Any given friday.


Nos dias frios, gosto que a sexta-feira me prenda docemente em casa. Quente e confortável, a antecipar o tempo prolongado do fim-de-semana. Que me peça repetidamente para ficar. Mas não esta semana. Não esta sexta-feira. Um dos meus escritores iria estar no Clube de Viseu, num evento quase secreto. Ele iria estar lá. O Pedro Paixão de Nos teus braços morreríamos. De Porto Kyoto. De Viver todos os dias cansa. O Pedro Paixão de todos os livros que li apaixonada e indisplinadamente. 
Antes, o encontro com amigos de há muito, no Irish Bar. Depois, o jantar. Num restaurante que é uma espécie de instituição. O Cortiço. Que bem que se está ali. Naquela mesa. Depois, uma casa grande no centro da cidade. Com magnólias em flor à entrada, a dar as boas-vindas. Subir as escadas. Olhar demoradamente as escadas de pedra e as paredes de mármore. E as salas. Cortinas pesadas. Tectos altos. Lustres suspensos, de tão etéreos. Um sítio secreto, fora de contexto.
Foi numa sala com portas de vidro. E havia um piano. Estava a tocar piano, o meu escritor. E sorriu para a entrada, a acolher. Depois, foram palavras. As dele. Que contam histórias de amores que queimam. De ausências que são insuportáveis. Histórias que dizem a impossibilidade do amor. O amor que, dito por ele, não é morno. Não é chuva miudinha. É devastador e avassalador e corrosivo. Ficaram fragmentos no meu caderno verde, registados a meia luz. Estes: Durante muitos anos tentei ser professor (...) ensinar literatura retirava-me a capacidade de escrever (...) elegia uma aluna para quem falava em exclusivo (...) Se a eleita se atrasava. Se ela faltasse...(...) Não ter qualquer contacto com aquela minha inspiradora musa. (...) A Eva foi a culpada. Única e misteriosa, como deve ser qualquer musa. E a sua beleza era indomável. (...) Depois dela, as musas deixaram de existir. (...) É provável que coisas improváveis aconteçam. (...) A pele dela cheirava a Primavera. Era uma deusa do mar. Não pertencia a lugar nenhum. (...)
as palavras, no fundo. A surgirem ao ritmo dos cigarros que fumou, sentado numa poltrona. E a música persistente que trazia na ideia. O adagietto da 5ª sinfonia de Mahler. A melodia persistente de A Morte em Veneza, de Luchino Visconti, que diz em imagens a obsessão pela beleza. Pelo sublime que há na beleza. No final, um pedido imperativo. Depois de escrever Mar no caderno verde. Para escrever.

10 comentários:

  1. "Nos teus braços morreríamos", um dos meus livros de eleição! Infelizmente o único que conheço de Pedro Paixão, mas quem sempre quis conhecer mais e melhor! Agora mais do que nunca, pelas palavras d'(a)Mar...

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  2. Mais um autor cuja obra não conheço bem. E se gostas, quero ler também. E que maravilha encontrares assim, esse homem que admiras tanto. Num ambiente quase secreto, com música (adoro a 5ª Sinfonia de Mahler. E da Morte em Veneza recordo bem essas passagens que não são mais do que uma procura incessante do belo. Nada mais. A interpretação que a minha mãe me ajudou a fazer do filme). Gostei de te imaginar feliz a recolheres testemunhos. E recordações no caderno verde.
    Ontem apeteceu-me chamar-te para vires até cá. Mesmo sem nada à tua espera. Mas não era tempo de me intrometer no equilíbrio familiar de uma celebração...
    Bom domingo
    Mar

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  3. Mar, também fui uma leitora assidua, do Pedro Paixão. Devorava-o e queria mais e mais... Fui, porque agora já não sou. Porque os autores e a sua escrita, teem a ver com determinados períodos da nossa vida. E esse, já passou. Os livros, esses continuam cá por casa e por vezes folheio e leio uma passagem.
    Beijinhos :)

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  4. Sorry, só agora reparei que comentei, usando a conta da minha Princesa de Olhos Grandes (e cada vez mais vivaços!!)!
    Mas sim, sou/somos eu/nós...

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  5. Para a Leonor e para a happy single mother:)

    Foi o primeiro livro que li. O que me fez procurar os outros. Procura tu também. Muito. Que são lindos. Por tentarem dizer tanto o que não consegue ser dito. Ainda assim, a tentativa. As tentativas em forma de livro.

    Um beijo da Mar para as duas princesas dos olhos grandes (o olhar da Leonor tinha que vir de algum lado, certo?:)

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  6. Olá minha Babette,

    Foi muito bonita, a minha sexta-feira à noite. Por tudo. Pelas palavras que foram lidas. Pelo sítio onde foram lidas. Pela rememoração de coisas que estavam lá atrás. Que eu pensei que estavam lá atrás.
    Fico feliz que queiras ler os livros de um dos meus escritores. Eu também quero ler os livros dos teus escritores. Belo, isso. Como a Morte em Veneza. Como a melancolia da 5ª sinfonia de Mahler. As coisas que chegaram pelo Vasco. Primeiro o livro. Depois o filme. No fim, a minha interpretação e a integração.
    E sim, eu estive muito feliz, a escrever quase às escuras. Mas encantada e comovida. A viver cada segundo.
    Gostava de ter estado contigo, ontem. Mas o dia não era meu nem do Vasco. E estas celebrações são assim: espalham-se pelo tempo. E eu não queria estar com a minha nova melhor amiga sem tempo:) Entre uma coisa e outra. Há-de haver muitas possibilidades. É bom pensar nisso.

    Um beijo de boa noite. Antes de escrever sobre sábado e sobre domingo:)

    Mar

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  7. Para a Manuela:

    Curioso sentir o mesmo em relação a estes livros. Que corresponderam a uma altura muito particular do meu percurso. Particular(mente) tumultuosa. Mas volto sempre ali. Voltei muito, na sexta-feira. Ao que havia desde há muito. Uma espécie de homecoming.

    Um beijo da Mar. Pelas palavras da Manuela, num domingo cheio de sol:)

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  8. Ora aqui está um autor em que peguei várias vezes mas que nunca li. Não fiquei muito impressionada num programa de tv que vi há já algum tempo. Mas como é uma referência tão grande para si, que é uma enorme referência para mim, vou dar-lhe uma hipótese. ;-)
    Um beijo grande de uma Sandra já recuperada.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Estive neste mesmo evento, muito sentadinha, a beber palavras e imagens e a escrever mentalmente.
    Cheguei aqui pela mão de uma pessoa que me conhece como água e me disse: "TENS QUE LER, TENS QUE CONHECER".
    E assim foi. Às vezes tive a sensação de me estar a ler. Pelos azuis, a Ana Teresa Pereira, a família, os livros.
    Fiquei calada nas horas seguintes, sem saber muito bem o que pensar. Mas feliz por ter descoberto este blog.

    Pronto, era só isto que eu queria dizer. Que bom que há alguém que pensa parecido comigo.
    Laura

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