Madrid é declarativa. Madrid diz (logo) ao que vai. Não manda dizer nem pensa muito. Madrid é bem resolvida. Madrid é assumida. Madrid não perde tempo com angústias. Madrid é orgulhosa mas não é snob. Madrid anda para a frente. Madrid é romântica e impulsiva. Madrid perdoa mas não esquece. Madrid é quente e fria. Porque Madrid gosta dos extremos. Madrid não é meio-termo nem de meias-palavras. Madrid é à flor da pele. Se Madrid fosse uma cor, Madrid seria vermelho-sangue. Se Madrid fosse gente, Madrid seria uma mulher apaixonante, de corpo sinuoso e com uma alma a dizer quero lá saber. Madrid gosta dos que ganham e dos que (se) querem perder. Madrid ri-se quando quer e chora quando tem de ser. E é sonora e ostensiva nas duas coisas: a rir e a chorar. Madrid é linda. A Madrid volta-se sempre. Melhor: volto sempre a Madrid. Para dar mais densidade a este ponto: nunca me despeço de Madrid, porque sei que hei-de regressar. Haja vida para isso.
O pretexto para cada um desses regressos tem sido sempre a arte que apaixona ao ponto de se ir ao encontro de. Tal e qual como nas paixões. Quando é a esse ponto indizível de paixão, faz-se caminho de propósito, arranja-se maneira de. Desta vez, a conjugação de astros fez com que duas exposições ditassem mais um regresso a Madrid. Bosch + Caravaggio. A linguagem encríptica dos quadros de Bosch. Os detalhes que motivam olhares prolongados e perscrutadores. A "carne" dos quadros de Caravaggio. E não há vermelho como nos quadros de Caravaggio. É o que penso, sempre que o meu silêncio se demora num Caravaggio. É um vermelho que não há. É um vermelho que existe porque Caravaggio existiu. E isso é tão para lá do que se consegue dizer ou pensar. No fundo, creio que é esse o (meu) espírito, nestas coisas da arte. Emudecer. Não encontrar palavras. Sentir e pensar e olhar sem discursos prévios ou paralelos. Gosto e pronto. Não gosto e pronto. Não quero visitas guiadas nem que me aborreçam de tédio, a explicar as razões pelas quais eu tenho mesmo de gostar de não sei o quê. Nada disso. Acontece ou não acontece.Talvez por isso goste de registos diferentes entre si. O que tem de acontecer é que as coisas me digam alguma coisa. Seja o que for. Conhecido ou desconhecido. Antigo ou contemporâneo. E nunca vou a Madrid sem (re)ver a poesia espiritual Rothko, numa das salas do Thyssen-Bornemisza. Depois da exposição temporária de Caravaggio, fui até ao lugar onde repousa a tela-poema de Rothko. Como se o caminho até lá se fizesse sozinho. Como se aquela sala fosse lugar sagrado. E para mim é.
Ainda não tinha feito aqui um registo digno da minha paixão por Madrid. Não aconteceu assim. Isso aplica-se a Madrid e a outros lugares que (ainda) não estão aqui. Desta vez, sim. Com mais tempo e com mais oxigénio do que nas vezes anteriores, apesar do calor todo de Julho em Madrid. Essa foi a parte que fez respirar fundo, antes de decidir ir. O ar denso e seco dos Verões madrilenos que nem a noite consegue dissipar. O início do registo é aparentemente aleatório, mas as coisas raramente são o que parecem. Quis que aqui ficasse a alegria e as cores das pessoas. Os edifícios e as ressonâncias silenciosas das pedras. A limonada fresca daquela que é a livraria mais completa de Madrid, a La Central. Vários pisos cheios de livros e, logo à entrada, comida ligeira e deliciosa e, informação importante e de reiterar, uma limonada maravilhosa:) O resto é água fresca e procurar a relva e a sombra das árvores nos parques e nos jardins. Deambular sem urgência, para que a cidade intensa que é Madrid não se nos torne insuportável. Viagens no espírito de desperdiçar tempo, de o deixar ser aquilo que tiver de ser, aquilo que quisermos. Esse compromisso em tudo, de resto.
E uma coisa linda de todas as viagens: piqueniques improvisados nas camas de quarto de hotel. Serviço de quartos, comida de rua. Coisa de final de tarde ou de madrugada. Não me interessa, desde que aconteça sempre. Aquela coisa boa de haver um quarto fresco num dia de muito calor, banho, roupão branco, cabelos molhados e comer coisas aleatórias que são os sítios onde se está. Com isso, a alegria do meu filho, que percebe e que ama estas coisas ao contrário. A mãe que lhe diz desde muito pequeno para manter as costas direitas e os cotovelos fora da mesa, é a mesma mãe que lhe diz que é na boa comer pizza com as mãos e que é na boa pormos uma espécie de mesa numa cama branca.
Madrid é muitas coisas na minha memória. A essas coisas, junta-se isto que é de agora. O livro ácido e a abrir de Vargas Llosa que comecei e que terminei lá. Um dos meus aromas verdes preferidos e o cheiro a amêndoas nas mãos. Os risos muito frescos das crianças por causa das bolas de sabão na Plaza Mayor. O vestido vermelho e a mala azul de uma mulher a entrar numa festa. A minha alegria por ver um dos livros do Gonçalo M. Tavares na quarta edição em Espanha. Um pássaro que o meu filho fotografou de muito perto. O Bernini que o meu marido venera. Uma rapariga gira, a andar de bicicleta, indiferente ao trânsito caótico da cidade, num dia (muito) quente de Julho. E é isto. No próximo post, a comida franca e voluptuosa de Madrid. É assim que a lembro. À comida. E à cidade.
NB: A propósito de museus e de filas para as bilheteiras, parece-me útil lembrar que se pode comprar os bilhetes online e antecipadamente. Isso poupa muitas maçadas e faz ganhar tempo precioso. No caso do Thyssen funciona tudo muito bem. No Prado, nem por isso. É preciso trocar os bilhetes previamente adquiridos para as exposições temporárias por um passe com horários de visita que são determinados no momento, mesmo que tenham sido definidos aquando da compra, o que é manifestamente incorrecto. Neste caso, ajuda protestar e lembrar o óbvio. Foi o que fiz, educada e calmamente. E resultou. A educação e a calma costumam ter efeitos:)
A música é fresca e leve. Bem a propósito de dias quentes.
E uma coisa linda de todas as viagens: piqueniques improvisados nas camas de quarto de hotel. Serviço de quartos, comida de rua. Coisa de final de tarde ou de madrugada. Não me interessa, desde que aconteça sempre. Aquela coisa boa de haver um quarto fresco num dia de muito calor, banho, roupão branco, cabelos molhados e comer coisas aleatórias que são os sítios onde se está. Com isso, a alegria do meu filho, que percebe e que ama estas coisas ao contrário. A mãe que lhe diz desde muito pequeno para manter as costas direitas e os cotovelos fora da mesa, é a mesma mãe que lhe diz que é na boa comer pizza com as mãos e que é na boa pormos uma espécie de mesa numa cama branca.
Madrid é muitas coisas na minha memória. A essas coisas, junta-se isto que é de agora. O livro ácido e a abrir de Vargas Llosa que comecei e que terminei lá. Um dos meus aromas verdes preferidos e o cheiro a amêndoas nas mãos. Os risos muito frescos das crianças por causa das bolas de sabão na Plaza Mayor. O vestido vermelho e a mala azul de uma mulher a entrar numa festa. A minha alegria por ver um dos livros do Gonçalo M. Tavares na quarta edição em Espanha. Um pássaro que o meu filho fotografou de muito perto. O Bernini que o meu marido venera. Uma rapariga gira, a andar de bicicleta, indiferente ao trânsito caótico da cidade, num dia (muito) quente de Julho. E é isto. No próximo post, a comida franca e voluptuosa de Madrid. É assim que a lembro. À comida. E à cidade.
NB: A propósito de museus e de filas para as bilheteiras, parece-me útil lembrar que se pode comprar os bilhetes online e antecipadamente. Isso poupa muitas maçadas e faz ganhar tempo precioso. No caso do Thyssen funciona tudo muito bem. No Prado, nem por isso. É preciso trocar os bilhetes previamente adquiridos para as exposições temporárias por um passe com horários de visita que são determinados no momento, mesmo que tenham sido definidos aquando da compra, o que é manifestamente incorrecto. Neste caso, ajuda protestar e lembrar o óbvio. Foi o que fiz, educada e calmamente. E resultou. A educação e a calma costumam ter efeitos:)
A música é fresca e leve. Bem a propósito de dias quentes.
Cada vez fico mais intusiamado com as suas palavras, cativam-me, boas fotos.
ResponderEliminarBeijinhos
Obrigada pelo entusiasmo. Pelas palavras. Algumas das fotografias foram tiradas pelo meu filho:)
EliminarUm beijo.
Tão tão tão bonita a tua Madrid, vossa com as vossas fotografias. Tantas saudades que tinha de aqui vir. Tantas de viajar. Tantas tuas também. O nosso tempo, ainda assim, chega para tantas coisas.
EliminarTão boa essa sensação de fim de dia de cabelos molhados e piqueniques em cama branca, e só tu para me lembrares essas coisas pequenas que ficam meias escondidas na nossa memória.
Um beijo grande.
da Pipinha
Também tinha saudades. De te ler aqui. De falarmos. Ontem conseguimos um bocadinho, com uns equívocos pelo caminho:)
EliminarMuito lindas, as coisas pequenas que parecem perdurar mais do que as que temos como grandes. O António recorda-se sempre é de momentos destes, nas viagens. Como em Milão, tinha ele 4 anos. Lembra-se de sairmos os dois de um museu e de virmos cá para fora comer comida de rua. E sempre dos nossos piqueniques nas camas dos hotéis. Sempre.
Um beijo grande para ti. Boas férias:)
Isa
É tão bom viajar contigo! Gostei tanto deste teu relato apaixonado de Madrid. Eu estive em Madrid apenas de passagem, mas quero muito voltar com tempo para conhecer esta cidade magnífica.
ResponderEliminarJá tinha saudades mesmo, deste teu cantinho lindo e de ti ;)
Saio daqui com um sorriso enorme... adorei o teu texto, adorei as fotografias que me levaram até lá. Gostei de todas, mas adorei especialmente estas: 1,2,3,5,7,10,11,12,14,15 (Adoro!! O sorriso, o movimento, a alegria do pequeno;) 16,18,19,22. Estão lindas, cheias de cor, cheias de alegria, cheias de alma. Cheias de alma como este teu lugar lindo.
E eu também sou como tu, quando gosto de algo, ou de algum lugar, gosto e pronto, sem grandes explicações.
Obrigada pelo teu texto e pelas tuas imagens. Obrigada pelo sorriso com que me deixas sempre.
Um beijinho muito grande para ti e desculpa só comentar agora ❤
*Gostei também da música leve e muito bonita.
Cláudia
Obrigada, linda Cláudia. Palavras lindas, cheias de coração e de alma. Sinto coisas inexplicáveis por Madrid. Adoro a alegria e a ligeireza aparente. A alma a abrir da cidade. Mesmo que seja sufocante nos meses quentes e gelada nos meses frios. Cheia de contrastes. E sim, volta lá com tempo. Vou desejar para que sim:)
EliminarA música tem lastro do som dos Buraka Som Sistema. E sim, muito leve. A música e o vídeo. Que bom que gostaste.
Também tinha saudades tuas:) Obrigada outra vez. E dias maravilhosos para ti!
Um beijo. Não tens nada que pedir desculpa.
Mar
Olá Mar.
ResponderEliminarHá muito que não lhe dirijo palavras. Não por não a seguir mas por coisas...
Hoje apeteceu muito dizer que fico feliz pelas suas coisas...
Adoro Madrid. É tao bom pensar qie estamos lá!
Um beijo com admiração e cainho.
Helena Mendes
Olá Helena,
EliminarBom lê-la. Guardei as suas palavras, mesmo no que não alcanço. E fico feliz por ficar feliz. Muito. As minhas coisas sempre vão encontrando um lugar, aqui. Madrid estava em falta e era incompreensível. As coisas têm o seu tempo. Que bom que também adora Madrid.
Obrigada. Um beijo para si. E bom fim-de-semana.
Mar
Maravilhosa a tua descrição de Madrid (muito provavelmente a mais bonita que alguma vez li. Aquele primeiro parágrafo.. ♥). Que palavras lindas, e tão acertadas. Um gosto de ler para quem ama cidades. Obrigada querida Mar por instantes me fazeres voltar àquela cidade "rojo fuerte".
ResponderEliminarUm beijinho e um bom Verão para ti *
Olá querida Ana,
EliminarTão bom de ler, isso tudo. Ainda para mais por gostar tanto da maneira como andas pelo mundo. Obrigada. E sim, "rojo fuerte":) Muito isso.
Um beijo. Um Verão maravilhoso para ti!
Mar