Caril de pescada e uma evocação

Hoje à tarde lembrei-me da minha tia Beca. E quando acontece lembrar-me de uma pessoa que está longe, que não vejo quando quero, procuro-a. Só para dizer o meu afecto, só para lembrar que tenho saudades. A minha tia é uma das apreciadoras mais entusiastas das coisas boas da vida. E dá-me o prazer de se sentar prolongadamente à minha mesa. Como não podia deixar de ser, também a tia Beca surge na minha memória afectiva, associada a sabores e aos dias de que foram feitos esses sabores. E a refeição que veio à ideia foi algo que em tempos cozinhou para mim: lombinhos de pescada com coentros. Que bem que me soube chegar a casa da tia Beca e ter à espera uma refeição tão simples. Em homenagem às coisas que ela é, enquanto falávamos ao telefone, fiz um caril de pescada. Porque juntei a inspiração numa receita de família à imagem afectuosa de uma pessoa que me ensina sempre o valor da fortaleza numa mulher. Conciliada com o afecto, com a ternura, com a dedicação. E hoje foi disso que falámos, enquanto o sabor intenso do caril competia com a suavidade do leite de côco: da importância da não resignação. De nunca nos contentarmos resignadamente com pouco. Fica a reprodução do caril de pescada que fiz hoje, enquanto ouvia as palavras da minha tia Beca, enquanto oiço a música intemporal dos Radiohead:

2 embalagens de lombinhos de pescada congelados; 1 cebola picada; 2 courgettes; metade de um pimento vermelho; um copo de vinho branco; duas garrafas pequenas de leite de côco; sal, azeite, caril e coentros (a medida que for a certa para nós)

Um refogado com a cebola, o pimento, a courgette e o azeite. Vinho a pouco e pouco. E depois os lombinhos de pescada. Mais vinho, um pouco de sal e os coentros. Fecha-se o tacho durante uns minutos, para deixar cozinhar os lombinhos. Quando for a altura, adiciona-se o leite de côco e envolve-se tudo com cuidado. Depois, é só juntar o caril e mais coentros e um pouco de côco ralado, se nos apetecer. Deixa-se apurar e serve-se com arroz branco e solto. E uma salada verde com maçãs e romãs. Numa mesa sem toalhas, como os ingleses gostam.

PS: Usei pescada congelada, um dos meus recursos para os dias em que não há muito tempo. Mas creio que com pescada fresca, o caril deve ficar muito melhor. E não usei condimentos mais acentuadamente spicy porque não gosto assim muito:)

2 comentários:

  1. Mar
    É o facto de "não nos contentarmos resignadamente com pouco"que faz com que andemos sempre em busca de novas pequenas formas de atingir a felicidade. A Mulher tem esse dom, e, se calhar, é por isso que é o motor afectivo(e não só!)de uma casa, de uma família.
    Queria fazer uma rectificação com um pedido de desculpas... A feira de velharias de Aveiro realiza-se no 4º domingo de cada mês que pode não ser o último. No dia 23 de Janeiro , pode calcorrear a Praça do Peixe, a R. Tenente Resende,a Praça 14 de Julho e a Praça Dr. Joaqim Melo Freitas em busca de objectos/memórias que tornem a sua vida ainda mais cheia das coisas boas que a vida tem para quem as quer procurar!
    Gosto de acabar o meu comentário com um obrigada porque estou mesmo agradecida por tê-la encontrado neste espaço.
    Emília Melo

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  2. Emília,

    Esse tem sido sempre o sentido dos meus dias. A procura de formas breves, muito frágeis de ser feliz. De as coisas significarem felicidade acrescentada à minha vida. E às vidas que tocam a minha vida. E eu sei que a palavra é, em muitas circunstâncias, uma palavra muito cheia de si, quase arrogante. Para mim, usar essa palavra, pressupõe antes um esforço de humildade. Porque sei que nem sempre se é capaz. Mas aceito pacificamente, quando não.
    E sim, as mulheres têm essa característica inicial, a de motivarem o que pode haver de bom.
    Obrigada pela referência. A ver se no dia 23 vou em busca de beleza, a Aveiro.
    Muito grata. Sinto uma enorme gratidão pela maneira dedicada como escreve neste espaço. Espero continuar a merecer. As visitas e as palavras.

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