A serra, a Casa Margou e o Tradidanças.
























Há lugares que nos dizem que poderemos andar pelo mundo o que quisermos e pudermos, mas que a eles, voltaremos sempre. Para mim, um desses lugares, é a serra aqui perto. Olho-a todos os dias à distância. Ela está lá, a contemplar-nos do alto daquela majestade silenciosa. E sim, como se dissesse que podemos fazer planos, conhecer sítios distantes, ver e estar com outras pessoas, andar muito pelo ruído do mundo, mas que haveremos sempre de regressar ao silêncio que só ali. É uma entidade, a serra. E linda ao ponto de ser urgente parar para a guardar. Sob todos os ângulos. Em todas as estações. Nunca consigo não fotografar. Nunca dá para ser indiferente, para pensar que é coisa de ficar só na memória. Já é tanto, quando assim é. Mas é mesmo bom guardar as imagens e o que esse momento de guardar pressupõe de sentir aquele oxigénio em pleno, de fotografar as nuvens e as cadências imperceptíveis das nuvens, mais o ondulado da geografia e os abismos todos e as pedras e a vegetação rarefeita e o vento dali, mesmo em dias de sol. Estar perto do céu e depois as descidas vertiginosas que fazem o coração acelerar. A poeira, as pedras, o cheiro das ervas da serra. E, mais do que tudo, todas estas coisas e as que não consigo dizer, serem do género de viver imediata e intensamente. Não é de pensar, não é de racionalizar. A serra abre-se em caminhos e nós vamos seguindo. Numa ou outra bifurcação, escolhemos. 
Uma dessas bifurcações é aquela em que escolhemos entre as aldeias da Drave e Gourim. No dia das imagens, Gourim. Para ir conhecer a Casa Margou. Há tanto tempo que já devia ter acontecido isto e só agora. As coisas têm um momento certo para acontecer. E esse momento não podia ter sido melhor, porque fiz o caminho vertiginoso até Gourim ao lado desta (minha) pessoa linda. Por isso, a vida lá sabe o que faz, apesar de tudo. Sítio bem especial, a casa lá ao fundo. O caminho todo, pensamos que não vai ser possível, que aquele caminho é impossível. E quase, porque só a pé ou de jipe. Não dá para estar a inventar nem dizer que dá de outra forma. Mas isso faz parte do que é de viver, na Casa Margou. O lugar que é habitado pelo amor da Maria e do Serafim. Mais do que aquilo que é visível, esse dado que tudo determina. Mal chegamos, somos envolvidos por esse amor que é feito de abraços e de sorrisos francos. A casa é de xisto e as paredes têm uma cartografia desenhada. Palavras. Formulações. Símbolos e signos. Coordenadas interiores. E, apesar de estar sentada a uma mesa cheia, apesar dos risos e das conversas cruzadas e maravilhosamente desorganizadas, aquele silêncio e aquelas coordenadas estavam a fazer o seu caminho interior. E isso é coisa que não se esquece. Num mundo em que as pessoas facilmente se esquecem do que de especial e de grato lhes aconteceu, é bom sabermos que, ainda assim e não obstante todas as perdas e desilusões, continuamos a tomar conta do que em nós se encanta sem mais e agradece muito à vida. Chama-se a isso perseverar. E outras coisas. E outras coisas. A Maria tomou conta desta casa, quando a herdou. Chamou-lhe Casa Margou, lugar de reencontro, porque seria o lugar onde a sua família dispersa pelo mundo e pela vida, se reencontraria anualmente. Pelo menos uma vez por ano, esse reencontro na casa onde nasceram. Isso é lindo por si só, mas esta casa é um espaço onde muitas coisas lindas acontecem. E que assim continue(m). 
Com a serra e a Casa Margou, o festival que vai acontecer daqui a uns dias e que me é muito especial por motivos que não vou estar a enunciar. E então, as tribos que dançam, voltarão a partilhar tudo o que se partilha, num festival de danças do mundo. E que é mesmo coisa de viver. Não é bem de dizer. Mas sei o que vai acontecer, nas noites do Tradidanças, porque conheço bem o meu lado que dança. Sei que seguirei a música como um fio invisível e que a seguir, será fácil como sempre foi. E começarei a dançar. Lá de cima, a serra continuará a respirar e a contemplar-nos silenciosamente. E é assim. E é lindo. E tudo o mais está certo, mesmo que pareça errado e fora de lugar. Quem dança, sabe. Quem dança, entende. 

A música é o som da alegria das danças de roda. Tinha de ser. Aquele momento imprevisível em que as mãos se dão e uma dança colectiva acontece. Será assim outra vez, daqui a dois dias. 

2 comentários:

  1. Também tenho a minha serra e as suas sábias palavras cabem dentro dela, sem tirar nem pôr.

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