Fora de tempo.





























Ainda estariam a tempo. Mas acho que não. Para mim, o tempo do Natal já foi. Definitivamente. Por mais que se diga que só acaba tudo no Dia de Reis. Resolvi cortar com isso, que ficava triste todos os anos. Por olhar a árvore de Natal, numa espécie de limbo. Como se estivesse aprisionada, à espera de uma mudança que nunca mais vem. Por isso é que este ano decidi poupar-me a essa melancolia com sabor a fim de festa. E ontem, a árvore foi embora. Recolhi os pássaros pousados nos ramos secos. Guardei-os dentro de caixas. As luzes. Depois a árvore. Tudo a cortar com o Natal. Que o Natal já foi. Mesmo que só agora tenha apetecido rabanadas. Na noite não. No dia seguinte também não. Na passagem de ano só me apeteceu bagos de uvas e champanhe. E não foi por não querer os supostos destes dias. A sério que não. Gosto dos supostos, também. A questão toda está em que me apeteçam. O que não aconteceu. Até ontem. Até querer cumprir a minha vontade. E a de um certo rapaz de seis anos. Que gosta de aletria e de rabanadas. E que tem um charme a que dificilmente se resiste:) E então, sim. Foi ontem o dia de rabanadas. Com calda de laranjas do jardim. Ou com ovos moles, já que não vou a tempo do Majestic. E a versão mais clássica de todas, por ser a de que ele gosta. Não me importei que fosse num dia de semana nem nada. Ou que não tenha sabido a noite de Natal. Soube ao que foi o dia de ontem. E isso é suficiente.

Rabanadas

1 pão para rabanadas (com três dias) + meio litro de leite + 3 ovos batidos + açúcar e canela q.b. + óleo q.b.

Corta-se o pão em fatias com alguma espessura. Passa-se por leite e depois pelo ovo. Leva-se a fritar em óleo quente, virando-se com frequência. Retira-se para folhas de papel absorvente e passa-se logo pela mistura de açúcar e canela.

Calda de laranja

10 colheres de sumo de laranja + 10 colheres de açúcar + 2 cascas de laranja

Leva-se tudo ao lume e espera-se que ferva. Quando acontecer, reduz-se o fogo e deixa-se estar durante cinco minutos. Retira-se e reserva-se.

Ovos moles (receita da Pipinha ou da mãe da Pipinha:)

6 gemas de ovo + 6 colheres de açúcar + 6 colheres de água

Leva-se o açúcar e a água ao lume até formar ponto de pérola (o procedimento é o mesmo da calda de laranja). Quando a calda estiver no ponto, retira-se do lume e, com um batedor de varas, incorpora-se as gemas de ovo (bem batidas), mexendo sem parar (para não formar grumos). Leva-se ao lume outra vez, até ficar cremoso.

E acho que terminou. O tempo do Natal. É assim que sinto. Cortei com um tempo. Para começar outro. Para estar com tudo para esse tempo que há-de vir. Ou que está a acontecer. Por isso é que fica a música que ando a ouvir. Por me fazer bem. Faz-me pensar em sítios longe. Sítios onde podemos ser sem história. Também gosto assim. Sem história. Mas com a noção de que não dá. Olhar a última imagem é saber da narrativa. A vela que se acendeu pela primeira vez no dia um. O bâton que a minha mãe me ajudou a escolher, na tarde que passámos juntas. A AD. Porque os dias são mais bonitos com estas páginas por perto. E tinta. Nunca pode faltar tinta. A tinta que tem um nome que gosto de ler. Mystery Black. Há coisas assim. Que soam bem e pronto. Que nos fazem bem e pronto. Como rabanadas num dia que não é Natal. Uma música qualquer que nos faça felizes. E o nome de uma tinta preta. Dá vontade de viver mais. Mais um dia. Uma semana. Um mês. As gradações todas que não conseguimos saber. Não importa. Cada respirar é uma coisa que nunca aconteceu antes. Que não volta a acontecer.

20 comentários:

  1. Ainda não consegui desfazer a minha, apesar de também sentir que o Natal já passou. A partir do dia 1, já penso no regresso às aulas e deixo as festividades para trás. Mas o dia de desfazer a árvore é sempre muito doloroso :( E, por mais que até já sinta que não é Natal, ainda gosto de ver as luzinhas a piscar :) Meia paradoxal, esta atitude, mas fazer o quê? Eu sou assim, confusa :) E a esta hora, ainda mais. Cansada, depois de preparar a aula de amanhã. E o Manel que hoje teimava em não dormir. Cantou, quis ir à casa de banho, teve sede... Mil e uma desculpas para não dormir :)
    As tuas rabanadas estão com um aspeto delicioso. Que importa se não é Natal? Afinal, não dizem que é "quando o Homem quer"? Acho que nunca te disse, mas o Manel também adora aletria:) E muitas outras comidas não muito apreciadas por crianças :)
    Um beijo, que agora vou dormir. Dorme bem, também.
    Ilídia

    P.S.: Apesar de já não ser Natal, reparei no pratinho natalício ;) Lindo, lindo!

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  2. Acontecia-me sempre essa espécie de melancolia. Todos os anos a mesma sensação de a árvore e as luzes de que gosto tanto, já não pertencerem ao momento a seguir. Por isso é que a minha primeira resolução de ano novo foi aceitar que a minha árvore tinha de ir. Exactamente para poder continuar a ser linda na minha memória. Para ser a evocação dos dias quentinhos, a cheirar a canela e a laranja. Ou cada uma das noites em que me demorei, antes de ir dormir. Só para ficar a olhar as luzes. Este ano foi assim. Quis não esperar pelo dia de Reis.
    E já começou, a rotina de aulas. Soube bem, que tinha saudades. Cansada de ter estado o dia em pé (naqueles saltos que tu sabes:) Mas bem. E com vontade de dormir como se fosse criança outra vez:) E parece-me que os nossos filhos hão-de gostar de se conhecer. Já têm duas coisas em comum: aletria e rabanadas. Nada mau, para o princípio de qualquer coisa.
    E sim, um bocadinho de Natal. Nos pratos com imagens maternais.

    Um beijo de boa noite.

    Mar

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  3. Percebo bem essa nostalgia. Fico sempre ansiosa com o prolongamento até aos Reis. Mas este ano contornei. Encontrei o pretexto perfeito para a continuidade: em dia de Reis, um jantar para Rainhas!
    Que bom ter um menino que gosta de rabanadas. Lá por casa só o pai partilha esse gosto. Um destes dias partilho a versão de aletria da minha mãe. A que mais gosto. Excessiva!
    Um abraço.

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  4. Mar,
    A minha árvore ainda se mantém, até ao dia de reis. Por tradição,apenas, mas ainda ontem olhei para ela e já me pareceu um pouco deslocada, triste. Enfim....Já as rabanadas, essas voltarão à mesa mais uma vez e outra.
    Bjinhos

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  5. Tenho curiosidade pela versão excessiva de aletria:)
    Essa parece-me uma bela maneira de contornar a questão do prazo de validade do Natal. Um jantar para rainhas, então:)
    O António adora rabanadas. Hoje voltei a fazer. Para lhe dar uma sobremesa fora de tempo. É bom podermos dar coisas pequenas aos que amamos. Como rabanadas. Ou um prato de aletria.

    Um abraço para si também.

    Mar

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  6. Olá Carla:

    Percebo isso da tradição. E dos rituais que cumprimos em nome de. Este ano não apeteceu. Foi isso. Para o ano, talvez opte por seguir o preceito tácito de deixar a árvore até ao fim. Gostei dessa palavra. Deslocada. Uma árvore deslocada. Muito certa.
    E sim, desconfio que as rabanadas são assim uma coisa de quando apetecer. Mesmo que seja muito fora de tempo.

    Um beijo.

    Mar

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  7. Que bom, rabanadas fora do tempo. Nunca experimentei fazer variantes às clássicas só com o açúcar e canela. Devem ter ficado muito boas, as de laranja e as dos ovos moles da minha receita e da minha mãe, daquelas receitas antigas que não se sabe bem de onde vem. Lembrei-me de fazer no outro dia, quando vi o post na Festa de Babette, sobre as rabanadas no Magestic, mas eu comi no Natal e no Ano Novo. Tenho a minha conta. Então vão ter de esperar pela vontade :)
    Gosto dos objectos de te fazer feliz. E da música desconhecida, do ano novo.
    Beijo,
    Pipinha

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  8. Nunca me esqueci de quando me ensinaste a fazer. Pensava que era muito difícil ou assim. Que não seria capaz de fazer ovos moles. E não. Porque a tua/vossa maneira de os fazer é tão simples. À medida da minha intuição. Ou da minha aversão a demasiada técnica na cozinha. Por isso, haver rabanadas com ovos moles deve-se um bocadinho a ti e à receita que não se sabe de onde vem.
    Quando acontecer a vontade, diz:) Hoje fiz de uma maneira diferente. E ficaram melhores.
    Eu sei que sim. Que gostas dos objectos que me fazem feliz. E esta música nunca vai conseguir deixar de ser a primeira música que ouvimos este ano. Todos juntos. A brindar a um ano que nunca foi.

    Um beijo. Amanhã vou estar a desejar em silêncio que tudo te corra bem.

    Mar

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  9. Não sei se tire amanhã o presépio feito ainda com musgo.Este ano foram os animais em loiça em prata os companheiros do Menino Jesus.Todos a guardarem-no sobre um tapete de musgo.... e amanhã não sei se consigo.Está quase a apetecer-me fazer como a Mar e as suas rabananadas....deixar o presépio ficar fora de tempo.
    A propósito obrigada por mais uma receita original.

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  10. Minha querida Mar:
    Tínhamos falado no dia em que houve estas rabanadas especiais. Fizeste o teu menino feliz, mas sem dúvida que eu teria tido o maior prazer em levar-te ao Majestic para comermos 1 juntas ;). Ficará para a próxima Quadra, tenho a certeza. Entretanto, ficam as imagens das coisas pequenas que nos fazem bem: um doce, uma vela, pratos bonitos, a nossa AD (já vou a meio deste número!...), uma vela, tinta que promete palavras bonitas para serem ditas por uns lábios com um novo batôn...
    Um beijo grande. Com saudades.
    Babette

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  11. Natais deslocados. E que assim seja!
    Bj ;)
    Mar(celo)

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  12. Mar, uma optima receita para terminar esta época de excessos.
    Um beijinho para ti, e Feliz 2012

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  13. Querida Mar,

    Todo o tempo é tempo para o que quisermos. E sabe tão bem quebrar regras estipuladas. E quem as estipulou? E porquê? Quer sejam rabanadas ou outro pitéu desta ou de outra época festiva, o que interessa é o apetecer e a partilha. Cá nos Açores, às rabanadas chamamos fatias douradas ou fatias paridas. São feitas de forma muito idêntica. No passado,faziam-nas com o intuito de serem consumidas pelas mães após o parto por se achar serem bastante nutritivas para mulheres debilitadas. Por isso, eram apreciadas durante todo o ano e ainda o são. Desde pequena que em casa dos meus pais, a minha bisavó, que morava connosco, fazia estas fatias com o pão que sobrava de véspera. Eram polvilhadas com açúcar e canela. Aqui utilizam-se como um aproveitamento para qualquer pão.
    A nostalgia do Natal também paira aqui por casa. Acredita que ainda não tive coragem para retirar os adereços da árvore de Natal? Acho que esta quadra se vai prolongar por mais uns dias. E por que não?
    Um beijinho (que esta semana de trabalho não seja muito desgastante para si)
    Patrícia

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  14. Olá minha anónima:)

    Adorei essa perspectiva. A de permitir que o seu presépio permaneça. Ainda que fora de tempo. E sabe que mais? Posso ter abdicado da árvore e das luzes. Mas o menino pequenino está à vista. Ainda na almofada dourada que lhe serve de berço. Está a ver como são as coisas? Acabei por não "arrasar" com o Natal todo:) Permaneceu o que para mim é a essência. Uma criança que é todas as crianças acabadas de nascer.
    E obrigada. Mas creio que não terei inventado nada. Difícil, isso.

    Um beijo.

    Mar

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  15. Olá minha Babette:

    Acredita que sim. Que ficou bem feliz. Uma alegria só, a do António. Penso sempre no óbvio: é fácil, afinal. Fazer-lhes um bem de que não se esquecem. Como rabanadas feitas desta maneira. Assim fora de tempo um bocadinho.
    E no próximo Natal vai haver um dia guardado para rabanadas no Majestic. E com a tua mãe, também. Que gosto tanto dela e do sorriso franco que há-de ser sempre a imagem que tenho da tua mãe.
    Gostava de ir na quinta ao Porto. Por causa das nossas saudades. Mas agora só com o meu marido-motorista:) A minha autonomia para conduzir em distâncias mais longas está um bocadinho em pausa, tu sabes. A ver se sim, que gosto de pensar nisso.

    Um beijo da tua amiga Mar. Que já está bem. Não te preocupes, sim?

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  16. Olá Mar(celo):)

    Um beijo para si. E para a sua vontade de Natais deslocados:) Já disse que gosto das suas formulações?

    Mar

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  17. Olá Gisela:

    Uma espécie de chave que encerra a tal época de excessos, a receita das rabanadas de que o meu filho gosta tanto.

    Beijo.

    Mar

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  18. Olá Patrícia:

    Gostei tanto do seu acrescento ao post das rabanadas fora de tempo. E muito da designação de "fatias douradas". Só por isso, por designar. Rabanadas acaba por não querer dizer nada. O referente terá sido inventado por nós.
    E sabe, lembro-me sempre de uma cena inesquecível de um filme, quando faço rabanadas. Do Kramer contra Kramer. Pai e filho em dois momentos diferentes. A fazê-las juntos para o pequeno-almoço. Comoventes, as duas cenas que vêm à ideia, quando faço estas fatias douradas.
    E acho que faz bem em conservar o seu Natal. Ainda mais numa morada recente, onde se perspectiva Natal todos os dias:) Com vista para o mar que não acaba, à volta da sua ilha.

    Um beijo para si.

    Mar

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  19. Olá outra vez, Marcelo:

    Generosidade vinda do outro lado do Atlântico, é o que é:)

    Outro beijo aí para longe.

    Mar

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