Segundo as pessoas que vivem a vida de acordo com os ritmos da terra, a neve tem sentidos muito importantes. Junto destas pessoas, não há grande hipótese de queixas por causa do frio ou da geada ou da neve. Dizem-nos com aquela tranquilidade que já viu muito inverno, que é bom que haja frio depois da chuva. E que a neve é só uma benção, se não trouxer tragédias. Porque elimina o mau, o tóxico, o impuro, o doente e, muito importante, renova a terra por dentro. Esse é o seu sentido primeiro. Uma água boa, gelada, a impregnar-se, a descer pelas montanhas numa melodia só. À sua passagem, uma purificação irrepetível.
Há uns dias, a surpresa boa de acordar com neve. À volta, as montanhas eram assim como nos filmes, tal como os via quando era criança. E, claro, esse encantamento recuperado, na felicidade breve de ver neve. Há uma diferença entre uma coisa (boa) que nos acontece e todas as outras que temos de fazer acontecer. Aquilo que fazemos acontecer de bom é uma equação que depende de nós e de outras variáveis mais ou menos calculadas. E isso é bem lindo, mesmo com a possibilidade de desilusão. Mas aquilo que nos acontece de bom sem que tenhamos antecipado ou calculado ou medido, é tanto. Creio que esses pequenos grandes acontecimentos são reiterações de fé. Como se nos fosse sussurrado que isto tudo é de uma magia tão (im)possível, que temos mesmo é de reiterar também. Reiterar a fé na possibilidade. Parece-me que basta ter fé na possibilidade. Pode ser que. Quantas vezes é que (nos) dizemos isto num segredo surdo? Pode ser que. E às vezes sim. E tantas vezes não. Sem que se saiba muito bem como, aquela reiteração. A neve também tem esse sentido. Reitera a nossa fé no que em nós quer muito acreditar que há qualquer coisa de invencível naquilo que as nossas vidas têm de maravilhoso. Seja o que for, o branco da neve é um branco diferente dos outros brancos todos. Seja o que for, aquele silêncio derramado, a cair sobre o mundo, é um silêncio diferente dos outros todos. O vento, lá nas terras mais altas. E as árvores cristalizadas.
Poder estar aqui. Poder assistir a cada um destes milagres pequenos. Sentir as mãos frias e os flocos de neve no cabelo solto. E vir para casa com o propósito imediato de acender o lume e de tomar conta dele como se fosse amor. E a seguir, fazer (mais uma vez) o gelado de natas mais simples do mundo. Tão branco e tão elementar. Tão a lembrar que não. Não é preciso máquina nenhuma. E não, também não é preciso andar a cronometrar movimentos e a mexer de meia em meia hora. E não, não precisa de mais nada. Só de natas e de leite condensado. O resto fica por conta de quem estiver à mesa. E no momento de servir, chocolate e caramelo quente, amêndoas ligeiramente tostadas e framboesas. Isto para quem quiser. Para o meu filho, basta o branco-neve. Fica bem só com esse branco. Com o gelado, este moscatel lá de cima do Douro. Faz sentido, por saber mesmo bem. Com isto tudo, esta revista britânica que acolhe, ao mesmo tempo que faz pensar na vontade de ir. E as flores frescas destes dias. Gosto sempre as ver por aqui, a medir o pulso à vida que é agora.
* O título do post é emprestado deste livro de uma escritora de quem gosto muito sem conseguir compreender ao certo, a Ana Teresa Pereira.
O gelado de natas mais simples do mundo
2 pacotes de natas (uso sempre estas) + 1 lata de leite condensado
Cinco minutos antes de bater as natas, levo ao congelador os pacotes e a taça onde serão batidas. A seguir, é bater até que estejam bem firmes e juntar depois a lata de leite condensado. Depois, é esquecermo-nos do gelado no congelador. Quando voltarmos a pensar nele, estará maravilhosamente pronto:)
NB: Antes da música, queria deixar a (mais uma vez) minha gratidão à Sofia. Porque sempre que ela partilha fragmentos deste meu sítio lá no sítio dela, a minha alegria é assim como ver flocos de neve a cair do céu. Reiteração de fé, também esse gesto dela. Faz-me ter fé. Nas pessoas (boas), nos bons gestos, nas boas palavras. E naquilo que escrevo, também. Obrigada então, querida Sofia.
A música é do Lou Reed. Porque parece neve a cair no mundo. Porque aquela formulação take a walk on the wild side é das mais bonitas do universo que conhecemos. E porque gosto muito desta música sem conseguir explicar porquê. É bom gostarmos das coisas e das pessoas sem conseguir explicar porquê.
Poder estar aqui. Poder assistir a cada um destes milagres pequenos. Sentir as mãos frias e os flocos de neve no cabelo solto. E vir para casa com o propósito imediato de acender o lume e de tomar conta dele como se fosse amor. E a seguir, fazer (mais uma vez) o gelado de natas mais simples do mundo. Tão branco e tão elementar. Tão a lembrar que não. Não é preciso máquina nenhuma. E não, também não é preciso andar a cronometrar movimentos e a mexer de meia em meia hora. E não, não precisa de mais nada. Só de natas e de leite condensado. O resto fica por conta de quem estiver à mesa. E no momento de servir, chocolate e caramelo quente, amêndoas ligeiramente tostadas e framboesas. Isto para quem quiser. Para o meu filho, basta o branco-neve. Fica bem só com esse branco. Com o gelado, este moscatel lá de cima do Douro. Faz sentido, por saber mesmo bem. Com isto tudo, esta revista britânica que acolhe, ao mesmo tempo que faz pensar na vontade de ir. E as flores frescas destes dias. Gosto sempre as ver por aqui, a medir o pulso à vida que é agora.
* O título do post é emprestado deste livro de uma escritora de quem gosto muito sem conseguir compreender ao certo, a Ana Teresa Pereira.
O gelado de natas mais simples do mundo
2 pacotes de natas (uso sempre estas) + 1 lata de leite condensado
Cinco minutos antes de bater as natas, levo ao congelador os pacotes e a taça onde serão batidas. A seguir, é bater até que estejam bem firmes e juntar depois a lata de leite condensado. Depois, é esquecermo-nos do gelado no congelador. Quando voltarmos a pensar nele, estará maravilhosamente pronto:)
NB: Antes da música, queria deixar a (mais uma vez) minha gratidão à Sofia. Porque sempre que ela partilha fragmentos deste meu sítio lá no sítio dela, a minha alegria é assim como ver flocos de neve a cair do céu. Reiteração de fé, também esse gesto dela. Faz-me ter fé. Nas pessoas (boas), nos bons gestos, nas boas palavras. E naquilo que escrevo, também. Obrigada então, querida Sofia.
A música é do Lou Reed. Porque parece neve a cair no mundo. Porque aquela formulação take a walk on the wild side é das mais bonitas do universo que conhecemos. E porque gosto muito desta música sem conseguir explicar porquê. É bom gostarmos das coisas e das pessoas sem conseguir explicar porquê.
Estes episódios pontuais e inusitados de neve, que ocorreram no nosso país no último fim de semana, quase que me levavam a colocar meia dúzia de peças na mala, ir até ao aeroporto, esperar por este e aquele voo de ligação e mais este ou aquele transporte terrestre que me conduzisse à neve. Controlei o ímpeto, mas estive tão quase a matar saudades desta paisagem imensa envolta em branco. As melhores memórias que tenho da neve são dos dias passados na Sanábria, em Espanha. Foram dias em que voltei a ser criança. Comportei-me mesmo como uma criança e enlouqueci de alegria com todas as brincadeiras possíveis que a neve facultava. As imagens deste fim de semana em diferentes canais televisivos trouxeram-me a saudade. Começo a acreditar que viver num clima ameno como este não tem graça nenhuma!
ResponderEliminarE gostei desta tua sugestão alva e gelada saboreada em ambiente quentinho! Também sou fã de gelado de nata por este ser grandioso na simplicidade e aceitar todas as outras possibilidades em forma de acompanhamentos.
beijinhos
Patrícia
Olá Patrícia,
EliminarEste fim-de-semana foi cheio de neve, sim. E os dois últimos dias têm sido de um sol maravilhoso. O mundo e os seus contrastes. Os seus quentes-frios.
Percebo isso de dar vontade de ir em busca de neve. Tem esse efeito, essa urgência muito transversal. As pessoas grandes sentem um vislumbre do encanto de criança e as crianças fazem como fazem as crianças: concentram-se em viver aquele imediato sem angústias.
Este é "o" gelado, aqui. Tenho-o feito tantas e tantas vezes, neste Inverno. Simples e a aceitar bem todas as possibilidades. E sim, sabe tão bem assim. Com o lume aceso e o frio lá fora. Coisas pequenas.
Um beijo. Dias bons para a tua ilha verde-maravilhoso. Toda a gente diz que essas ilhas são de um verde inesquecível.
Mar
Olá Mar,
ResponderEliminarEu não gosto de neve. Nem de chuva, nem de vento.
Mas, já li que todos esses fenómenos são necessários e benéficos.
Apesar disso, gostei muito deste post. Por chamar a atenção para as coisas boas que acontecem sem estarmos à espera, pela receita sem complicações (é só fazer e desfrutar) e pela música. Gosto muito desta música!
Um beijo do Algarve e "take a walk on a wild side! Sempre!
Sandra Martins
Olá Sandra,
EliminarEu percebo:) Mas sim, faz tudo parte de processos maiores do que nós. A mim, só me custa um bocadinho quando não há intercalar. Sempre chuva. Sempre frio. Sempre calor. Gosto dos contrastes, creio.
Esta deve ter sido a receita mais elementar que deixei aqui, mas gosto tanto que assim seja. Que seja exequível, próxima. Hoje mesmo tive de voltar a fazer gelado para o jantar de amanhã. Um carinho à espera do final do dia:) E tão fácil.
É linda, a música. Dá ideia de neve. Com essa formulação-convite que é uma delícia de dizer. Ou sussurrar.
Um beijo para si.
Mar
Que maravilhosa simbiose entre imagens, palavras e o delicioso gelado de natas. Ah, e o Lou Reed, claro. :)
ResponderEliminar:) obrigada. Muito feliz por teres gostado. Gelado de natas, neve e Lou Reed. Ficam bem, assim juntos.
EliminarQue lindo !
ResponderEliminarApanhaste a neve. Serra branca com gelado branco. O mais puro, o mais simples.
A água em muitas formas, já não havia assim uns dias há tanto tempo. Estes dias de mandar os miúdos para casa mais cedo.
E depois a tua lareira.
Miss you !
Um beijo,
da Pipinha
Sim:) Conseguimos a neve. E gelado. Tenho feito sempre, que eles os dois passam a vida a pedir:)
EliminarTem sido um Inverno muito lindo. Muito diverso e generoso.
A ver se falamos e se os nossos fins-de-semana arranjam maneira de coincidir.
Um beijo. Saudades, também.
Isa
Olá, Mar.
ResponderEliminarO Manel não se cansa de falar em neve! Na Páscoa, vamos passar uns dias na Serra da Estrela e espero que ainda haja neve à espera dele.
Quando estive na Polónia, tive essa surpresa boa de acordar com neve. E fui surpreendida por ela, durante um passeio, no meio de uma floresta (tive tanta, tanta pena de não ter a máquina fotográfica comigo!). Já tinha visto neve, mas nunca tinha visto nevar. E vi ainda o lado menos mágico da neve: o trabalho que dá, de manhã, limpar o carro antes de ir para o trabalho :) Mas prefiro guardar na memória as imagens das árvores cobertas de branco, semelhantes às das tuas imagens :)
Um beijo,
Ilídia
Há-de haver neve à espera dele. Vamos ter fé nessa neve:) Ver nevar é bem especial, sim. Adoro sentir os floquinhos na pele, mesmo que estejam muito frios, mesmo que saiba que a neve e tantas outras coisas têm sempre um lado menos mágico. Mas é tudo sinal permanente de vida.
EliminarFico feliz por vires cá em breve. Vamos sair na Páscoa, mas pode ser que os astros se conjuguem:) ligo-te por estes dias.
Um beijo.
Mar
Vir aqui a este sítio e demorar-me nas palavras e em todas as sensações, é sempre um prazer imenso. Mas desta vez houve algo mais, que me diz tanto. Talvez o branco. Ou o silêncio. Maravilhoso poder ter este cantinho. Que me faz mais feliz. Obrigada. Joana
ResponderEliminarOlá Joana,
EliminarFico muito feliz. Por essa demora. Por gostares das coisas que encontras aqui neste sítio. Desta vez, a neve branca e silenciosa. Obrigada eu. Pelas tuas palavras que me fizeram mais feliz. Que estejas bem. Um abraço meu e um outro do Vasco.
Que lindo Mar! Lindas as imagens, lindo o texto. A neve é mesmo uma benção, eu adoro. Quando cai forte por aqui, eu fico apaixonada à janela a vê-la cair. Concordo contigo, acordar, viver num lugar com neve, é muito especial. Eu já tinha ido à serra da estrela (mas nunca fiquei por lá, a dormir), agora aqui, num país onde neva e onde basta olhar pela janela, para me encantar... É uma paixão sem fim. A natureza a mim deslumbra-me sempre, assim como este teu lugar tão bonito.
ResponderEliminarUm beijinho daqui de longe, e hoje está tudo branquinho, para ti, doce mar.
Olá Cláudia,
EliminarAí onde estás, não te falta neve. Muito mais do que esta, que durou uns dias e que depois desapareceu do olhar. Está na terra, agora. A fazer coisas boas e imperceptíveis na terra. Partilho dessa paixão pela Natureza que é assim como uma viagem que nunca chega ao destino.
Obrigada, minha querida. Fico bem feliz por esse teu gostar. E por essa neve aí perto de ti.
Um beijo.
Mar