Uma celebração


Hoje celebrou-se a vida de quem partilha a vida de todos os dias. Aquela que é plena de tudo. Mesmo das coisas que são difíceis. Ou supostamente impartilháveis. Inconfessáveis aos outros. Um ofício, no fundo. Uma tarefa que se cumpre amorosamente. Quando o outro deixa de ser outro. E está em nós. O amor de todos os dias. De todas as refeições. De todas as viagens. De todos os lugares onde se tenta ser feliz. Alguém com quem beber champanhe de madrugada. Porque sim. Porque se quer ser feliz agora. E não guardar nada para depois. Porque o depois é demasiado distante. Demasiado incerto. E a quem se oferece presentes. Dos que se podem guardar dentro de caixas. E dos outros. Que não cabem dentro de caixa nenhuma.

Foie gras e maçãs de Outono


Recebi um presente de Outono: maçãs muito perfumadas. Daquelas que são inconfundivelmente desta altura do ano. E resolvi ir buscar foie gras. Para juntar ao meu presente. E estes dois ingredientes deram-se muito bem:)
Primeiro tratamos das maçãs, cortadas em fatias relativamente finas. Que se colocam numa frigideira, com um pouco de azeite (eu sei que se costuma usar manteiga, mas eu acho que perturba, que acaba por se sobrepor aos outros ingredientes, o que é uma pena). Depois junta-se um pouco de "sauternes", uma colher de açúcar mascavado e um punhado de frutos vermelhos secos. Quando as maçãs estiverem douradas, retiram-se, junta-se mais um pouco de azeite, coloca-se as peças de foie gras e salpica-se com um pouco de sal e pimenta preta. Deixa-se fazer dois minutos de cada lado (é importante não ultrapassar este tempo, para não alterar a textura untuosa deste ingrediente) e quando estiver pronto, coloca-se em papel absorvente. Entretanto, é preciso juntar mais "sauternes" e um pouco de vinagre balsâmico. E esperar uns segundos até que tudo se harmonize e resulte num molho denso e muito perfumado. Depois, num prato, estão as maçãs à espera. Do foie gras e do molho e dos frutos vermelhos. A tempo de um copo de "colheita tardia", para tornar mais doce o sol e a brisa de domingo. A ouvir uma música que começa com a palavra mágica: happiness. Florence and the Machine, Dog days are over.

Coisas que sabem a Outono


Esta é uma das alturas do ano em que a Natureza é mais generosa. E então, procurei juntar coisas que me lembram essa generosidade. Uma carne de caça, castanhas, frutos vermelhos e trufas. E eu sei que há coisas que parecem demasiado especiais, como é o caso das perdizes. Mas a verdade é que basta um bom tempero e alguma atenção enquanto ela fica dourada no forno. De véspera, começa a alquimia: vinho branco, licor de mirtilos, sal, azeite, pimenta preta, mirtilos frescos e uma trufa cortada em lascas muito finas e leite (eu sei que parece estranho, mas a carne fica muito macia, por estar mergulhada neste tempero). No dia seguinte, basta levar ao forno durante uma hora. Que deve estar forte no início e mais brando no final, para não termos perdizes churrascadas:) Depois, filtra-se o molho, leva-se ao lume para reduzir, até ficar com uma consistência cremosa. Acrescenta-se as castanhas e mais trufas. E serve-se a iguaria, acompanhada com um vinho muito especial, muito inesquecível. Vale Meão, Douro. Um vinho das terras quentes do Douro. Bebido num final de dia de Outono.

Chocolate, vinho do Porto e frutos silvestres

Uma combinação feliz. Mesmo muito feliz. Já tinha experimentado com "colheita tardia" e com cognac. Faltava com vinho do Porto. E desta vez resolvi substituir os figos por frutos vermelhos secos. Arandos, mirtilos, amoras. Uma harmonização em que andava a pensar. E que correu bem. A mousse de chocolate faz-se sempre da mesma maneira: em ritmo acelerado. Água, marshmallows, chocolate para culinária e manteiga. Quando tudo estiver derretido, junta-se os pedaços de frutos silvestres secos, previamente embebidos em vinho do Porto. E leva-se ao frigorífico. E serve-se quando estiver com a consistência certa. Em taças antigas de champanhe. As taças de cristal das avós:)

NB: Os frutos vermelhos secos encontram-se no Club Gourmet, na zona das frutas.

No último dia de Verão


Assinalar os dias. Ritualizá-los. Mesmo quando já foram muito cheios. De pessoas, principalmente. Pela dádiva de cada pessoa das nossas vidas. E nunca me canso de o recordar.
E assim, no último dia de um Verão que já está guardado, fiz uma massa muito especial. De ovo, que se coze em cinco minutos. E um salteado de legumes: espargos, courgettes, rebentos de soja, cebola roxa e alcachofras. Depois, foi só juntar a massa cozida à mistura colorida de legumes e um fio de azeite e vinagre balsâmico. Entretanto, já havia nozes partidas à espera do grande final. E um queijo asturiano muito especial e um pouco azul, semelhante ao Roquefort, mas com um sabor mais complexo, que se chama Cabrales.
E na hora de servir, o prato é finalizado com estes dois elementos: o queijo e as nozes. Mais uma dádiva ao buda de sorriso impassível, que domina tranquilamente as pedras e as heras e as árvores. A ouvir Madredeus.

Ratatouille

E pronto. Uma das receitas mais míticas. Para mim. Por significar toda a humildade e toda a simplicidade do acto de cozinhar. E por evocar uma viagem igualmente mítica ao sul de França. Por ter sido o meu jantar, depois de um percurso longo e algo errático. Le Clos Fleuri. Era assim que se chamava a estalagem. E já era tarde. E a senhora perguntou se não nos importávamos de comer ratatouille. E foi, seguramente, uma das melhores refeições que já comi. Depois de tantos anos, aquele jantar tardio ainda está na minha memória. É esse um dos poderes da comida. O de nos levar aos lugares da nossa memória. E de conseguirmos recuperar num flash a felicidade de um momento que supostamente estava lá atrás.
Este é um prato de camponeses, muito provençal. E por isso, é muito simples. Eu procuro orientar-me pelo meu instinto, apesar de ter lido muito sobre a cozinha provençal. E cheguei à conclusão que realmente, o importante seria a minha intuição. E assim, procuro só juntar os legumes mais tenros e mais saborosos que conseguir. E normalmente são estes: courgettes pequenas, corações de alcachofras, pimentos doces, cebola vermelha, cogumelos, espargos brancos e verdes, beringelas. E mais. Os legumes que entendermos. Depois, basta colocar azeite numa frigideira e levar ao lume. E ir juntando os legumes partidos. Em cubos, em rodelas. A interpretação pode variar, mas o que conta mesmo é o prazer que se retira de cumprir um ritual tão colorido. Deixa-se saltear e tempera-se com sal e pimenta preta. E mais um pouco de azeite. Quando os vegetais estiverem com a consistência certa, adiciona-se tomate cereja aberto ao meio e deixa-se cozinhar mais um pouco. E serve-se. Como acompanhamento. Ou não. Neste dia, havia um frango dourado que estava mesmo a precisar de um belo ratatouille! E ficaram muito bem harmonizados. De tal forma, que o meu filho quis repetir. Já depois de termos terminado o jantar:)

Trufas e ovos mexidos



Já não fazia isto há uns tempos. Também porque convém respirar fundo antes de utilizar um ingrediente tão precioso. O mais curioso é que não precisa de ser propriamente cozinhado. Basta cortar em lascas muito finas e deixar cair em cima do que já está preparado. Há outras maneiras de usar trufas, mas li algures que a melhor, por ser a que mais permite sentir o sabor e o aroma destes diamantes negros, é assim: com ovos mexidos. A única coisa diferente que fiz foi juntar um pouco do líquido do frasquinho aos ovos, enquanto os fazia. Depois, foi só abrir vinho. E aproveitar o final da tarde de domingo.

Um jantar de domingo


Eu sei que parece estranho, mas adoro os domingos. E digo estranho, porque a maior parte das vezes, está presente nas pessoas a angústia do dia seguinte: a temível segunda-feira:) Mas para mim, o jantar de domingo é sinónimo de celebração. Mas uma celebração quieta, de casa. Daí que tenha sempre essa vertente de consolação. Uma receita segura: frango dourado no forno, com batatas pequenas e cenouras e cebolas cortadas em quartos. Um jantar que se faz sozinho, no forno. Enquanto a tarde corre, ao som de Madredeus. O Paraíso. Há muito tempo que a voz limpa da Teresa Salgueiro não se espalhava pela casa, pelos terraços, pelo jardim.

Tarte de chocolate, lima e framboesas

Acordei a pensar nesta receita. Literalmente. Imaginei uma tarte de chocolate com uma consistência semelhante à de uma mousse um pouco mais densa. A que acrescentaria lima. E framboesas. E depois foi só concretizar o meu sonho:)
Assim:
Faz-se uma base de bolachas digestivas, igual à que costumo fazer para as receitas de cheese cake. Coloca-se no congelador, enquanto se faz o resto. Entretanto, derrete-se uma barra de chocolate para culinária em banho-maria, com 50 g de manteiga. Quando estiver derretido, mistura-se metade de uma lata de leite condensado e envolve-se bem, juntando duas folhas de gelatina, previamente demolhadas em água fria. Depois, adiciona-se o sumo e a raspa de uma lima. De seguida, junta-se 5 gemas e mexe-se de imediato, para não estragar tudo:). No final, envolve-se nesta mistura três claras batidas em castelo. E coloca-se por cima da base de bolacha. E leva-se ao frigorífico durante umas oito horas. Ou ao congelador, se tiver que ser mais rápido.

E depois... a parte melhor: serve-se! Com framboesas e raspa de lima e açúcar em pó. Como pequenos flocos de neve. Em Setembro.

Duas boas memórias

Duas das minhas melhores memórias. A de um almoço num restaurante que parece uma casa, num sítio que se chama Moreira de Cónegos, perto de Guimarães. E é mesmo bom guardar um sítio por aquilo que se comeu. Embora também tenha gostado do espaço, do serviço e da simpatia do dono. Pedro Nunes. Um autodidacta. Alguém com um gosto muito autêntico pela comida. E que o partilha com alegria e generosidade. E então, para além do São Gião, este chefe muito simpático, também tem um outro espaço em Matosinhos. Chama-se 44. Que é o número na rua onde fica o restaurante. Duas boas memórias. Que também partilho, por achar que vale mesmo a pena ir a Guimarães. E a Matosinhos. por causa de uma refeição.
Deixo os sites:
NB: A fotografia não é minha.

A luz de Setembro


Apesar do título poético, vou falar de coisas bem práticas. Mais particularmente de uma maneira de termos sempre a possibilidade de ter um jantar rápido e muito de casa. Eu posso ser capaz de me dedicar durante horas a preparar uma refeição. E de ir experimentando coisas. Mas também sei que por mais que se procure ritualizar, há dias em que simplesmente...não dá. Então, a melhor maneira de não nos sentirmos mal, depois de um dia cansativo, é reinvindicarmos o nosso direito a ter uma refeição acabada de fazer, quentinha:). E vinho. E pão fresco colocado no forno, para ficar ainda mais estaladiço. Frango e peru. Carne branca, que se faz muito rapidamente. Que não precisa de grandes temperos antecipados. E que pode ser conjugada com quase tudo. Um dos meus recursos para os tais dias em que não dá. E então, devagar, à medida que se vai cortando legumes, a vontade de fazer comida regressa. Basta um pouco de sal e de sumo de limão, para temperar a carne. E deixa-se descansar durante meia hora. Depois, vem só a parte terapêutica: cortar cenouras, beringelas, courgettes, cogumelos frescos (que não devem ser lavados, para não absorverem a água), pimentos. O que se entender. Ou o que houver. A seguir, coloca-se azeite numa frigideira e a carne, para ficar dourada. Deixa-se estar durante uns dez minutos. Retira-se e faz-se os vegetais. Quando estiverem no ponto, voltamos a juntar a carne e deixamos cozinhar mais um pouco. Depois é ter arroz branco, muito solto. E o tal vinho. Que neste dia era do Dão. Com o nome de Raro. E consegui um bocadinho da luz de Setembro nas minhas árvores. Junto a um fragmento de pedra sem idade.

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