Obrigada, Verão ♡

















Por dentro, Verão o ano inteiro. A disposição é sempre solar. Mas quando é Verão, é mais, é tanto. Porque essa luz de dentro, é uma alegria só e acontece sem ser preciso quase nada. Quase nada do que se entende como habitual, quero dizer. São coisas da ordem da graça. Aquelas coisas maravilhosas nas nossas vidas, as que acontecem e pronto. Aquilo de o cabelo secar com o sol e com o vento, por exemplo. Ou de bastar um vestido leve e qualquer coisa nos pés. Aqueles segundos, antes de começar um concerto. Ou aquele momento. Aquele momento em que, sem sabermos como, nem porquê, sentimos que está tudo certo. Com todos os nossos errados, com todas as nossas faltas e falhas, aquela sensação de olharmos para nós, de olharmos à volta e estar tudo bem. Estar tudo certo porque aquele momento inqualificável é isso: certo. 
Um Verão ainda mais ao sabor do oxigénio imediato. Tanta coisa vivida sem antecipação, sem planos, sem pensar demoradamente. Tanta coisa que foi da ordem do ir sem medir. Tanta coisa que não fazia há tanto tempo, por achar que já não era capaz, que já não era para mim. Ir ver Deftones pela quarta vez e fazer isso como fazia, quando a vida era eu e a minha mochila e os sítios onde estava. Ir e voltar no mesmo dia. Ver nascer o sol no caminho de regresso a casa. Há tanto tempo que não via a Gare do Oriente de madrugada. Aquela sonolência inocente das pessoas nas escadas, enquanto não é hora de partir num comboio rápido. O sono universal. Independente das tribos e das imagéticas mais ou menos pesadas. 
Tanta luz. Tanta sombra. Tanto silêncio. E música. Muita. Bem nesse epicentro rodeado de gente por todos os lados que determinou tantas das minhas decisões e reformulações e reconsiderações. Também (n)este Verão, isso. Tão bom verificar que a vida não nos transforma num cadáver adiado, como diz o Quinto Império do poeta maior. E que em (alguns de) nós permanece aquela poesia que sabe que é bom virar tudo ao contrário. Poesia cheia de futuro. Como se fosse tempo de criar espaço, de deixar que o vazio se instale. É preciso isso. O vazio não tem de ser necessariamente mau. Respiramos melhor num lugar livre, desimpedido. Isso acontece com as casas. E connosco, com as nossas vidas. Criar espaço para que coisas novas possam encontrar lugar. Criar espaço para aquele friozinho do e agora?
Fica aqui a narrativa silenciosa desses momentos em que senti que estava tudo certo. Que, naquele momento em particular, nada me faltava. Estava onde queria estar. Sozinha. Com outras pessoas. Mas onde queria estar. É raro, isso. A vida contemporânea é tão esmagadora. Cheia de apelos mais ou menos ruidosos, cheia de imagens trabalhadas de gente que parece nunca duvidar, nunca questionar, nunca cair e nunca ter de se levantar. Saber sempre as respostas para as perguntas todas. Não parar. Não pensar. Não ter medo. Não isso. Eu gosto de imagens desfocadas, de imperfeições, de hesitações e (muito) da deliciosa irracionalidade que transforma o normal em excepcional, o expectável em inesperado, o habitual em desconhecido. É isso.  
Depois do Equinócio de Outono, esta cronologia. Este intervalo. Sítios mais ou menos abstratos. Sem receitas, porque este Verão estive prolongadamente sem fotografar comida. Quando se tem um blog de culinária há tanto tempo e tão a sério como eu, sabe-se que esse escolher não fotografar é oxigénio precioso. Caso contrário, vira obrigação. Ou então, é um trabalho e pronto. Só estes instantes. Só estas palavras. E o tanto que não dizem. É quando as coisas chegam ao fim, que olhamos para trás, com o sentido no que há-de vir. A primeira imagem é síntese disso mesmo. Do lugar inesperado em que olhamos para o que houve antes, virados para o que vem depois.

A música é dos Deftones. My own summer. Nunca se esquece o que se sente, quando esta música começa. E também esse momento é uma memória linda por si só. Aquele início. 


4 comentários:

  1. Este texto , ou o que nele se sente, poderia ter sido escrito por mim. Porque sentido já foi, embora em circunstâncias diferentes. A descrição "daquele" momento é tão assim!
    Um beijinho . Adoro lê-la.

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    1. Olá Guida,

      Tão bom que tenha sentido assim. Tão bom que as palavras estejam cheias de coisas que sentimos, vivemos. E sim. "Aquele" momento. Uma vida cheia de momentos desses para si.

      Obrigada. Muito.

      Um beijinho grande*

      Mar

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  2. A (minha) Mar. Que é poesia. É vento e água. É calmaria e tempestade. É real mas tão cheia de lirismo.Com as incertezas todas que existem em mim, tenho também esta verdade de que a Mar é linda. Só pode ser linda. E sabe descrever o que sinto tantas vezes mas que não sei pôr em palavras. (Mais uma vez) Obrigada. Faz-me muito bem lê-la. Sandra (dos livros). :)

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    1. Minha querida Sandra dos livros, que lindo, o lastro que aqui deixou. Isso é que é lindo. As marcas boas que deixamos no caminho. Fico muito feliz e muito grata por ser lida dessa(s) maneira(s). Obrigada. Sempre. E mais uma vez.

      Um beijinho muito grande para si*

      Mar

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