Damasco.



Predilecção por palavras ambíguas. E doces de pronunciar. Damasco. Não custa dizer. Desliza de uma sílaba para as outras, a palavra ambígua. Uma palavra que é um fruto e um lugar longínquo. Um lugar que é um oásis no deserto. Feito de labirintos que não sei. De cheiros e vozes que não sei. De mesquitas e pátios com laranjeiras que não sei. Sei o fruto. O fruto é mais perto do que o lugar. O lugar habitado mais antigo do mundo. Damasco. Mais uma palavra a juntar à evocação de damasco: doce.
Como fazer o doce da palavra que é um lugar e um fruto:

A mesma quantidade de frutos (cortados ao meio e com pele) e a mesma quantidade de açúcar + o sumo de um limão + meio copo de água + o tempo suficiente de lume até chegar ao ponto de estrada.

A juntar ao fruto, ao lugar e ao doce, iogurte grego. No dia da última aula. O final do dia da última aula foi em silêncio. Com iogurte e o doce da palavra ambígua. E a poesia da última aula. A da Tabacaria. Para que dizer que se chegou ao fim fosse assim. Com palavras de alguém a dizer que não é nada.

NB: Não foi feito por mim, este doce. Presente de uma sogra que não é bem como as outras:) Para um homem singular que gosta muito de doce de damasco. Há muito.

19 comentários:

  1. Damasco. O meu fruto preferido. O doce que melhor me sabe...
    Nome latino: prunus armenicus. Imagino a Arménia assim..... cheia de árvores carregadas deste fruto doirado, quente, com a textura suculenta que só ele tem. E imagino que o nome 'damasco' virá da cidade de onde partia o fruto para países de sol poente, depois de ser transportado em caravanas, com sedas, brocados, especiarias e perfumes.
    Nome árabe: alperce. Um som igualmente doce, sibilante, musical...

    Obrigada por este momento.
    Marta
    Leça da Palmeira

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  2. Tão poética esta tua entrada. Desde a ambiguidade da palavra, à Tabacaria e ao significado da última aula, aos mimos doces que uma mãe põe na boca de um filho. Os meus filhos adoram os damascos secos da Quadra natalícia. Até lhes chamam a fruta do Pai Natal. Mais uma ambiguidade numa fruta que depois seca é Inverno, frio, Natal.
    As fotos estão lindas. Suaves como tu és. E como deve ter sido este teu dia.
    Beijinho
    Babette

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  3. Gostei muito deste post, Mar. Sobre uma palavra ambígua e doce. Doce no comer e no dizer. Gostei da forma como descreveu a facilidade com que se pronuncia. Há palavras assim. Fáceis e melodiosas. É curioso, quando escolhemos o nome do nosso filho, tivemos o cuidado de que fosse agradável foneticamente. Manuel. Sílabas que deslizam, como disse.
    As fotografias estão lindas, também elas ambíguas. Sobre o doce de damasco, mas a evocar o lugar.
    Um beijo, Ilídia

    P.S.: Ontem, o verão apareceu. Fui à praia ao fim da tarde e houve churrasco no jardim. E soube tão bem!

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  4. Olá Mar,

    Gostei da nostalgia da última aula do ano. Atrevo-me a dizer que não é um ponto final. Antes um ponto vírgula ou só uma vírgula. Ontem tentei convencer uma aluna, sem aparente sucesso, a amadurecer o seu trabalho durante o período de férias. Li algures que as férias propiciam a criatividade e sinto pela minha experiência que esta é uma afirmação verdadeira. A taça de iogurte com doce de damasco, assim como os livros e o lápis são já evidências de um recomeçar.

    Bom feriado. Um beijo

    Fa

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  5. Também nesse dia foi a última aula para mim. Agora numa perspectiva diferente: os meus Pintainhos (sim, alarguei o ninho!) que ontem foram finalistas. E que elegantes estavam, com as suas cartolas, recebendo orgulhosamente os seus Diplomas! E disciplinados. E tristes pelo fim. E nervosos com o amanhã. E ali estava eu, para explicar que não é o fim, é o continuar, agora mais a sério, um degrau mais na escada da vida. E sim, vou ter saudades deles. Vi-os chegar, pequeninos, ávidos por aprender e agora, uns homenzinhos e mulherzinhas, apreensivos, mas cheios de vontade de pôr o pé nesta etapa nova e continuar a subir esta escada.
    Este doce ficaria mesmo bem, no meio das lágrimas, dos sorrisos, dos "gosto muito de ti, teacher", um miminho perfeito para os meus Pintainhos Finalistas... ♥♥♥

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  6. Olá Marta:

    É um dos meus frutos preferidos, também. Damasco. Alperce. Pelas cores irrepetíveis. Por ser um fruto macio, tanto como a palavra. Também macia. De pronunciar. E de escrever. Tanto, que fui lá um bocadinho, enquanto escrevia. Aos lugares que não sei. Mas que imagino como os descreveu. Uma palavra que traz consigo especiarias, brocados, sedas e perfumes. Obrigada a si, pelo momento que acrescentou ao que havia.

    Um beijo com carinho. Para um lugar junto ao mar. Leça da Palmeira.

    Mar

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  7. Olá minha amiga doce que tem filhos que gostam de damascos:)

    Obrigada pelas coisas doces que deixaste. Este dia tinha mesmo de ficar aqui. Mais ou menos silencioso. Por serem muitas as coisas que não se dizem. Mas sei que quando o reler, mais tarde, há-de vir o iogurte com damascos lá em baixo no jardim. E a memória da última aula. Fico sempre um bocadinho assim. Com nostalgia do que foi. Mas depois passa. Renova-se tudo, enquanto duram os dias em que momentaneamente deixo de dar aulas. Esta última aula foi ainda mais especial, como te contei.
    Na imagem do iogurte há os damascos secos de que os teus filhos gostam muito:) Cortei dois para associar à acidez suave do doce de que o Vasco gosta desde pequeno.

    Um beijo preguiçoso de feriado. Depois de uma tarde a dormir:)

    Mar

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  8. Olá Ilídia:

    No meio de todos os pensamentos que me surgem, ocorreu-me se sim. Se o Verão já tinha chegado à sua ilha. Porque aqui já se decidiu, o Verão. E quis muito que houvesse Verão para si.
    Fico feliz que tenha gostado do post sobre a palavra ambígua, que tem sílabas que deslizam. Soube bem, o meu iogurte de final de tarde. No meu último dia de aulas deste ano lectivo. E assim, ficou tudo registado. O iogurte, o doce, a aula e o poema da aula. Sob o signo da ambiguidade.
    Gosto do nome do seu filho. Fácil de dizer. Doce. E despretensioso. Simples. O do meu filho foi uma coisa de herança. Por ser importante a ideia de continuidade. António. Como o primeiro nome do pai. Como o primeiro nome dos pais que houve antes.

    Um beijo. Feliz, por ser Verão para si também:)

    Mar

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  9. Olá Fa:

    Gostei tanto do que escreveu. Isso da nostalgia, das vírgulas. Das evidências de um recomeçar. Há essas componentes todas. E são inevitáveis. Sinto todos os anos a mesma coisa, quando olho para a escola sem alunos. Por serem eles que lhe dão o sentido maior. Amanhã vai ser assim, quando for trabalhar. Vai estar sem alunos. Não vai haver aquela agitação de todos os dias. Uma interrupção silenciosa, até que voltem em Setembro. E vai ver que, algures nas férias, a sua aluna vai lembrar-se do que lhe terá dito. Por vezes é assim. Não se apreendem logo os significados reais do que é dito. Mas eles ficam lá. E acabam por ser evocados. E transformados em coisas. Boas, a maior parte das vezes.

    Um beijo para si. De gratidão.

    Mar

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  10. De certeza que sim, que foste um traço carinhoso no percurso dos teus pintainhos finalistas. Que se vestiram a preceito para um último dia. A acrescentar-lhe significado. Uma coisa exterior que dá sinais das coisas que vão dentro, quando olhamos e constatamos que o tempo passa. Que um dia nos surgem pessoas e que num outro dia à frente, deixam de estar. E avançam mais um degrau.

    Um beijo com carinho para ti, teacher:)

    Mar

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  11. Eu também adoro damascos... mas agora associo sempre aos mesmos a ausência... porque em casa dos meus pais era livre de os apanhar directamente da árvore, e de quase os poder comer de seguida (como aliás acontecia com muitas outras frutas que aprecio).

    Agora se os quiser degustar, tenho que ter alguma sorte em encontrá-los à venda no supermercado e estar na disposição de pagar cerca de 5€ pelo kg.

    Um artigo repleto de simbolismos, o seu. Um artigo com a sua forma descritiva e poética tão peculiar. É muito agradável ler os seus textos.

    Um beijinho num dia em que o sol já se começa a acanhar (eu não tinha dito que o tempo por aqui era mesmo uma inconstância constante?)

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  12. Olá minha Turista Ocasional:)

    Devem ser mais raros, no lugar onde está. Uma fruta mediterrânica. Que também é ausência para si. Por não poderem ser apanhados de uma árvore e pronto.
    Fico feliz que se aperceba dos simbolismos. Das ressonâncias das palavras. Fundamentais, as leituras subliminares. Quando se encontra aquilo que parece não estar lá. E obrigada. Gosto de dizer obrigada.
    Pena que o sol tenha estado acanhado. Por aqui, tem estado franco. Sem o mínimo constrangimento:)

    Um beijo para si. Que esteja bem e feliz.

    Mar

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  13. Querida Mar,

    o meu olhar foi imediatamente para o livro. Um livro que tenho há algum tempo e com o qual me delicio muitas vezes. Pelas imagens, pelo texto. Pela ideia. Pelo privilégio que sinto por ser mulher e poder ler. O que quero. Como e quando quero. E por poder deixar-me transformar pelo que leio. E eu acho que sim. Que as mulheres que lêem são perigosas. Porque a educação e a inteligência sempre o foram também... Estou a ser irónica, claro, mas a verdade é que hoje, sim, hoje, continuam a ser um perigo. Porque são a única coisa verdadeiramente capaz de operar transformação social. E às vezes sinto isso mesmo. Que sou perigosa por ler... :)
    De damascos (fruto) não gosto. Mas o meu paladar tem-se vindo a transformar, também, comigo. :) Quem sabe, um dia?... :)

    Um beijo com ternura,

    Mafalda

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  14. É sempre bonito existir uma sogra diferente, que ainda mima, e oferece doces assim: de damasco.
    Tive a felicidade de estar presente, numa das últimas aulas, a ouvir a prof.
    Mar a recitar a Tabacaria, de Fernando Pessoa.
    E depois ouvir Creep, Radiohead, e ter que contar baixinho até dez, para não deixar que isso alterasse a minha postura.
    Agradeci-lhe pelo abraço reconfortante?
    Professora: Obrigada.
    É verdade, agora estarei no meu blog com maior assiduidade, é isso que pressupõe também as férias, a ter tempo para estas coisas.

    Um bom descanso Professora Mar,
    Um beijinho,
    a sua (continuamente) aluna, com o cabelo às cores.

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  15. Cheguei tarde mas cheguei. A tempo de lhe dizer que gostei muito do seu texto. E testemunhar ( quem me conhece confirmará) que a recordação de um bom e dedicado professor nos acompanha a vida inteira, que nos integra para sempre.Tive a alegria de encontrar há algum tempo atrás um desses professores. A chorar, disse-lho. E ele, homem grande e pioneiro na área dos transplantes, ouviu-me e os seus olhos também MARejaram.
    Beijinhos.

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  16. Terríveis, as mulheres que lêem:) Que lêem mesmo. Não no registo quase bovino de "passar o tempo". Ouvi isso hoje naquelas reportagens para encher tempo. Pessoas na praia a dizer que estão a ler porque "sempre se passa o tempo". Desculpe o meu registo menos luminoso. Mas não consigo evitar, sabe? E adoro este livro. Há muito que o queria ver aqui nas minhas páginas. Só por isso. Para estar. Acho linda a sobranceria da figura na capa. Quase como se dissesse, "Sim. E depois?"
    Não acredito na separação de géneros, nestas coisas. Acho que não é por aí. Literatura feminina ou masculina. Literatura, só. Boa literatura.
    Isto tudo para dizer que fico feliz por ser perigosa:) Por ler. Por ter lido este livro ligeiramente subversivo. E também por ter dito que não gostava de damascos. Mais uma coisa que se acrescenta ao post: a negação.

    Um beijo. Também com muita ternura.

    Mar

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  17. Olá minha linda de muitas cores:

    Estiveste lá, sim. Com duas pessoas a seguir os nossos movimentos. As nossas palavras. Sabes que ali me esqueci disso? Na minha aula. A última do ano. E feliz, por estares lá. A música de que gostavas muito, quando era para escrever. E o poema maior, para mim. Mesmo que muito tenha sido escrito depois. Mesmo que muito venha a ser escrito. A Tabacaria. Para ti. E para eles, que estavam lá.
    E agradeceste o abraço da melhor maneira: com retribuição. Com outro abraço.
    Obrigada a ti. Estive a ler as páginas do teu blog. São como tu. E posso deixar um comentário, não posso?:)

    Um beijo aí para a cidade da luz mais bonita. Onde estás agora.

    Da tua professora Mar.

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  18. Olá Lusitana:

    Escolhi ser professora por causa de bons professores. Queria ser assim. Algures no oitavo ano foi uma evidência para mim. Havia outros apelos. Outras coisas de que gostava. Mas nada como a possibilidade de dar aulas. Sinto orgulho nesse facto. No de ser professora. No resto, procuro muito ser humilde. É fundamental não me distanciar dessa noção. Porque cada aula é uma circunstância desconhecida e imponderável. Cada aluno é um universo a que apelamos. E nem sempre corre bem. Por isso, nunca me esqueço das aulas que não correram bem. Pelo muito que me ensinam.
    Quando li o seu texto, lembrei-me do meu professor de História. Que já morreu. E de como lhe apareci em casa, com um presente de aniversário, um mês antes de ele ir. O ar de surpresa do meu professor preferido ao fundo de um corredor, já muito doente. Mas feliz, que ficou. Porque uma aluna se lembrou que fazia anos em Fevereiro. O meu Dr. Veiga. Que dava aulas que se prolongavam pelas escadas do recreio. Sem dispositivos tecnológicos. Sem distracções. Só ele. Devo-lhe muito. Tanto. E já não está cá, o meu professor eterno.
    Escrevi demais. Desculpe.

    Um beijo com muito carinho.

    Mar

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  19. Pode deixar todos os comentários que quiser.
    Um beijinho grande,
    com a vontade de um descanso que merece.

    Espero por si aqui, para um chá, ainda que com calor.

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