Durante os dias em que não escrevi aqui, aconteceu o meu filho escrever a primeira frase. Uma coisa muito importante, essa de se escrever uma primeira frase. E a minha alegria pela alegria dele. Depois de escrever a frase que repito interiormente todos os dias. Principalmente nos que custam mais. Que são exactamente aqueles em que temos de ser mais inteiros. Perguntou-me logo se podia fotografar para pôr no blog. Eu disse que durante uns dias não ia haver blog. E o meu pequenino perguntou isto. Se eu tinha deixado de gostar das pessoas. Como é que uma criança de seis anos tira conclusões destas? Como é que acontece que dentro dele, o blog onde a mãe deixa a mesa do almoço ou uma sopa, signifique gostar de pessoas? Guardei a imagem e a folha como tesouros muito frágeis. Ficaram as duas coisas preservadas. À espera de chegar aqui. Para ficar sempre a primeira frase que ele escreveu. Que eu quero tanto que signifique o que significa para mim. E eu não peço que ele seja o mais inteligente da turma. A sério que não. Ou o mais forte. Mesmo que o meu pequenino até seja o mais alto. Mas isso são coisas incontornáveis da genética:) Em tudo o mais, desejo só uma coisa para o meu filho: que seja sempre inteiro. Se conseguir que ele seja assim, sei que estará tudo bem. Mesmo que a vida não corra bem. Que a vida não é lisa. Não é como nós achamos que vai ser. Por isso é que lhe explico cada um dos meus nãos. Que vai ter de esperar por um presente que quer muito. Que tem de o merecer. Por ser assim que a vida faz muitas vezes às nossas vidas. A vida lá fora, a que vai estar fora do nosso alcance. Que ele perceba devagar cada um dos nãos que eu digo com o amor todo de que sou capaz. Para saber lidar com isso. Mas há uma coisa que é sempre sim. Esta que fica hoje. A sopa preferida dele: creme de castanhas. Por esta altura, pergunta todos os dias se a posso fazer muitos dias. E eu digo que sim. Sem mais. Os sins conjugados com os nãos hão-de fazer com que ele seja inteiro. Como no poema de Ricardo Reis. E esta sopa também há-de ajudar a isso de ser inteiro. E grande. Sei que sim. Mesmo que não saiba muitas outras coisas nisto de ser mãe. Mas sei fazer uma sopa que o há-de ajudar a ser grande.
Creme de Castanhas
2 cebolas médias + 1 batata + 1 courgette + três cenouras + 10 castanhas + água, azeite e sal q.b.
Faz-se um refogado com as cebolas e o azeite. Progressivamente, vai-se juntando os restantes vegetais. As cenouras às rodelas primeiro, depois a batata, a courgette (sem casca) e as castanhas. Acrescenta-se água aos poucos, até cobrir tudo. Fecha-se a panela e deixa-se ferver. Quando sim, reduz-se o lume e espera-se uma meia hora. Depois é só fazer com que o creme fique mesmo assim: cremoso. Daquela maneira de que eles gostam muito. Os nossos pequeninos que um dia hão-de ser grandes. E que andam a aprender isto de se ser inteiro. Como nós todos, no fundo. Que passamos a vida a tentar encontrar maneiras de ser inteiros. Melhor quando é assim, creio. Acabamos por nos resgatar sempre. Quando nos lembramos de ser tudo o que somos. Em tudo.
Minha querida Mar, tenho andado ausente. Ocupada com o meu workshop:) E muitas coisas na escola. E outras em casa. E um pequeno acidente pelo meio. Quando conseguir parar um bocadinho, escrevo-lhe um e-mail.
ResponderEliminarO António é uma ternura. Essas perguntas refletem uma sensibilidade muito especial. E concordo consigo nisso do equilíbrio entre os sins e os nãos. Também sigo esse preceito com o meu filho. Tão importante para que sejam inteiros. Também é isso que desejo para o meu Manuel. Não que seja o melhor. Que seja íntegro.
Gostei muito do seu creme de castanhas. Será que o Manuel vai gostar do creme preferido do António?
Um beijo da sua amiga muito, muito cansada (são 23:40, cheguei há pouco do workshop e tenho um bolo no forno para uma atividade na escola, amanhã).
Que bonita está a Mar!!!
ResponderEliminarPrometo visitas regulares ( e não sou de prometer o que não posso cumprir).
Como sp vou me deliciar a ler os teus pots.
Bjinhos
Olá Ilídia:
ResponderEliminarIsso do acidente deixa-me preocupada. A palavra "acidente" tem ressonâncias daquelas. Diga coisas quando puder, que fico inquieta.
E eu sei que sim. Que somos mães deste género. Com sins e muitos nãos. Já tinha percebido que sim pelas leituras do que escreve. Acho que há-de haver maneira de as coisas correrem bem com eles. Mesmo que o mundo todo seja um ruído só, por esta altura. Dá um bocadinho de medo, pensar um futuro para eles. Mas enquanto não há futuro, há as coisas todas que podem ser feitas agora. Como um creme de castanhas. E sim, veja se o seu menino gosta. Também eles podiam começar a descobrir afinidades:)
Descanse. Fim-de-semana com chuva pede lareira, mantas no sofá e chás que parecem não acabar. Eu vou andar em trânsito. Umas conferências de que hei-de falar. Sobre o corpo. E literatura. E filosofia. E arte. E o encantamento todo de poder ouvir. E fazer perguntas como no tempo da escola:)
Um beijo para si. E para o seu Manuel. A ver se ele gosta de creme de castanhas, então:)
Mar
Olá Sandra:
ResponderEliminarQue bom que estás de volta! A sério que andava angustiada a olhar para o teu último post ( em Julho). Não voltes a fazer destas coisas, que as pessoas ficam preocupadas:)
Carinho para ti e para a tua pequenina. Que vai ter o primeiro Natal da vida dela:) Um encanto, vais ver.
Mar
Olá minha Mar!
ResponderEliminarDevolvo-te as palavras... Uma coisa que nunca fiz, creme de castanhas. Comi só uma vez e tinha um sabor tão tão intenso que não gostei. Mas deste sim. Apetece muito provar e fazer. Coisas que motivas nos outros.
E coisas que motivas no António. Disse aos meus meninos que o António tinha escrito uma frase. E eles perguntaram se uma frase eram muitas palavras juntas ;) Não são precisas muitas, como sabemos. São precisas as certas.
Babette
PS.Temos que falar com tempo! Quero saber dessas conferências e dessas coisas boas que te têm preenchido os dias. Mas a semana foi cheia e o dia de amanhã também será (mandei-te sms). Por isso votos reiterados de um fds bom. Ainda que com chuva.
O seu menino é alto e também já é "inteiro". Porque só um menino "inteiro" questiona a mãe sobre algo tão denso e profundo.
ResponderEliminarIgualmente profundo o Pe. Anselmo Borges que também gosto tanto de ouvir. Porque me obriga a reflectir; porque põe do avesso um mundo que não é fácil e banal.
Bom fim de semana de conferências!
Não só as características físicas são "coisas incontornáveis da genética", também a sensibilidade, a delicadeza, a inteligência, o saber/querer ser inteiro.
ResponderEliminarE o teu pequeno grande Homem tem a quem sair... :)
Olá minha Babette:
ResponderEliminarSabes que me aconteceu exactamente a mesma coisa com o primeiro creme de castanhas? Achei demasiado doce. Depois percebi que a receita dessa sopa tinha natas. E uma ausência incompreensível de legumes. Esta versão fez-me descobrir que é possível fazer uma sopa de Outono sem aquele carácter adocicado de que não gostei. Tenta tu também. A ver se te acontece a mesma reconciliação que a mim:)
Que bom que os teus meninos estejam a par destes novos desenvolvimentos na vida do António. Foi o Vasco que lhe escreveu os versos para ele copiar. Porque ele queria ver se era capaz de uma frase. E esta é assim como disseste. Tem as palavras certas.
Estou cansada, sabes? Mas pela inquietude boa do espírito. Aquilo de ouvirmos com encantamento. De escrevermos com urgência o que está a ser dito. E anotar objecções. Ou incompreensões. E muito o que gostámos muito. Para o ano há mais. E as conferências vão ser dedicadas sabes a quê? A comida:) Comida e história. Comida e filosofia. Comida e arte. Comida e o que quisermos. A ver se para o ano posso voltar. Tenho sempre medo de não poder as coisas todas que estão para vir.
Um beijo da tua amiga.
Mar
Mesmo ternurenta, esta pergunta do meu filho. Entendi-a como sintoma de disponibilidade interior para os afectos. Sabe que este é um lugar de afectos para a mãe. De encantamento renovado. Fico feliz por ter intuído essas coisas boas no meu pequenino. Que é um bocadinho alto para a idade:)
ResponderEliminarE esta afinidade: o professor Anselmo Borges. E o privilégio de o ouvir. Antes disso, uma exclamação carinhosa, bem antes de dar início à conferência: a Mar:) Na primeira fila, para não perder nada do que ia acontecer. A partir do momento em que o pensamento começasse a desenhar-se pela palavra. Desculpe, que acho que escrevi demais:)É assim quando escrevemos sobre pessoas de quem gostamos muito. E quando nos dirigimos a alguém que se nos dirigiu.
Um beijo para si. De obrigada.
Mar
És generosa como só as amigas conseguem:) Acho que está a crescer bem. Mas olha que é um bocado índio:) E diz aquelas coisas de Tom Sawyer, quando lhe perguntam se está a gostar da escola. Que o recreio é que é bom:) Mas está a saber separar as coisas. Por enquanto. É sempre prudente dizermos por enquanto, nisto de filhos. E no resto também.
ResponderEliminarUm beijo para ti. E outro para a tua menina. Devolvo-te o carinho que deixaste.
Mar