. Seja qual for o contexto. Por mais apelativas que sejam as entradas. Por mais rebuscados que sejam os ingredientes. Por mais que as circunstâncias peçam outras coisas. Uma sopa. E o tanto que pode haver numa coisa tão elementar. A começar pela sensação de nos reconciliarmos com o que tiver de ser. Por ser uma espécie de afago, talvez. À distância, quando penso em casa, penso numa sopa. À distância, quando quero que um sítio qualquer seja uma casa, penso numa sopa. E está tudo bem de repente. Assim sem mais.

Esta é uma possibilidade especialmente simples. Muito de aldeia num Inverno diferente deste que tem sido. Como não parece Inverno, temos de fazer de conta. Faz de conta que se está numa casa de pedra. Faz de conta que chove muito. E está frio. Faz de conta que se está junto a uma lareira. E que recebemos um afago quente, numa tigela azul.


Sopa de couves galegas

2 cebolas médias + 2 batatas médias + 2 courgettes (sem a casca) + 5 folhas de couve galega + azeite e sal q.b.

Um refogado breve, com as cebolas e um pouco de azeite. Depois disso, as batatas e as courgettes partidas em cubos. Preenche-se com água, até cobrir, junta-se um pouco de sal e deixa-se cozer durante 20 minutos, tendo o cuidado de reduzir o lume, mal comece a ferver. Transforma-se em creme, com a ajuda da varinha mágica e acrescenta-se as couves (cortadas grosseiramente). Mais um fio de azeite e sal (se necessário) e espera-se que as folhas das couves fiquem no ponto. Que é não permitir que fiquem demasiado cozidas.

A música é por ser linda. E porque no imaginário que pede Inverno a sério, bem que podia estar a ouvir David Sylvian. Let the happiness in. É o que diz a música.

10 comentários:

  1. Mar,
    Essa sopa sabe-me a infância. Era a sopa mais comum lá em casa, que couve galega não faltava no quintal. Chamava-lhe sopa farrapada ou esfarrapada por causa da forma como a minha mãe cortava as couves, arrancando com as mãos pequenos pedaços às folhas.
    Beijinhos

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  2. olá minha Mar!
    Ao ver uma reportagem na TV em que se falava de crianças que chegam à escola com fome, fiquei chocada com o exemplo apresentado- uma criança que estava na escola sem ter comido desde o jantar do dia anterior e...pasme-se...o que tinha sido o jantar? Flocos!Perguntei a mim mesma o que aconteceu a estas gerações que esqueceram os hábitos dos seus pais e avós!Será que uma sopa de feijão com alguns legumes ficará mais cara que os famigerados flocos? Teremos de, para além dos filhos,educar os pais?Este é um dos aspetos da verdadeira crise...a mentalidade...e essa é muito difícil de alterar!
    Um viva para a sopa e para todos nós que não a dispensamos nas nossas mesas! E que apelativas ao olhar e sabor elas podem ser!

    A minha magnólia branca leva-me à Mar sempre que chego ao jardim!Está esplendorosa!
    Aquele abraço!
    Emília Melo

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  3. Adivinha o que fiz hoje para o jantar... canelones de couve galega da minha horta. A sopa foi de abóbora, mas não faltou. Nunca falta. É um hábito que faço questão de incutir ao Manel. E ele nem refila. Já sabe que não vale a pena :)
    Gostei da tua sopa servida numa tigela azul. Numa mesa azul. E gostei dos guardanapos. Gostei de tudo :)
    Beijo

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  4. Mar,

    Couve galega sabe-me a aldeia, frio e Natal. E a sopa. A sopa da minha mãe. E também para mim sopa é casa. O aconchego de uma manta e o conforto de uma sopa quentinha que reconforta a alma naqueles dias impossiveis.

    Um beijo para si.

    Íris

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  5. Olá Carla:

    Vou confiar-lhe uma coisa. Quando estava a escrever a receita, não consegui que me ocorresse a palavra certa para designar a maneira como as couves deveriam ser cortadas. E sim, é assim como a sua mãe fazia. Sopa esfarrapada. Feita de pedaços pequenos arrancados às folhas. Está a ver como acrescentou tanto? Obrigada.
    Esta sopa também me faz lembrar as sopas de Inverno da minha mãe. E o mais curioso é que, quando era pequena, não gostava especialmente destas sopas. Preferia os cremes. Mas a minha mãe fazia sopas destas no Inverno. Dizia que ficávamos mais fortes. Por serem mais substanciais. E tinha razão. Sopa feita com couves que há nos quintais. Como acontecia consigo, quando era pequena.

    Beijo.

    Mar

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  6. Olá Emília:

    A crise real será essa. E confirma muito do que a minha mãe me ensinou, indiferente às manias que havia na altura, de conservar as meninas alheias às coisas de casa. Insistia para que aprendêssemos a fazer as coisas. Por aquilo de não se saber de que é feito o futuro. Queria que fôssemos aquilo a que chama de "mulheres orientadas". Que soubéssemos ir às compras. E aproveitar as coisas da época. A fazer sopas. E comida com muito. E com pouco, para o caso de ser necessário. A evitar desperdícios. A reaproveitar. Coisas assim. Preciosas. Que ficam. Que fazem com que saiba que o valor de uma sopa não será superior ao de uns flocos. Creio que o que aconteceu durante demasiados anos é que se perdeu a ligação a uma série de coisas do domínio do concreto. Conjugada com um certo deslumbramento com modos de vida assentes em especulações (literais). Coisas que faziam com que me fosse possível ver laranjas a cair das árvores, de podres. E a seguir, encontrar os donos das árvores a comprar laranjas. No supermercado. Vê-se menos disto, agora. Um sintoma. A juntar às coisas todas que parecem irreversíveis.
    Que bom saber que já há flores de magnólias perto de si. Aqui é sempre mais tarde. Obrigada por me ver nas suas flores, minha Emília. Para mim, também está nas flores das magnólias. E nas camélias.

    Um abraço para si.

    Mar

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  7. Tem de haver sempre sopa quentinha:) Mesmo que haja reclamações. O António gosta desde sempre. Eu sei quais são as de que não gosta nada. E tenho isso em conta. Mas come sopa feita pela mãe todos os dias. Uma coisa pequena de todos os dias, a sopa que lhe dou.
    Obrigada por teres gostado assim dessa maneira franca. Um gostar que te define. Franco. Declarativo.

    Um beijo.

    Mar

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  8. Nesses dias impossíveis, enquanto não tenho meios de lhes escapar, a ideia de haver uma sopa no final de tudo, toma conta de mim. Uma imagem maternal, que vem à ideia. A dizer que está tudo bem, que vai haver uma sopa quentinha, quando o dia impossível terminar. O seu comentário fez-me pensar nisso. E em mais coisas que reconfortam como uma sopa. Obrigada.

    Um beijo com carinho para si, Íris.

    Mar

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  9. Apesar de não apreciar particularmente sopa de couve, gosto muito de sopa em geral e marca presença na mesa praticamente todos os dias. É significado de conforto, bem-estar e preocupação por ser algo saudável. Se houvesse um prato de sopa quente em todas as mesas, muita coisa seria diferente.

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  10. Olá Graça:

    Creio que sim. Que muitas coisas seriam diferentes, se houvesse um prato de sopa quente todos os dias. Acaba por ser uma espécie de metáfora, uma sopa. E também o melhor dos pontos de partida para qualquer refeição.
    Costumava partir do princípio de que toda a gente sabe fazer uma sopa. Não é bem assim, pelos vistos. Uma pena, por ser um passo enorme no sentido da autonomia. Um sentido que me é especialmente caro.

    Obrigada pelo que acrescentou ao meu post sobre uma sopa frugal. E um bom fim-de-semana.

    Mar

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