Isto.



























Também acontece isto. Isto de querer estar a sós. Isto de pôr uma mesa só para mim. Isto de fazer uma refeição a pensar em mim. Parto ao meio os dias de trabalho e desapareço um bocadinho. Para continuar a gostar de tudo o que me é exterior, preciso de lembrar a circunstância irredutível. Aquela de estarmos sós. De ninguém conseguir sentir o que sentimos. Pensar o que pensamos. Viver o que vivemos. Não preciso assim de muito tempo para me lembrar dessas e de outras coisas. Basta uma hora de almoço, a maior parte das vezes. Para estar a sós. E não é por querer recusar o mundo ou as pessoas. Nem sequer por uma ideia frágil de refúgio. É por gostar muito do mundo. E das pessoas. E das coisas todas que acontecem no que está fora de mim. É só para continuar a gostar. Gostar com a verdade possível à nossa circunstância partilhada. A de estarmos sempre sujeitos a falhar. Uma e outra vez. Uma e outra vez.
Ainda assim, este reduto. Ainda assim, esta possibilidade. A de marcarmos um almoço connosco. E estarmos em silêncio. A sós com cada um dos nossos silêncios. Reservarmos tempo para nós. Reservarmo-nos do que houver. Para depois voltarmos ao exterior. E irmos com mais para o que está lá fora. E lá fora, às vezes magoamo-nos. Às vezes caímos um bocadinho. Outras vezes não. Estamos só bem. Só bem, que não gostamos de coisas que ofuscam. Que nos alheiam desta verdade silenciosa. A de sabermos que estamos sós. Mas que até vamos sabendo cuidar de nós. Para podermos estar mais e melhor para os outros que são nós um bocadinho. Ou um bocadinho de nós. Cada fragmento escolhido de solidão pode lembrar isto. E eu gosto de não me esquecer de algumas coisas. De algumas coisas fundadoras. Uma espécie de exercício de lucidez, cada um dos almoços a sós.

12 comentários:

  1. Mar,

    Admiro a sua capacidade de escrever o afecto tal qual ele é para si.
    Gosto, é bom e sabe bem ler e reflectir acerca.

    Isso.

    Obrigada : ))

    beijinhos,

    Jo

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  2. Mar, minha querida, não posso concordar mais com o que escreveu: a importância dos momentos que dedica a si própia. E gostei dos mimos a que se oferece, como se se estivesse a convidar a si mesma. E gostei também do jornal que mostra as nossas companheiras de género na Arábia Saudita a exercerem o seu direito de voto. Faz parte da composição que a Mar oferece aos seus fiéis leitores. Entre as quais, deliciada, consta a sua...
    Lusitana

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  3. Bom dia Mar!!!

    Para se ser quem somos... temos que saber quem somos... e são precisos momentos desses... são bonitos e fazem-nos bem...

    Um beijinho da beira do rio Mondego...

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  4. Querida Mar,

    Passei por aqui logo de manhã anti de partir para o mundo e agora ao final do dia regresso porque me apeteceu voltar a ler o seu texto. Estar só para pensar e colocar em ordem os sentimentos num final de dia que foi cansativo.

    Um beijo

    Fa

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  5. Estou agora sozinha a escrever. São precisos momentos de encontro com nós próprios. Mas tinha-me sabido pela vida poder ter partilhado contigo este almoço com tão belo aspecto...
    Babette

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  6. Olá Jo:

    Gosto muito dessa leitura. Que gosta e reflecte acerca. Uma coisa que me faz bem, a sua leitura. Obrigada por isso. E por si.

    E um beijo.

    Mar

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  7. Olá minha Lusitana:

    Sim. O sorriso das mulheres que podem (finalmente) votar. Nunca posso ler o jornal de manhã. Olho-o antes de sair. Mas só à hora de almoço, quando venho a casa. Ou à noite. Neste dia, soube-me melhor o almoço. Por causa da imagem com os sorrisos delas.
    São muito precisos, estes momentos. Eu sei que o são para mim. Embora entenda outros registos. Mas este é-me fundamental. Faz com que vá para fora com mais de tudo. Com que trate das feridas a sós, quando as há. Com que celebre em silêncio o que houver para celebrar. Coisas assim.
    Muito grata, Lusitana. Por aquilo das composições oferecidas. E por dizer as coisas de uma maneira que me acolhe.

    Um beijo.

    Mar

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  8. Olá Sophy:

    Muito por aí. Por saber quem somos. Melhor...tentar saber quem somos. Acho que não chegamos a saber inteiramente isso. Ainda assim, estes encontros vão fazendo com que não se perca o pé.

    Um beijo para o lugar junto ao Mondego:)E obrigada.

    Mar

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  9. Olá minha Fa:

    De todas as coisas lindas que me tem escrito, essa será, provavelmente, uma das mais belas. Por dizer que lhe apeteceu voltar ao fim de um dia cansativo. Só porque sim. O meu dia de ontem também foi assim. Cheio. E o de hoje. E então, soube bem lê-la. Soube a carinho. Como se me tivesse dado a provar um dos seus assados reconfortantes:) Obrigada.

    Um beijo.

    Mar

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  10. A solidão de quem escreve. Uma imagem bonita, para acabar o dia. De alguém a escrever sozinho. E sim, por mais que goste de cada um destes meus almoços, sabe-me sempre bem a ideia de partilhar. E seria bom ter partilhado a minha refeição frugal contigo:) Embora queira que a tua primeira refeição aqui seja um bocadinho mais à frente:)

    Um beijo.

    Mar

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  11. Olá, Mar. Acabei de escrever um texto sobre o meu almoço sozinha, sabia? No entanto, num registo bem diferente. Um texto muito sobre a solidão. Porque nem sempre almoçamos sós por opção. Há uns anos, almoçava só porque tinha de ser. E era triste. E escrevi sobre isso, a propósito de almoçar só agora. E de como me sabe bem, só porque sou eu que escolho. Gostei d'Isto. De mais esta convergência.

    P.S.: A propósito d'Isto, tenho pena que o seminário não tenha correspondido às suas expectativas. Mas como a entendo:) Com tantas sapatarias ali mesmo à mão :) Esta nossa faceta consumista é muito poderosa, não é?:)
    Beijinhos

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  12. Olá Ilídia:

    Uma boa coincidência, a de escrevermos sobre declinações escolhidas de solidão. E sim, quando há a possibilidade de escolha, as coisas têm um sabor diferente. Quando são impostas, desvirtua-se à partida uma componente muito grata de estar a sós. Por isso, percebo a tristeza de quando almoçava só porque sim. Que bom que tenha gostado d'Isto:)

    Um beijo.

    Mar

    PS: Bastou-me 10 minutos num lugar onde há sapatos lindos. Logo a seguir a um almoço partilhado na Avenida. E sabe, sou muito impulsiva. Em muitos domínios. Mas nunca a comprar sapatos:)Absolutamente criteriosa.

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