Coisas dos dias prolongados.




O que mais queria destes dias em que o mundo próximo abrandou. Estar quieta. Não fazer planos. Ver as pessoas que queria muito ver. Estar prolongadamente com rostos que significam. Marcar só o que queria muito. Como um almoço anunciado. A realidade a tornar tangível o que se ia adivinhando pelo virtual. Ir a casa da minha amiga Babette. Ter direito a uma refeição feita por ela. A uma mesa. A uma ementa. E a abraços prolongados com miminhos a intercalar. De braços pequeninos e irrequietos de cinco anos. As perguntas com a candura dos cinco anos. Se eu tinha vindo do mar. Se vivia lá, no meio da água. Que não. Que era Mar porque sim. Porque começaram a chamar-me de Mar. E que era estranho quando não era Mar. Para eles ser sempre Mar, então. Para eles, um bocadinho do meu jardim. Porque de manhã cedo os imaginei a brincar lá fora com o meu filho. Quase que dava para adivinhar as vozes e os risos. Num lugar onde as fadas podem repousar, quando ficam cansadas. A juntar, uma imagem da música que sai das mãos da mãe dos meninos que hão-de brincar ali fora. E um pedaço de uma ementa. A cristalizar uma data que não é de esquecer. Fica aqui, também. Para me lembrar que foi no dia 11 de Junho que todos passámos a ter rosto. Primeiro as mães. Depois, os filhos e os pais. Rostos que aconteceram juntos neste dia.
Dias prolongados que significaram aquilo que se consegue dizer. Dias com sol em que quis muito a sensação de existir sem outro plano que não este. O de procurar estar bem. A existir sem pressas, sem ter mesmo de estar nos lugares onde temos mesmo de estar todos os dias. A retirar densidade a isso de ter de. Melhor querer ou não. Nos dias em que podemos escolher. Ser soberanos. Despertar sem ruídos estridentes e urgentes. E dormir à tarde porque sim. Estar tempo a olhar as árvores porque sim. Voltar a ler coisas que já foram lidas. Mrs. Dalloway disse que ela própria ia comprar as flores. Uma passagem repetida, sem grande significado. Aparentemente. Da escritora que entrou na água com os bolsos cheios de pedras. A escritora que não sabia fazer comida. Nem dar instruções a criadas que sabiam sempre mais da casa do que ela. Que estava sempre com os dedos manchados de tinta. Porque havia isso de escrever. Até se tornar insuportável. Até não aguentar mais e ter mesmo que ir pela água. Com os bolsos cheios de pedras. Um bocadinho das flores da festa de Mrs. Dalloway. Enquanto existia em dias de sol. Prolongados.

22 comentários:

  1. Um texto mesmo muito bonito, como aliás costumam ser sempre os seus textos.
    Uma capacidade espantosa de descrever as suas sensações e neste caso a sua alegria por ter visitado a casa de Babette e ter tido oportunidade de as duas famílias se conhecerem e conviverem descontraidamente.

    Fiquei muito feliz pelo vosso almoço na Babette ter ocorrido, pois pela vossa amizade, acredito que era algo que ambas aguardavam com ansiedade.

    Uma óptima semana, consciente que a anterior, no sábado, acabou certamente da melhor forma possível.

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  2. Olá Mar,

    Sou fascinada por mosquiteiros, por isso fiquei presa logo à primeira fotografia. Quando os vejo activo memórias de um tempo vivido noutro continente. Porém, é muito mais do que isso. São um signo de segurança e o criar de uma fronteira, mesmo que ténue, entre um mundo real e o da fantasia. Coisas de fada, estará a Mar a pensar neste momento.

    Ainda há pouco dias encontrei em casa dos meus pais um mosquiteiro desses tempos, por acaso este não era o meu modelo preferido - preso no centro através de um cesto que depois se abria todo à volta. Todas estas recordações se cruzaram com a imagem da "sua" Mrs Dalloway que ia comprar flores e que depois entra na água com os bolsos cheios de pedras. A associação resultou do dilema que todos os dias travo entre as obrigações que me são impostas e a vontade de ir comprar flores. Há anos tomei a decisão de não desperdiçar tempo com o que não me dava satisfação. Na altura senti que ele era curto e necessitava de ser aproveitado. Mas voltei a deixar-me arrastar. O seu texto ajudou-me a despertar mais uma vez. Hoje irei comprar flores ...

    bjs

    Fa

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  3. Mar, gostei tanto de ler este texto. Pela descrição dos dias sem pressas. Dos momentos passados com a sua amiga Babette. Da candura dos meninos. Do tempo sem pressas. Dos ecos de um livro belíssimo. Da prosa saborosa. E gostei muito das fotografias, como que saídas de um conto de fadas. Um beijo, Ilídia

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  4. Querida Mar,

    tão bonita esta ideia do vosso encontro, de duas amigas que se descobriram há pouco, mas que já fazem parte da vida uma da outra. Acho sempre muito bonitas estas amizades que vamos encontrando pela vida fora. Abrir a porta do coração e deixar entrar. Abrir a porta de casa e da vida. Acho muito bonito mesmo. Poético.

    Um beijinho às duas, com carinho e admiração.

    Mafalda

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  5. Bonitas fotos, muito bonita essa amizade!
    Beijinhos

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  6. Mar:
    Obrigada pelas tuas palavras. As daqui e as deixadas na minha Festa. E sim, mais um passo dado. Com rostos, abraços e mimos. E sabor a ervilhas e chutney. E agora também a chá branco, muito perfumado.
    Lembras-te de te ter dito que leio e releio até fixar a primeira e a última frase dos livros de que gosto muito? Adivinharás, claro, por ser mais uma dessas sintonias inexplicáveis que nos unem, que sei de cor essa primeira frase do livro da Virgínia Wolf. Que gostei muito desse livro. E que achei curiosa a associação ao dia em que te recebi. Porque foi a primeira coisa que comprei para este sábado. As flores. Bem cedo como sabes ;)
    Um beijo com muita amizade para a minha Mar.
    Babette

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  7. Olá turista ocasional:

    Foi um dia muito bonito. Uma espécie de prolongamento natural do que vinha sendo. Desde há uns meses atrás, quando a Babette aqui chegou, movida por uma pesquisa aleatória. Esse pormenor é uma daquelas coisas que acho lindas. O facto de pertencer ao domínio do imprevisível. Do imponderável. Saberá muito mais sobre a nossa amiga comum. Eu vou sabendo algumas. Que a incluem a si. Aí longe. Em Munique, não é? Fico feliz por tudo. Sinto-me grata por tudo o que tem vindo dela. Este almoço foi mais uma das coisas lindas, a somar às outras todas.
    E obrigada. Por gostar dos textos. Mais uma coisa que devo agradecer com felicidade que não faz barulho:) Mas que deve ser registada.

    Um beijo para a turista ocasional. Com carinho.

    Mar

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  8. Coisas de fada, minha querida Fa:)

    Sabe que me ocorreu que iria gostar deste canto do jardim? Sem saber muito bem porquê. Não havia referências inequívocas que apontassem para isso. Mas ocorreu-me. E sim, faz pensar em lugares onde eles cumprem funções bem específicas. Mas com essa fronteira difusa entre o real e o imaginário que quisermos. De fada, também. Era da cama do meu filho. Estava arrumado num armário alto. Longe da vista há demasiado tempo. Lembrei-me dele de manhã cedo. E quis vê-lo no jardim. A ondular com brisas quentes de Verão.
    Sabe o melhor de tudo, minha Fa? Que tenha tido vontade de ir comprar flores. Por esse pormenor, valeu a pena tudo. Escrever. Dizer. Registar. Com palavras e imagens. Para a Fa ir comprar flores. Obrigada por isso.

    Um beijo com ternura para si.

    Mar

    PS: Acha que depois pode dizer quais foram as flores:)?

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  9. Olá minha Ilídia da ilha verde:

    Uma amizade muito bonita, sabe? Surgida aqui. A dizer que é bom revermos pontos de vista, em relação ao mundo virtual. Coisas destas, que têm acontecido. E a Ilídia. Que também aconteceu. Que acontece. Que tem um blog lindo, que fala de viver sem pressas. Partindo da racionalidade de que elas estão lá. As pressas todas que vamos tendo. Mas a lembrar que dá para abrandar. Que é uma coisa de querermos. Que não tem mesmo de ser avassalador.
    A minha amiga Babette faz coisas deliciosas. E tem uma família linda. Que acolheu a minha família com carinho.
    Obrigada por isso dos contos de fadas. Um detalhe poético da Ilídia da ilha verde:)

    Um beijo a atravessar o mar.

    Mar

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  10. Olá Mafalda:

    A amizade é assim, não é? Cheia da poesia que nós quisermos escrever. Feita de reciprocidade. Uma palavra grande. Por ser longa. E por ser importante para mim. A minha amiga é assim. Gosta de ser dádiva. E sabe reconhecer as dádivas. Como a nossa amizade. Muito neste almoço. Mas de todos os dias. Já uma coisa de todos os dias. De telefonar quando se está feliz. Ou a precisar de uma palavra à distância. Para tudo ser mais doce.
    E a Mafalda. Que considero mais e mais. Mais uma amiga que me aconteceu.

    Um beijo para si. Que tenha tido um dia lindo.

    Mar

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  11. Olá Ana:

    Um beijo com gratidão para si. Por ter gostado das fotografias. E pelo mais importante: pela amizade.

    Mar

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  12. Olá minha amiga doce:

    Já se adivinhava, creio. Essa frase ficou-me. Não sei bem porquê. Mas é daquelas que nos dá uma imagem imediata. A de uma mulher a tomar uma decisão aparentemente simples, inofensiva: ir comprar flores. Não entregar essa tarefa a ninguém. Como tu, que foste de manhã cedo comprar flores brancas para a mesa com que me acolheste. E a dar para partilhar isso, também.
    Gosto muito de me lembrar da primeira coisa que provei em tua casa. Chutney. Com a combinação certa de doce e de acidez. Enquanto os meninos comiam e nós dávamos instruções de mães:) E os pais iam falando de coisas comuns que também se desenhavam há algum tempo como sendo comuns. Sabes, falta estarem todos aqui. Lá fora no jardim. Falta isso, agora. E tudo o resto. Bom pensar nisso.

    Um beijo da tua amiga Mar. Com muitas coisas boas.

    Mar

    PS: Pelos vistos gostaram do chá branco que eu fui buscar num salto à Filipa do Chá Clube. Já no final do dia, a correr:) Porque faltava esse presente para os nossos amigos. E isso é sempre muito urgente.

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  13. Olá Mar!!!

    Eu presumo que acontece com os amigos, ficamos felizes pela simples razão de os sentirmos felizes. Se as palavras não são tudo no que toca a descrever sentimentos, pelo menos dão uma clara indicação de que eles existem e de que florescem.

    Mesmo em silencio fui presenciando o crescimento da vossa amizade desde a primeira referencia à mesma, e só encontrava motivos para ficar contente pela minha amiga ter encontrado uma amiga de quem dava indícios de gostar bastante e de encontrar quase a "cada esquina" mais uma sintonia.

    Já tinha visitado diversas vezes o seu blog, mas foi com este seu artigo que senti um forte impulso de escrever um comentário, pois a ocasião para mim assim o exigia.

    Obrigada pela visita ao meu blog.
    Continuação de uma óptima semana.

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  14. Que bom saber que a Internet também faz descobrir e desabrochar timidamente amizades que culminam num encontro. Que felicidade saber que a cozinha, o preparar de refeições também pode ser o início.
    É na mesa que festejamos, partilhamos as tristezas, surpreendemos, emocionamos, anunciamos. Que isto da cozinha é um mistério ainda por desvendar, um amor que se sente, se dá, se partilha e se transmite. E pode culminar numa amizade.
    Uma inveja boa, de saber que talvez, também eu um dia da cozinha à internet, ganhe uma amiga para a vida....
    À Mar e a Babette... um beijo daqui aí pelo caminho mais longo...
    raquelita
    deliciascasa.blogspot.com

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  15. Comovente! Todos os dias me comovo aqui.
    Em silêncio.
    antónio

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  16. Olá Mar,

    A botânica é uma área em que tenho muitas dificuldades. É uma vergonha, mas é assim! Eu sei que deveria conseguir distinguir as árvores e saber os nomes das flores. Neste caso apenas lhe posso dizer que fazem parte daquele tipo de flores que recebem a designação geral de flores do campo. Aparecem à venda na Primavera, em cores vivas que depois vão empalidecer ao longo do tempo. Deixam-se secar e parecem pedacinhos de papel. Na minha entrada de hoje aparecem as referidas flores. Todos os anos as compro para substituir as anteriores.

    Um beijo

    Fa

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  17. Mar e Turista:

    Que bom que tenham coincidido aqui. Neste espaço que nos une. A Mar agregadora ;)
    E sabem uma coisa? Associo-vos muito uma à outra. Desde o início. As duas muito atentas aos pormenores. As duas muito vaidosas, ainda que em estilos diferentes. As duas com o tão característico "hã hããã" ou "hum huummm", enquanto falam e ouvem.

    E outra coincidência... Servi-vos às duas o Bolo de Maracujá!

    Um beijo
    Babette

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  18. Olá à minha Turista:)

    Desculpe o possessivo. Mas não dá para não o usar. Uma espécie de reflexo, este. Já tinha notado que era amiga da Babette. Pelo carinho e pela regularidade com que escreve no blog da nossa amiga. Mantive-me em silêncio. Por pudor, não sei bem. Talvez por ter pressentido que eu era recente na vida dela. E que devia obedecer a esse pudor. E não me impor. Creio que será inteligível, apesar de ter sido uma coisa intuitiva. Fiquei muito feliz por esta quebra. Por nos escrevermos. E por nos identificarmos neste ponto fundamental: o de sermos francas, declarativas na amizade. É disso que se trata, no fundo. Ficarmos felizes por vermos felizes os nossos amigos. Não haver lugar a coisas que prendem ou condicionam.
    E assim, do facto de ter coincidido com a Babette, resultou este outro facto: o de coincidirmos também. Em muitas coisas, pelos vistos. A julgar pelas palavras da Babette.
    Hei-de visitar o seu blog com palavras. Porque o visitei muitas vezes com o tal silêncio de que falei. Bom, agora. Que há palavras. Mais palavras a acrescentar.

    Um beijo com carinho. A voar até Munique:)

    Mar

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  19. Olá Raquel:

    Pode acreditar que eu era particularmente avessa a estas coisas do virtual. Resistente, até. A começar pela criação deste blog, que resultou da insistência (e execução) de um amigo:) Eu só lhe dei o meu nome. E tenho feito o resto com alegria.
    E então, esta coisa boa de ter uma amiga a partir deste registo. Por fases. Primeiro sem rosto. A tratarmo-nos por você. Depois com rosto. Almoços só de nós as duas. E agora isto. De termos reunido os nossos homens:)
    Espero que sim, Raquel. Que da mesa e da comida continuem a surgir coisas assim. De conservar.

    Um beijo para si. Pelas coisas boas que é. E faz.

    Mar

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  20. Olá Fa:

    Não fazia ideia que as flores que a Babette colocou na mesa eram a versão fresca dessas de que falou. E já viu se soubesse mesmo os nomes de todas as flores e árvores?:) Não dá, pois não? Seria como perguntarem-me os significados de todas as palavras, por ser professora de Português:)
    Muito lindas. Campestres. Sem pretensões. Muito de Primavera, como disse. E já reparei que associou as suas flores a caril verde (muito picante:).

    Um beijo daqui. Para a cidade da luz mais bonita.

    Mar

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  21. Olá António:

    Tem o nome do meu filho, sabia? O mesmo, que sinto. Comoção. Ternura. Carinho. Essas coisas todas que tento dizer. Mais uma palavra: gratidão. Para si, esta palavra.

    Um beijo.

    Mar

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  22. Olá minha Babette:

    Agregadora. E vaidosa. E com hãhãs e humhums:) Sabes que me dizem isso muitas vezes? E não reparo que faço essas coisas, quando estou a conversar. Tão curioso que eu e a Turista coincidamos nessas coisas mais ou menos irrelevantes. E que sejamos as duas muito femininas e atentas aos pormenores. A ver se um dia falamos de sapatos, também:) Eu e a amiga que vive em Munique. Lá, deve haver imensos. E lindos:)

    Um beijo de final de dia.

    Mar

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