Quando alguém me pergunta sobre um sítio em Lisboa, aquele que recomendo de imediato e sem reservas, é este. O Maçã Verde. Um restaurante familiar, na Rua dos Caminhos de Ferro, junto à Estação de Santa Apolónia. Comida honesta a preços honestos. Um dos sítios onde os chefs de cozinha vão, quando querem sentar-se num sítio e ser (bem) alimentados. E eu também, quando ando por Lisboa. Há outros sítios, mas tem de haver espaço e tempo para este. Jantar ali, antes do alfa pendular das oito que me faz regressar a casa, é uma espécie de antecipação de casa. Gosto muito de Lisboa, mas adoro o momento em que me sento no meu lugar de comboio, abro o livro que viaja comigo e vejo a cidade a ficar para trás, numa sucessão metálica e vertiginosa. Antes desse momento, é tão bom saber que posso chegar ao Maçã Verde por volta das sete da tarde e que à minha espera há um sorriso, comidinha de mesa de família e aquela frase não se preocupe, que a menina é que ainda vai ter de esperar pelo comboio. E sim. O serviço expedito e experiente e a atenção e o cuidado fazem com que sim. Com que seja eu quem espera uns minutos pelo comboio.
À hora de almoço, o Maçã Verde é um daqueles lugares com gente à porta, com vontade das coisas todas que há ali. É só aguardar um bocadinho, quando há muita gente. Dizem-nos logo a que horas é que haverá mesa e se queremos esperar. E sim, vale a pena esperar, se der para isso. Esperar pelo óptimo peixe grelhado, pelas sardinhas, pelas pataniscas, pelo arroz de tomate ou de feijão naquele ponto justo de sabor e de densidade, pelos (maravilhosos) chocos fritos, pelas sopas que são como as das mães que cozinham com o coração, pelo arroz doce, pelo leite creme queimado na hora. Vale mesmo a pena. Em todo o caso, há maneiras de evitar isso e fazer como se deve fazer nestes casos: ir mais cedo ou ir mais tarde.
É um sítio seguro, no que diz respeito ao mais importante: a comida. E foi disso que procurei deixar registo, mais do que tudo. Pelo meio, numa das vezes lá, a imagem que, para mim, faz a síntese do significado maior dos tais restaurantes familiares. Os restaurantes que são feitos, mais do que tudo, dos clientes que voltam uma e outra vez, até não precisarem de dizer nada. Os restaurantes onde as pessoas se sentem em casa. Os restaurantes onde a comida não é matéria que intimide ou que nos coloque em território desconhecido. Ao contrário: aproxima. E é mesmo disso que trata essa imagem. Pessoas a passarem tempo juntas, num sítio onde comem bem e onde se sentem em casa, claramente. E parece-me mesmo importante dar conta de sítios onde se pode comer bem em Lisboa por valores honestos. Porque Lisboa é linda e tudo o mais, mas Lisboa parece estar a perder a noção. A todos os níveis. É uma febre. Como todas as febres, há-de passar. Enquanto não, que lugares destes sobrevivam a essa febre e que perdurem.
Com este sítio-casa, imagens soltas da cidade. O céu de Lisboa rendilhado, recortado. Os telhados. Uma escada a dar para lado nenhum. A arte da ARCO que me faz fazer quilómetros. E um dos livros das viagens silenciosas, com música nos ouvidos. Quase que cheguei à última página, no dia em que foi comigo, apesar de ser pesado e de ter andado de um lado para o outro. Uma das muitas coisas boas do meu meio de transporte de eleição: o caminho vai acontecendo, ao ritmo da música que estivermos a ouvir e das páginas que estivermos a ler. Mas a estação de Aveiro aconteceu antes da última página e tive de suspender a ficção apaixonante deste livro. A ascensão do nazismo, contada pela filha de uma judia alemã que se foi deixando ficar, que não fugiu da Berlim que amava desde sempre, por não acreditar que fosse mesmo possível que o país inteligente, culto e amante das artes e da liberdade pudesse ser capaz de tanto inacreditável. Mas foi. E isso é História. E muitas histórias dentro da História. Comprei este livro por causa do título, da analepse imediata ao lê-lo, quando um miúdo de cinco anos me disse esta frase tal e qual. Nunca me esqueci. Da frase e da explicação desse miúdo. Há, na infância, uma verdade que nunca mais. Este livro também é sobre isso.
A música é esta. Russ. Cherry Hill.
Com este sítio-casa, imagens soltas da cidade. O céu de Lisboa rendilhado, recortado. Os telhados. Uma escada a dar para lado nenhum. A arte da ARCO que me faz fazer quilómetros. E um dos livros das viagens silenciosas, com música nos ouvidos. Quase que cheguei à última página, no dia em que foi comigo, apesar de ser pesado e de ter andado de um lado para o outro. Uma das muitas coisas boas do meu meio de transporte de eleição: o caminho vai acontecendo, ao ritmo da música que estivermos a ouvir e das páginas que estivermos a ler. Mas a estação de Aveiro aconteceu antes da última página e tive de suspender a ficção apaixonante deste livro. A ascensão do nazismo, contada pela filha de uma judia alemã que se foi deixando ficar, que não fugiu da Berlim que amava desde sempre, por não acreditar que fosse mesmo possível que o país inteligente, culto e amante das artes e da liberdade pudesse ser capaz de tanto inacreditável. Mas foi. E isso é História. E muitas histórias dentro da História. Comprei este livro por causa do título, da analepse imediata ao lê-lo, quando um miúdo de cinco anos me disse esta frase tal e qual. Nunca me esqueci. Da frase e da explicação desse miúdo. Há, na infância, uma verdade que nunca mais. Este livro também é sobre isso.
A música é esta. Russ. Cherry Hill.
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