Espuma.

































Hoje não era bem isto. Mas há aquilo. Aquilo de os dias passarem. De acontecerem e deixarem coisas que têm mesmo de ser guardadas quando acontecem. E não depois. Foi assim, o dia que aconteceu hoje. Que foi para ir ao encontro da pessoa que escolhi para segunda mãe do meu filho. Uma coisa séria, essa de dizermos a alguém que confiamos a esse ponto. Que se deixarmos de existir, queríamos que fosse mãe por nós. Um almoço cheio do mar que enche uma das imagens. Em Espinho. Onde não ia há anos. E o mar foi o mesmo de sempre: lindo. Visto de um restaurante que gostei mesmo de saber que existe. Chama-se Barco Boador. Assim mesmo. Não é gralha:) Ligeiro, cheio de coisas que lembram o que parece óbvio. Que é um lugar de mar. Uma parede inteira com destroços de barcos. Cordas de navios numa outra. Candeeiros que já iluminaram barcos. E comida que foi etérea como o azul todo que havia ao olhar em frente. Sopas com coisas do mar. Revueltos com coisas da terra. Massa fresca com legumes. E um doce a combinar chocolate e banana. Soube a isto, o almoço com a segunda mãe do meu filho. A ver o mar. A demorar os olhos nos edifícios de uma cidade que já significou muitas coisas. E que se reinventa em algumas. Mas em suspenso, em coisas que não há meio de se reinventarem. A Estação do Vouguinha. Com as janelas tapadas. Abandonada, a estação onde tantos chegavam em busca de mar. Ainda há mar. Ainda houve a possibilidade de mais um dia de Verão pleno para o meu filho. Ainda a tempo de mais um mergulho. A lógica das crianças é azul coral. Basta um bocadinho de água para serem felizes. Mesmo que o Outono comece a dizer que está na hora. Que foi muito bom. Mas que agora é a vez dele. Que há cores à espera. Que os frutos precisam de ser colhidos. Antes que venha o frio irreversível que nos faz ter saudades de dias assim. Azuis. Fica a espuma de um dia azul. Para dizer adeus à Rita. Para longe. Um ano longe. E uma voz que até à volta há-de ser o dia azul que foi hoje. Adéle. Someone like you. Que vai correr tudo bem lá longe. Sei que sim.

8 comentários:

  1. É tão boa essa sensação de poder confiar em alguém, ao ponto de lhe atribuirmos a categoria nr 2 do nosso mais importante papel! Apaziguadora, até! Não que sejamos fracas ou pessimistas, irá correr tudo bem, mas numa vicissitude deste destino matreiro, o nosso maior tesouro ficará bem guardado! É bom saber! I know the feeling...

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  2. Olá, Mar. Deve ser mesmo especial, a Rita.
    Fez ontem precisamente duas semanas que estive em Espinho. Ainda havemos de nos encontrar :) Os pais do meu marido são de Santa Maria da Feira. Gosto de almoçar em Espinho. Lá comi as melhores sardinhas da minha vida, num restaurante modesto, com aqueles empregados apressados e eficientes, que têm sempre tempo para uma piada brejeira. A praia de Espinho é a praia do meu marido. Águas muito frias para mim, habituada às temperaturas mais amenas das praias açorianas.
    Gostei muito de ler o seu post e revisitar Espinho. Beijos

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  3. Muito linda, essa tua declaração à 2ª mãe do teu filho. Que boa essa sensação de se confiar muito. Até o todo. Muito lindas as imagens de Espinho, um pouco degradada mas onde se imagina o brilho de outrora. Um dia com espuma para a Mar!...
    Beijo
    Babette

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  4. Minha happy single mother:

    Quando nasceu o António, a segunda mãe do meu filho ligou-me de Londres. Feliz porque eu tinha sido mãe de um menino lindo e por ser a segunda mãe para ele:) No caso de as coisas não correrem bem. No caso de eu falhar. A ver se não é preciso, não é? Se sim, confio nela a esse ponto.

    Um beijo para ti e para a tua menina dos olhos grandes.

    Mar

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  5. Olá Ilídia:

    Mais coisas em comum:) Não gostar assim muito das águas frias das praias do norte. Gostar de restaurantes onde se pode comer sardinhas. E achar que a minha Rita é especial:) É muito. É professora como nós. Vai para a Guiné dar formação a professores. Durante um ano. Eu sei que não seria capaz de uma coisa deste género. Mais uma vez por causa das minhas limitações.
    E sim, um dia seria bom encontrarmo-nos:) A ver se não volta à praia do seu marido sem dar sinal às suas amigas virtuais:)

    Um beijo para si. Para perto de um mar de águas amenas.

    Mar

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  6. Ela vai para tão longe. Tanto tempo. Eu sou tão de sentir muitas saudades das pessoas. Não que isso seja assim muito fora do comum ou assim. E a minha amiga vai para um sítio onde há formigas gigantes:)e outros bichos que eu não sei o nome. Por isso, a minha Rita também fica aqui. Daqui a um ano há-de descrever-me as tais formigas gigantes ou isso:)
    E a cidade do nosso almoço tem a decadência leve de que também gosto. Embora me custe sempre ver estações abandonadas. Esta muito especialmente, porque a linha do Vouguinha era das mais bonitas do país. E levava as avós daqui até à praia, para que andassem de vestidos compridos e sombrinhas ao pé do mar. Era a praia para onde ia a minha sogra, também. Disse-me que passavam lá o Verão quase todo. As mulheres e as crianças. Os pais ficavam a trabalhar e só iam aos fins-de-semana. Já viste como as coisas mudam tanto? Ou a maneira como as mesmas realidades são vividas, de acordo com o tempo. Acho piada a pensar nestas coisas.

    Um beijo no final de um dia que também teve espuma. De coisas boas.


    Mar

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  7. Mar,

    Estive a pensar nesta sua 'proposta', e não sei porquê, nunca me ocorreu pensar numa segunda mãe para o meu filho.
    Deve ser uma sensação confortável, essa, de poder contar a esse ponto com alguém.
    Fantasio que sim, porque quando penso que posso falhar, é apenas mau estar de angústia que sinto.

    Ainda assim, depois de pensar, não sou capaz de eleger alguém. Seria, caso o fosse, uma decisão da vida e dos que continuavam...

    Sim... ainda é angústia, não sei...

    Texto maravilhoso, com 'camadas' de afecto, como habitual. Obrigada.

    Beijinhos,

    Jo

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  8. Olá Jo:

    Percebo essa angústia. E também isso de a vida se encarregar de dar andamento às coisas, se não estivermos. Foi muito natural. A minha amiga estava sempre. Assistiu a muito. Quando nasceu, ela foi a primeira pessoa a telefonar-me. De tão longe. E eu mal conseguia falar, mas disse-lhe logo que queria que ela fosse a madrinha do António. Aconteceu assim. Aconteceu haver circunstância para isso.

    Um beijo para si. E obrigada pelo carinho das suas camadas de afecto:)

    Mar

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