"Nós só perdemos aquilo que não damos."



Se vivesse perto de mim, seria o que lhe ofereceria hoje. Comida a saber a uma casa de campo no Inverno. Não vive perto. Por isso, à distância, um presente em forma de comida. Muito provavelmente, é aquilo que tenho de melhor para oferecer. A comida. Foi por aí que começou. Aqui. E então, o registo teria de ser também aqui. Pelo primeiro aniversário de uma amizade. Coincidimos. Aconteceu assim. Mesmo que pela ordem natural dos percursos, essa não fosse uma possibilidade. Não andámos no mesmo liceu. Não estudámos as mesmas coisas na faculdade. Não havia amigos comuns ou assim. Nada. Não havia nada que tornasse possível isto de estar a escrever para assinalar a dádiva de uma pessoa como ela. Dizer os afectos. Eu acho que gosto de dizer as coisas. Mas gosto ainda mais de as viver. E tem sido assim. Há um ano que sim. Hoje fica o primeiro ano. E um presente. Por saber que gosta. Por saber que gostaria de ter míscaros para o jantar. Feitos em silêncio num dia de chuva. A pensar que gostava mesmo que pudessem ser para ela. Hoje.

Míscaros para a Babette

1 quilo de míscaros + 1 chouriça + 1 cebola picada + metade de 1 pimento verde + 1 cenoura ralada + 1 colher (de sopa) de pimentão doce + 1 copo de vinho branco + sal, azeite, pimenta preta e coentros q.b.

Faz-se um refogado com a cebola, a cenoura e o pimento. Junta-se depois os míscaros e a chouriça (partida em pedaços pequenos), mais o pimentão doce, o vinho, um pouco de sal e os coentros picados. Fecha-se o tacho e deixa-se cozinhar durante cerca de vinte minutos. No final, se necessário, rectifica-se os temperos. Normalmente, basta moer mais um bocadinho de pimenta preta e salpicar com coentros frescos, mesmo antes de servir. Com pão consistente e um copo de vinho tinto.

Obrigada. Porque a amizade que faz agora um ano me ensinou mais a perceber o sentido real do título deste post. Muito certa, esta formulação de José Tolentino de Mendonça. A ver se nunca me esqueço disto. Isto de lembrar que só perco aquilo que não dou.

14 comentários:

  1. Querida Mar,

    Que sopa deliciosa! Parece que foi há tanto tempo. Um encontro percepcionado primeiro e só depois divulgado.

    Um beijo para uma amiga muito especial

    Fa

    ResponderEliminar
  2. Ontem estiveste a nossa mesa, num brinde que fizemos a ti e a todos os nossos no restaurante que tu sabes... Gostei, sabes? Tinhas dito que sim... Um brinde a uma amiga que provavelmente nao ia cruzar a minha vida. Mas que tinha ja percorrido varios caminhos comuns em sitios que sao de ambas. Que bom que estas na minha vida. E que me das miscaros e tudo!... Que a vida nos permita somar muitos aniversarios. Com muito afecto,
    Babette
    PS. a teclar de um PC sem acentos...

    ResponderEliminar
  3. Este mundo virtual nem sempre é frio e falso. Vós sois a prova disso.
    Também eu brindo a esta amizade bonita. Parabéns às duas...

    ResponderEliminar
  4. E tudo por causa de um blogue. Se não fossem as Coisas d'Amar e A Festa de Babette, a vossa amizade nunca teria acontecido. Cada vez estou mais feliz por também ter criado o meu. A melhor dádiva é, sem dúvida, estas amizades improváveis.
    Um beijo
    Ilídia
    P.S. Está quase! Estes últimos dias têm sido longos e difíceis. Imagino que os seus também.

    ResponderEliminar
  5. Bom poder ver como sim, como é uma coisa boa a amizade que cresceu entre as duas. Fico contente pela minha amiga que para mim é Isa, e também pela Babette, que não conheço assim de estar mesmo, mas que adivinho pelo blog, e pelas partilhas, partilhadas aqui, com todas nós. Os dias que ficam mais por passarmos cá. Há um ano.
    Um beijo a ambas.
    A história das partilhas partilhadas... depois ensinas-me Isa :)

    da Pipinha

    ResponderEliminar
  6. Olá Fa:

    Está presente desde o início, também. Desta maneira especial, também. E sim, foi uma coisa de percepção. De cruzamento de sensibilidades.


    Um beijo para si.

    Mar

    ResponderEliminar
  7. Olá Babette a teclar de um PC sem acentos:)

    Que bom que gostaste de mais um dos meus lugares em Lisboa. Agora teu. Vosso. Mais uma coisa deste coincidir. Sabemos que um determinado restaurante é de ir. Ou um hotel. E o resto. Que é mesmo o mais importante. Os afectos que nascem da comida.
    Obrigada pelo brinde. Por existirem os dois. E sim, que a vida permita somar os aniversários todos que houver.

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar
  8. Pois não. Nada de frieza e de falsidade. Neste registo virtual que dá sinal de coisas reais. Tenho aprendido muito sobre os afectos, aqui. E revisto muitos pressupostos.
    Obrigada por estares.

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar
  9. Sim, Ilídia. Dificilmente teríamos acontecido nas vidas umas das outras, caso não houvesse isto dos blogs de culinária. E assim, a Babette chegou a um blog que não é assim mesmo uma coisa a sério. Por causa de uma certa ideia para uma refeição de Natal. Ainda bem que assim foi, que tem sido uma viagem muito bonita.
    E sim. Está quase. E é melhor nem falar destes últimos dias. Tornar-se-ia um exercício cansativo. Para quem lê, digo. Melhor poupá-la aos pormenores destes dias. Hão-de passar. Mas neste momento, se quer saber, o que me apetece com mais persistência é a solidão. E silêncio. E não ter de dar opiniões. Queria a minha solidão do final da noite de Natal. Quando o mundo está quieto.

    Um beijo. Que esteja bem. Que já percebi que estará a sentir coisas semelhantes.

    Mar

    ResponderEliminar
  10. Olá Pipinha:

    Hás-de conhecer a Babette. Que também já faz parte dos nossos diálogos. Hás-de dar-lhe um rosto. E vais ver que é o reflexo das coisas discursivas que temos partilhado.
    E eu não tenho nada a ensinar. Talvez consiga ensinar coisas aos alunos. Talvez consiga isso. No resto, não. Não parece correr bem. As coisas deviam ser simples como os textos instrucionais. Como estes das receitas, que são exequíveis.

    Um beijo.

    Da Mar que para ti é Isa desde pequena. A parte de Mar veio na adolescência.

    PS: Não tenho conseguido arranjar uma única circunstância para te ligar. E estou cansada. E triste por não conseguir arranjar tempo para mim.

    ResponderEliminar
  11. Boa noite Mar
    Não posso deixar de dar graças, como fez a Babette,por ter entrado no vosso mundo quase logo desde os primeiros tempos. O que ganhei!
    Reli todos os posts, desde o 1º dia, na festa da Babette e reli a minha primeira entrada neste refúgiode final de dia.O que então disse não se alterou.Ganhei muito...direi até que rejuvenesci...uma lufada de ar fresco entrou no meu dia a dia e não foi só na materialização do belo nas mesas de celebração!O ler-vos e ver-vos desencadeou em mim o tal agir, aquele que,muitas vezes, precisa de algum estímulo para não se acomodar. Obrigada por existirem desse lado.As flores que gostava de vos ter entregue, no vosso dia no Xis, continuam vivas tal como desejo que esteja sempre a vossa amizade.
    Um abraço,aquele emocionado
    Emília Melo

    ResponderEliminar
  12. Querida Mar,
    Também a si lhe peço desculpa pela minha ausência, toda devida à minha vida profissional que, nesta altura, como a Mar tão bem sabe, exige demasiado de nós porque envolta em avaliações e burocracias afins.
    Apreciei deveras este hino à sincera amizade que nutre pela Babette. Só perdemos aquilo que não damos. É bem verdade!
    Um post de afetos. A essência da vida, portanto.
    Despeço-me com um abraço, ainda virtual.
    Patrícia

    ResponderEliminar
  13. Bom dia, Emília:

    Escrevo-lhe num domingo de manhã. Depois de dias muito difíceis. Por motivos que até podiam ser verbalizados. E por outros que não. Que ainda não consigo dizer. Por estarem em processo de interiorização. Isto para dizer que chegar aqui e lê-la me fez bem. Muito bem. Como todas as vezes em que escolheu escrever. Por isso, a minha gratidão. Porque a sua presença desse lado fez com que os dias fossem melhores. Mesmo quando não escreve. Eu penso que está aí. E que isso basta por si. Em todo o caso, é sempre lindo lê-la. Acrescenta-me sempre. Devolve-me sempre um olhar renovado.
    As flores-metáfora do Xis estão vivas. Recebemo-las. E sabe, as flores que nos quis oferecer nesse almoço são as suas palavras. Sempre generosas. Sempre carinhosas. Obrigada por cada uma dessas flores, então.

    Um outro abraço emocionado para si, Emília. É bom sabê-la aí.

    Mar

    ResponderEliminar
  14. Olá Patrícia:

    Afogada nessas burocracias, também. E em outras coisas menos boas. E assim, este reduto é um bálsamo. Pelas coisas que aqui são deixadas. E muito pelos encontros que acontecem. Como aquele que é descrito. E os outros que vieram, entretanto. Como o nosso coincidir ainda virtual. E com a Ilídia. E saber que algures lá para a frente, irei aos Açores por causa de duas pessoas. Eu sei que vai ser assim, que conheço bem essa minha dimensão. E é bom perspectivar isso. Enquanto não, é bom saber que estão aí. Com um mar pelo meio. Mas aí. Obrigada por isso.

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar

AddThis