Uma ironia e um caril de frango com maçãs.





Nenhuma das minhas avós cozinhava. O que significa que, das minhas memórias de criança, não faz parte aquela cena de estar junto a uma avó carinhosa, enquanto ela fazia compotas e bolinhos para o lanche. O que me custa um bocadinho é não ter um aroma ou um sabor qualquer para associar a nenhuma delas. São memórias meio insípidas, antes. A verdade é que nunca perco muito tempo a pensar nisso. Mas hoje lembrei-me. Enquanto fazia este caril. Por ter inspiração na receita da avó do meu marido. Ela sim, cozinhava. Muito. Por gosto, segundo dizem. As coisas são como são. Ou foram como tiveram de ser, quando são irrecuperáveis, como no caso da minha infância sem avós que faziam comida.

Ironia das ironias: eu faço comida. Muita. Todos os dias. E todos os dias gosto mais um bocadinho. Não obstante tudo o mais. O que já passou, o que está a acontecer e o que está para vir.

Caril de frango com maçã e outras coisas

Ingredientes para 4

4 peitos de frango do campo + 1 cebola (média) + 2 dentes de alho + 1 tomate (maduro e médio) + metade de uma malagueta vermelha + 1 colher (de sopa) de molho inglês + sumo de meio limão + 1 maçã (variedade Pink Lady) + 400 ml de leite de côco + 1 copo de vinho branco + 3 colheres (de sopa) de caril + 1 colher (de sopa) de côco ralado + 1 colher (de sopa) de Maizena Express + sal, azeite, coentros e pimenta preta q.b.

Primeiro, corta-se os peitos de frango em pedaços. Coloca-se no tacho onde vão ser cozinhados e acrescenta-se isto: sal, a colher de molho inglês, os alhos e a cebola (picados), a malagueta (picada), o tomate (sem a casca e cortado em pedaços), o sumo de limão, coentros (picados) e um fio de azeite. Envolve-se muito bem (costumo fazer isto com as mãos) e deixa-se estar um bocadinho (não é preciso mais de 10 minutos), para tomar o tempero.

Decorrido este tempo, leva-se ao lume durante cerca de 20 minutos, mexendo ocasionalmente. Entretanto, dissolve-se o caril no copo de vinho branco e mistura-se com o leite de côco. Junta-se estas duas coisas ao frango refogado e envolve-se com cuidado. Tempera-se de sal e de pimenta e deixa-se apurar durante 5 minutos. A seguir, junta-se a maçã ralada (este é um detalhe que faz toda a diferença, porque ao ralar, conserva-se bem o suco da fruta) e envolve-se. Mais coentros, pimenta preta e sal, se necessário e a colher de Maizena, para ficar bem cremoso.

Quando for altura de servir, mais coentros picados na hora e uma colher de côco ralado. E está. Uma memória com aroma a caril. Oferecida a quem quisermos:)

Com a receita, um vinho branco muito mineral, que fica perfeito com este caril. E claro, uma das músicas que acompanhou isto tudo.

8 comentários:

  1. Curioso. Costuma acontecer essa associação a avós carinhosas que sabem fazer os pratos de que nós gostamos. Era assim com a minha avó materna e o seu caril, as suas lulas guisadas, os seus bifes enrolados, os seus croquetes, a sua aletria e as inconfundíveis rabanadas. Mas também não é drama nenhum que não tenhas essas memórias. Estás a criar as tuas, as do teu filho, a escrever as páginas do teu próprio livro de receitas. Um dia, quem sabe, terás netas a quem passar as tuas receitas. Ou pelo menos se quiserem, saberão que há um sítio que tem muitas das coisas d'amar...
    Um beijo! E uma boa semana!
    Babette

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  2. Olá Mar,

    Já sorri ao ler o post porque me revejo completamente!

    Eu também não tenho memórias das minhas avós, a materna por não estar perto e a paterna por ter falecido quando eu era pequena, ainda antes do meu pai.

    Gostava de ter o imaginário preenchido com imagens ternurentas, tal como o meu marido que foi praticamente criado pelos avós.

    Mas, como a Mar diz e muito bem "as coisas são como são".

    Que perdurem as memórias dos meus cozinhados é o que eu espero!

    Como deste caril, que me parece muito bem.

    Definitivamente para experimentar, bem como o de gambas com manga e lima da Babette.

    Neste fim - de - semana o tempo por aqui esteve menos quente mas, com sol. E eu provei o gin tónico tradicional, com rodelas de pepino e o limão.

    Gostei muito e gostei de ver a reacção quando eu pedi que fosse servido assim! Um clássico é sempre um clássico, não vale a pena ir em modas.

    Obrigada Mar por me "agarrar na mão" e conduzir nestas descobertas!

    Um beijo do Sul e votos de boa semana!

    Sandra Martins

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  3. Olá Babette:

    Pois...Mas sim, não penso nisto como sendo um drama. Dizem que uma das minhas características mais determinantes é ser bem resolvida. E pouco dada a dramas:)não obstante a sensibilidade e o romantismo. Faz parte. Foi assim e não de outra maneira qualquer. Em todo o caso, sempre tive inveja das minhas amigas que tinham avós normais:)
    Seja o que for. Não penso nessas coisas lá para a frente. As receitas estão aqui. Para quem vier depois de mim. E para nós todos. Entre uma coisa e outra, significam coisas boas de comer, que é o que interessa:)

    Um beijo. Boa semana para ti também!

    Mar

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  4. Olá Sandra:

    As coisas não são simples, a maior parte das vezes. Especialmente no que diz respeito a famílias. Todos os não-ditos com tanto para contar. Mas tenho existido com as minhas elipses e a fazer muita comida:)
    Bom que tenha gostado do gin tónico versão british. Os ingleses parecem ter uma fixação gastronómica por pepinos:)Ainda assim, faço sempre da mesma maneira: com rodelas finas de lima. Sabe-me sempre bem.

    Um beijo para si. Boa semana.

    Mar

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  5. Tenho algumas memórias das minhas avós, mas nenhuma delas contempla o caril. Esse, associo-o à minha mãe e aprecio muito. Acho muito gratificante conservar essas memórias e conseguir reproduzi-las. Parece que não sabe ao mesmo, quando não é feito pelas mesmas mãos.
    Que continue a cozinhar como cozinha, é apreciado deste lado.
    Boa semana,
    Graça

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  6. Olá Graça:

    Acho mesmo que aquilo que mais perdura de uma pessoa talvez seja isto. Fazer comida e assinalar a nossa existência nas existências dos outros. Eu sei que isto, visto à escala cósmica, vale nada. Mas também, o que é que interessa essa abstracção?:)
    Obrigada. Soube bem. Aquilo de dizer para continuar a fazer comida. Foi assim carinhoso:)

    Uma boa semana para si.

    Mar

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  7. A minha avó materna cozinhava muito bem. Ainda hoje acho que consigo cheirar algumas comidas que fazia. A paterna, não. Em casa dos meus avós paternos, o meu avô era o cozinheiro de serviço. Muito à frente, o meu avô :) Não tinha outro remédio ;) É curioso como as coisas são. Falas tanto da avó do Vasco e das comidas de uma mulher que não conheceste. Acho isso de uma ternura imensa. Da tua parte e da parte do teu marido, que te passou essas memórias tão especiais. Belíssimo caril!

    Um beijo,

    Ilídia

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  8. Olá Ilídia:

    Os nossos patrimónios são todos muito diferentes. E as histórias nunca são simples.
    A avó do Vasco era uma cozinheira daquelas, pelos vistos. E o livro de receitas dela que a minha sogra me confiou é uma espécie de tesouro. Cheio de coisas boas:)
    Em todo o caso, gostava de ter tido aquelas coisas todas do imaginário das avós. Não obstante, aprendi a fazer comida. Caril incluído:)

    Um beijo.

    Mar

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