Casa Salvador _ Madrid.



















De todos os endereços em Madrid, este. Certo, constante, familiar. Desde 1941 que este sítio faz mais do mesmo. E bem. Faz (muito) bem aquilo a que se dedica. É uma taberna, uma casa de pasto. Restaurante é uma palavra demasiado asséptica para o categorizar. A Casa Salvador é um dos clássicos de Madrid. Um dos lugares onde se consegue sentir a alma da cidade. A comida diz coisas sem dizer. Para mim, por motivos óbvios, é a maneira de sentir um lugar, de tentar percebê-lo. A narrativa oculta das privações e da abundância, dos dias de festa e dos dias de guerra, de um tempo anterior que determinou que a comida tenha uma alma que não há em nenhuma outra geografia. As minhas memórias dos sítios são tecidas assim, através da comida. Se fechar os olhos, pensar num sítio e a evocação imediata for a comida, está tudo bem. O sítio ficou-me. E eu nele.
A Casa Salvador surgiu durante o período difícil do pós-guerra. Uma Espanha ferida por uma guerra civil que é como todas as guerras: terrivelmente indizível. Talvez o Guernica de Picasso tenha chegado perto de a dizer. Talvez ele. Depois disso, o regime de Franco. E foi nessa altura improvável que a Casa Salvador foi fundada. E ainda bem que sim, que esses anos de repressão e de mágoas tenham dado origem a um sítio como este.
Mas comida a sério não precisa que se conte histórias. Comida a sério pede só para que nos concentremos bem no que estamos a viver. E neste sítio, a comida é a sério e é um assunto sério. Começa pelo início, pelo momento em que nos sentamos. A primeira coisa que peço, seja onde for, é pão e azeite. Nos países do Sul, aqueles sorrisos de reconhecimento, por partilharmos a mesma alma. Depois dessas duas premissas, o queijo Manchego bem curado que eu adoro desde a minha primeira viagem a Sevilha, ainda adolescente. E aquilo que, para mim, sintetiza Espanha: jamón ibérico. Vinho tinto, o mesmo sorriso de reconhecimento e está tudo certo. De vez em quando, creio que só me bastaria isso. Mas seria uma lástima perder tudo o que acontece a seguir a esse momento inicial, à mesa deste sítio. Por isso, é melhor calibrar bem esse apetite inicial, por mais difícil que isso seja:)
A comida é franca, honesta. Voluptuosa e familiar. E deliciosa, com aquela generosidade que reconhecemos das comidas feitas pelas mães e pelas avós. Num determinado momento, consegui guardar a imagem de uma mesa próxima, de um homem a usar um pedaço de pão como adjuvante no gozo que aquela refeição estaria a dar-lhe. E ainda bem que sim, que eu acho que essa imagem, por si só, diria bem este lugar. Gestos destes são de casa, são de quem se sente em casa. E isso vem da comida. E também das pessoas que trabalham ali. Serviço à antiga, no melhor dos sentidos. Aquele respeito. Pelo lugar onde estão, pelas pessoas que ali chegam há tantos anos, pela comida que colocam nas mesas. Sítios destes são raros e este em particular é-me tão importante ao ponto de ir de propósito. De ir sem pensar, para jantar ali e ser bem feliz. Ser impulsiva e passional a esse ponto. Que bom que assim é. Comida desta não está sujeita a ondas nem a modas. Comida desta perdura, persiste. E eu gosto muito de deambular por comidas e por expressões muito diferentes, mas comida assim é o lugar a que regresso e de onde nunca chego a sair, no fundo. 
Mais uma coisa importante: não sair da Casa Salvador sem pronunciar estas duas palavras, quando se pedir a sobremesa: leche frito. Se se está feliz, depois de essas duas palavras virem para a mesa, é-se ainda mais feliz:) E está. Uma página deste meu sítio a propósito de um sítio. Queria muito que a Casa Salvador fizesse parte. E agora faz. 

A música é esta. 


6 comentários:

  1. Fiquei com muita vontade de conhecer, este local tão especial. Até porque quando os sitíos não saem de nós... só pode significar algo de muito bom. ;)

    Adorei as fotografias, e que saudades que eu já tinha de voltar aqui! :)

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    Respostas
    1. Este sítio deixa mesmo uma marca. Um daqueles sítios onde somos felizes sem estar a racionalizar. Ficas tão concentrada na parte de sentir, que tudo o mais é conversa:)

      Obrigada. Também tinha saudades tuas:) Bem-vinda de volta, então.

      Um beijo.

      Mar

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    2. Esses sítios são os que valem a pena. :)

      Ohhh és um doce ;)

      Outro grande para ti ❤

      *Respondi hoje ao teu comentário tão querido, no meu blogue.

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    3. São os que (nos) ficam. Ainda ontem à noite estive a falar sobre este sítio e sempre aquela vontade de ir num instante a Madrid:)

      Tu também, minha querida. Já fui ler-te:)

      Um beijo grande de bom fim-de-semana!

      Mar

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