Qualquer coisa de narrativa.



Era o que me apetecia hoje. As duas coisas das imagens. Jantar no XL em Lisboa. E um concerto dos Pearl Jam. E não dá. Nem para uma coisa nem para outra. Mas dá para a memória das duas coisas. De um jantar num lugar com muitas velas. Com uma luz que era assim pela metade. E fechar os olhos. E lembrar-me que estava vestida de negro. Como na memória de cada uma das vezes em que ia assim. Vestida de negro para ir ouvir e ver a música a acontecer. Sempre de perto. E uma ideia difusa do resto. Dos outros corpos todos. Muito juntos. Perigosamente juntos, que há uma componente de irracionalidade em cada multidão. Porque a multidão não quer pensar, às vezes. A única vez em que fui capaz da solidão toda, a memória de um concerto dos Pearl Jam. É isso que significa a música vinda de uma das cidades mais chuvosas dos Estados Unidos. Significa experimentar a fragilidade por inteiro. Respirar sozinha no meio de uma multidão. E dizer-me que ia ficar tudo bem. Enquanto houvesse possibilidade de música. E possibilidade de vida. Ia ficar tudo bem. E não importava nada estar sozinha no meio de muitas pessoas. Que há sempre uma melodia irrepetível que toma conta de nós.
Mas a ideia era falar também de um restaurante. E isso acontece por ter gostado muito.  Esse é o critério mais importante. E básico. É um daqueles sítios onde há muito tempo se vai em busca de coisas que se mantêm. Muito importante isto de algures haver coisas que se mantêm. E saber que quando se quer comer um soufflé, este é um dos sítios onde se sabe que há-de correr bem. E um bom bife. Com muitas declinações à escolha. Ou o mais simples possível. Que também isso há-de correr bem. Se fechar os olhos outra vez, estou a existir outra vez vestida de negro. E na mesa em frente, há uma família grande. E todos os sons e movimentações próprias das famílias à mesa. Ao balcão, um homem sozinho. Um copo sozinho à frente. E olhares persistentes para o relógio. Ela chegou finalmente. E o tempo do relógio deixou de importar. Há mais um copo ao balcão, agora. Antes da vela a iluminar a mesa onde se senta uma história que começa. As histórias de amor são sempre iniciais. Com tudo o que há de incompreensível em cada início. Narrativas, que somos todos. Narrativas que nunca foram. Narrativas que deixam de ser, quando deixarmos de ser. Ando a pensar que vou ter de voltar ao Xl. Para mais um soufflé de espinafres. E um copo de vinho tinto. A ver se a narrativa ainda lá está. À espera de um início incompreensível qualquer. Enquanto não, a música. Linda, que é esta música. Com qualquer coisa de narrativa, também.

10 comentários:

  1. Querida Mar, que lindo texto. E sabe uma coisa? Tenho um enorme respeito pelo soufflé, que é uma receita do exacto. Qualquer coisa o pode derrubar.
    E é 2ªfeira, com a alegria de lhe poder desejar boa semana. Faz 1 semana que regressou.
    Beijinho.

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  2. Olá Mar,
    Obrigado pela visita ao Paraíso! :)
    Com muita pena minha nunca tive o prazer de ver ao vivo os Pearl Jam, mas sou fã desde teenager! Adoro!
    Beijinhos

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  3. Mais um texto perfeito, Mar :) Quase me senti esmagada pela multidão:) Acho que não volto a ouvir Pearl Jam sem me lembrar de si.
    Um beijo e boa semana.

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  4. Já me contaste essa aventura do estar sozinha na multidão. E admiro-te por isso. Por te sujeitares. E depois perceberes que tu e a multidão existem. Assim. E superam-se. Já sabes que hei-de ir em breve ao XL. Gostei da tua descrição e das imagens que captaste. E das histórias que imaginas em teu redor. Um beijo de boa semana.
    Babette

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  5. Pois é e só fechar os olhos, e sentir.
    Vi o teu comentário anterior...vou te contar, é assim uma espécie de coisa entre irmãs para os amigos, onde vamos dando noticias de nós, estas convidada para nos visitar.
    http://mangaepapaia.blogspot.com/

    bjinhos

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  6. Olá Lusitana:

    Partilho desse enorme respeito. Tanto, que nunca fiz. Exactamente por me parecer o tipo de receita que não admite improvisos. Muito menos dos meus:) Por isso (e por outras coisas) é que fui ao XL. Para saber a textura exacta. Caso um dia arranje coragem para me aventurar. Ainda por cima, há aqui em casa a memória mítica de uns soufflés feitos pela avó do meu marido. O que significa que os meus cuidados terão de ser redobrados:)
    E foi bom. Tem sido muito bom isto. De saber que a minha Lusitana pede uma boa semana para mim. Desejo-lhe o mesmo. Com esse carinho todo. Uma semana depois de ter regressado. Obrigada por estar, sabe? Só por isso.

    Um beijo.

    Mar

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  7. Para a vida no paraíso:)

    Havia jacintos no seu blog. Não resisti à contemplação. E a dizer que tinha gostado de estar ali um bocadinho. Como se fizesse parte, creio. Do percurso até que sejam flores. Assim, sei que num destes lugares virtuais, há um sítio onde há flores verdadeiras que estão a crescer. Hei-de acompanhar as suas flores, então. E agradecer por isso.
    E sabe, os seus jacintos e a minha memória dos Pearl Jam têm muito a ver. Nem imagina quanto. Mais um motivo para querer ver os seus jacintos sempre que os partilhar.

    Um beijo aí para o paraíso:)

    Mar

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  8. Olá Ilídia:

    Uma multidão imponderável de gente. Há uns anos no Restelo. E eu e a minha mochila. A música dos Pearl Jam nunca me será indiferente. Fico feliz que se lembre de mim, se acontecer assim. Pela música. Estou a ouvi-los agora. Uma gravação desse mesmo concerto. E está tudo bem. Obrigada. Pelo comentário. Por isso de uma boa semana. E muito por si. Que faz parte.

    Um beijo de boa semana para si.

    Mar

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  9. Olá minha linda:

    Não sei é se cheguei a contar-te as repreensões da minha mãe loira:) Pobre mãe. Acredita que não me deve ter admirado nada, na altura. De vez em quando, faço-lhe um carinho. E peço desculpa por estes impulsos. Que a deixavam preocupada. Sem conseguir dormir. Há coisas que só entendemos quando somos mães. Esta parece-me ser uma delas.
    Mas também sei que fiz bem. Ia em busca de música que não ia acontecer mais. Porque tu até sabes isso melhor do que eu. Um concerto é uma coisa que não volta a acontecer. É sempre de outra maneira.
    E gosto de pensar que vais ao XL. Tal como gosto de pensar que hei-de ir em breve ao Gemelli. Ali perto. Por tu gostares muito. Estás a ver como são as coisas?

    Um beijo.

    Mar

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  10. Olá Sandra:

    Eu sabia que devia haver um lugar qualquer onde estarias:) Pelos vistos, é neste que deixaste. Agradeço muito o convite carinhoso. E lembro-me muito de ti e da tua bebé. Mesmo que não vos conheça no sentido clássico do termo. Mas sim. E não sei bem porquê. Por esta altura, ela deve interagir imenso. E deve encantar-te todos os dias. Com todos os pequenos nadas dos bebés. Que são muito.

    Um beijo com carinho para as duas "pequenas":)

    Da Mar.

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